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Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus? Etapa

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual

1.4. Arranjo Argumentativo 1 (A.A.1)

1.4.1. Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus? Etapa

Entro em mais um museu. Passando pelo portão posso voltar a desfrutar da bela paisagem que emoldura todo o MAC (Museu de Arte Contemporânea de Niterói). Respirando a maresia branda preciso desviar de algumas das muitas pessoas na praça! Cada uma olha uma coisa diferente, com um olhar diferente. Algumas tiram foto, outras param sozinhas a admirar, outras conversam, umas sobem, outras descem a rampa. Um pequeno grupo senta no chão, buscando a sombra que a arquitetura proporciona. Ficava

pensando: quantas estarão aqui pelo mesmo motivo que eu? Bem, na ocasião, meu motivo era assistir a mais um seminário internacional. Ia com muita alegria e expectativa porque esses seminários sempre aguçaram muito meus interesses acadêmicos e enriqueceram com novidades minhas curiosidades. Subi, e logo percebi que estava no lugar errado. Tinha que descer, falou a moça na recepção. Desci respondendo minha pergunta... pelo fluxo de pessoas, quase ninguém estava ali por causa do seminário.

Lá dentro foi tudo muito aprazível, como de costume. Bons temas e palestrantes. O que eu estava esperando aconteceu quase no final, com horário muito adiantado noite à dentro, já com pouca luz e sem ar condicionado no auditório (por problemas técnicos) mais da metade da platéia “sobrevivente” parecia não se incomodar com os percalços e cansaço físico face às acaloradas discussões. Foi assim que um moço na platéia e o professor (e gestor) Vergara, coordenando aquelas mesas, começaram a discutir e chegaram a conclusão, com auxílio de mais alguns (provavelmente museólogos e demais palestrantes do dia) na platéia de que atrair as pessoas para os museus era o maior desafio atualmente.

E fiquei me perguntando: - e todas aquelas pessoas pelas quais passei na entrada? E o fluxo de pessoas indo e vindo que eu vejo sempre que passo na frente desse e de outros museus e dentro das casas de cultura? Por que tantas pessoas que trabalham com isso acham que não tem público nos museus?! Por que como administradora vejo tanto investimento e discussões governamentais nesses espaços de cultura? Por que como turismóloga percebo cada vez mais ênfase nessas organizações como capazes de incentivar o desenvolvimento de regiões?! Aí estava minha pergunta!

Nem essas pessoas são cegas, nem eu estava tendo alucinações. Então, qual poderia ser a explicação dessas percepções tão diferentes? Por que os museus estão vazios para uns e cheios para outros?

Era claro para mim a essa altura que isso não era uma questão de bilheteria. A maioria dos museus no Brasil não sobrevive de bilheterias, de fato não sei se algum sobrevive. Certo é que a maioria é mantida pelo poder público e isso foi um dos fatos que incentivou a criação das Organizações Sociais (OS), por exemplo. Ainda tem todo o esforço do poder público e do mercado para criar ou manter museus. Ora, se ninguém visitasse esses espaços, haveria algum motivo para organizações privadas manterem

espaços de cultura? Haveria justificativa plausível para que o governo gastasse o dinheiro de nossos impostos financiando operações caras de trocas de exposições e obras de arte se fosse só para guardar o patrimônio? Mais valeria nesse caso, alugar um cofre!

No entanto, na introdução deste ensaio citei muitas experiências e projetos de revitalização onde a iniciativa pública e a privada se alteram financiando inclusive organizações deste tipo. E os museus são nesses processos de revitalização, não mero enfeite, mas pelo menos parecem aos olhos dos investidores bons negócios ou organizações com funções sociais tão grandes a ponto de justificarem os investimentos públicos. Então, de novo, por que os gestores de museus e os museólogos reclamam que as pessoas não usam esses espaços?

...

O que eu acredito que aquelas pessoas (museólogos e afins), com muita experiência em museus estavam querendo dizer é que as exposições encontram pouco público. Isso de fato deve ser verdade, afinal, eram pessoas de diversos países do globo falando e concordando com isso. Desde que eu comecei a frequentar seminários e encontros sobre museus lembro de ouvir acerca do descontentamento sobre a falta de compreensão do público para as exposições. Ou as pessoas não entendem arte, não se interessam por história, preferem outros tipos de diversão ou lazer, enfim.. então, na verdade eu preferi pensar que o problema dos museólogos era a falta de público para seus

conteúdos. Muito embora esse assunto seja considerado por mim de extrema relevância

e utilidade pública, merecedor de inúmeras teses, não creio que eu tenha conhecimento suficiente para discorrer sobre ele.

Acredito, no entanto, que o que eu posso fazer para ajudar é oferecer uma leitura plausível do fenômeno à luz da administração. Então, uma coisa é uma organização ser compreendida como relevante pelo senso comum, o que é muito importante para a sua institucionalização (SILVEIRA et al 2013), outra é o que a própria organização entende por ser sua função principal, e uma terceira é a possível consonância dessas duas. Claro que é desejável para uma organização que ela seja compreendida com importante por desempenhar aquilo que realmente é sua função principal.

A ideia de legitimidade embasa tanto a Teoria Institucional quanto a Burocrática. Mas, enquanto para Weber, a dominação exercida nas organizações burocráticas tem uma

origem racional, e, portanto, legítima do poder, para a Teoria Institucional a legitimidade se constrói a partir da capacidade da organização em internalizar valores compartilhados no meio, ou contexto de referência onde ela atua. Então, em lugar de adotar racionalmente novas tecnologias e estruturas (calculando meios e fins), muitas organizações implementam inovações para proporcionar legitimidade em lugar de desempenho, em um processo isomórfico de institucionalização (DIMAGGIO e POWELL, 2005). Como apontam estudos de DiMaggio e Powell (2005) o modelo burocrático pode ter sido expandido ele mesmo por um processo de institucionalização mais do que por uma necessidade racional ou administrativa. Fachin e Mendonça (2003, p.29) defendem que “a perspectiva institucional pode ser tipificada como uma abordagem simbólico-interpretativa da realidade organizacional, apresentando uma posição epistemológica predominantemente subjetivista, em que é salientada a construção social da realidade organizacional”.

Selznick (1971, p.5), por sua vez, vê institucionalização como um processo. De acordo com o autor, o processo de institucionalização “é algo que acontece com uma instituição com o passar do tempo, refletindo sua história particular, o pessoal que nela trabalhou, os grupos que engloba com os diversos interesses que criaram, e a maneira como se adaptou ao seu ambiente”. Além disso, Selznick acreditava que dificilmente uma organização conseguiria manter-se livre desse processo. A criação e a incorporação de valores, em sua visão, refletem o grau de institucionalização de uma organização, e está no cerne deste processo. Para ele, não se trata de um fenômeno vazio, pois “a transformação de organizações técnicas expiráveis em instituições é marcada por uma profunda preocupação de autopreservação” (SELZNICK, 1971, p.5), que busca diminuir riscos e atingir objetivos de curto e de longo prazo. A identidade e os valores forjados durante sua existência determinam não somente sua longevidade, mas também o ritmo e a forma de sua transformação e desenvolvimento. A criação e a incorporação desses valores, para o autor, refletem seu grau de institucionalização.

De acordo com Carvalho et al. (2003), a partir de conceitos como institucionalização, mitos, normas e legitimidade, é possível explicar o desenvolvimento do Institucionalismo por meio de três orientações: econômica, política e sociológica. A primeira destaca os componentes organizacionais (empresas, mercados e relações contratuais), instituições econômicas que não apareciam como preocupação central da teoria econômica; resgata o processo econômico como elemento decisivo de construção

social. A segunda mantém seu foco de análise sobre os aspectos legais e a ordenação administrativa de governo. A terceira, a orientação sociológica, herdeira dos estudos de Émile Durkheim, coloca em evidência a relevância dos sistemas simbólicos, de conhecimento, crenças e autoridade moral, tomados por instituições resultantes dos relacionamentos sociais. O simbolismo teve papel central nas origens sociológicas do institucionalismo. A partir dos estudos de Durkheim sobre os sistemas simbólicos, de conhecimento, crenças e autoridade o pensamento institucionalista obteve grande suporte em sua tentativa de apresentá-los como resultados produzidos pela ordem social, dotados de caráter institucional. Igualmente importante foi a contribuição de Max Weber, que, mesmo sem tomar os resultados socialmente construídos como instituições, colaborou decisivamente para o entendimento do papel da cultura e da história na conformação da sociedade e da economia.

Assim, as perguntas que me fiz refletem essas três orientações propostas por Carvalho et al. (2003): econômica, política e sociológica. Parece-me que nessa primeira etapa de análise posso resumir os argumentos e a narrativa nas seguintes categorias:

- Orientação econômica – museus como âncora para os projetos de

desenvolvimento – valorização econômica do entorno. Para a orientação econômica os

museus parecem ter significado central nos processos de revitalização e revalorização de zonas subaproveitadas no mercado, por ancorarem os projetos de desenvolvimento e reurbanização dessas áreas. Na prática, essas organizações realmente têm centralizado zonas que na maioria das vezes tiveram seu entorno mais valorizado no mercado imobiliário a partir de sua criação. Como todo o processo histórico e social implica em uma relação entre escolher o que lembrar e o que esquecer, ou, o que valorizar e o que esconder, marcante é o depoimento coletado em entrevista por Coelho (2008) onde um entrevistado diz que a primeira coisa que construíram antes do MAC foi o muro, batizado por ele de muro da vergonha. Um muro que deveria esconder o morro em processo de favelização que fica na frente do terreno onde hoje tem o museu, para não prejudicar a vista do entorno da construção, que acabou aquecendo muito o mercado imobiliário da região.

- Orientação política – museus como espaços democratizantes da cultura –

valorização social – aumento de capital cultural. Nessa orientação, os discursos

assim o investimento público. Pretendem com isso melhorar os indicadores sociais de determinadas partes das cidades, com indicadores tidos como ruins, como é o caso do centro do Rio de Janeiro, zona contemplada no projeto Porto Maravilha, como informa Toledo (2012). Por outro lado, acredito que poderia se aventar uma intenção de melhorar o capital cultural das cidades, aumentando assim seu potencial turístico, econômico e até de desenvolvimento social.

- Orientação sociológica – museus como espaços onde se deve ir – museus

como pontos de encontro – museus como locais de passeio. Espaços onde se deve ir

porque há uma pressão social para isso é um ponto de vista a ser considerado, que foi levantado de forma inteligente, como acredito eu, por uma coordenadora de projetos sociais em museus, em entrevista para mim há algum tempo atrás. Há cada vez mais como lembra a literatura (vou citar ALDEROQUI e PERDERSOLI, 2011) uma pressão social para visitas aos museus e casas de cultura. Por outro lado, minha narrativa e inúmeras observações vêem os museus como espaços de encontro. São lugares relativamente seguros e bonitos, onde as pessoas marcam encontros, podem esperar com tranquilidade umas às outras, podem ir a um café, fazer compras nas lojinhas de souvenirs, passear nos jardins, desfrutar vistas dos terraços, e namorar. Disso decorre a última categoria, onde essas organizações acabam se ressignificando como espaços de passeio.

Nenhuma delas, no entanto, explica o fascinante universo, distante das pessoas “normais” ou leigas dos curadores e dos gestores desses espaços. Eu categorizei a perspectiva delas como estando ligada ao conteúdo dos museus. Talvez eu esteja sendo superficial nas minhas primeiras apreensões, tentando responder a inquietação dessas pessoas com o olhar qualificado em relação ao sentimento de “não público” nos museus. Pode ser que esse sentimento reflita de alguma forma as pressões tão diferentes derivadas dessas três orientações. Então, uma possível nova categoria seria: pressões a partir de

Quadro 1: resumo da análise do Arranjo Argumentativo 1, etapa 1 - Por que algumas pessoas não enxergam outras pessoas indo aos museus?

Orientação / perspectiva Categorias

Orientação econômica  Museus como âncora para os projetos de desenvolvimento

 Valorização econômica do entorno

Orientação política  Museus como espaços democratizantes da cultura  Valorização social

 Aumento do capital cultural

Orientação sociológica  Museus como espaços onde se deve ir  Museus como ponto de encontro  Museus como locais de passeio Perspectiva dos

curadores e gestores de museus

 Conteúdo dos museus

 Pressões a partir de racionalidades diferentes

Fonte: elaboração própria.