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Apropriação x Desapropriação das cidades e da cultura Etapa 3 (A.A.2)

1. Organizações Museais e Emancipação: uma aproximação conceitual

1.5 Arranjo Argumentativo 2 (A.A.2)

1.5.3. Apropriação x Desapropriação das cidades e da cultura Etapa 3 (A.A.2)

Nessa etapa pretendo argumentar em torno da questão: qual racionalidade deve

embasar as ações administrativas para que a organização seja coerente com sua razão de ser?

Com base na argumentação anterior, é difícil posicionar-me para responder a pergunta de forma conclusiva. Fica cada vez mais evidente que são muitos os interesses em jogo, e que cada um deles impõe uma lógica de desenvolvimento e um paradigma que o suporte.

[o museu] está em debate internacional. Entretenimento, alienação, capitalismo, marketing, o museu se pergunta a quê paradigma cultural ele serve. À massificação, à cultura capitalista, ou como atuar para responder a uma educação, como serem atuantes para uma demanda de que ele precisa educar a sociedade, de educação, de conscientização. Há também uma crise em relação à curadoria, as práticas artísticas e as

Orientação econômica

Orientação política

Orientação sociológica

Perspectiva dos curadores e gestores de museus • Foco na promoção do bem privado • Foco na promoção do bem privado • Foco na promoção do bem comum • Foco no uso público

•Emancipação humana •Pequena inclusão social sem

transformação radical da realidade •Embelezamento para o outro ver

práticas pedagógicas críticas. Os problemas não estão resolvidos. (Vergara, em entrevista, 2011).

No cenário exposto acima, onde o museu abriga a lógica do mercado, ele não pode se constituir em local privilegiado ao desenvolvimento humano. Por isso foi preciso refletir acerca do quê é esse novo museu e qual seu papel. O caminho teórico percorrido indicou possíveis explicações para as causas dos problemas que impedem que o museu assuma seu papel servindo à sociedade em um sentido emancipatório.

Em 1992, a Declaração de Caracas abre o documento final explicitando a necessidade de “atualizar os conceitos e renovar os compromissos adquiridos” em Santiago do Chile em 1972 e afirma que “o museu tem um importante papel no desenvolvimento integral da América Latina” (DECLARAÇÃO..., 1992, p. 37). Assim, a Declaração de Caracas inova em relação ao papel dos museus no desenvolvimento latino americano, mas reafirma, em minha opinião, muitos dos conceitos que haviam surgido tais como o museu integral. Para Horta (1995) esse conceito foi reformulado propondo uma queda dos muros dos museus, mas a sua ideia fundamental de situar o homem onde ele está, e de ação em um espaço maior permanece, no meu entendimento. Na Declaração de Caracas (1992), a tendência a privatização é considerada uma ameaça à integridade e a segurança do patrimônio e ao desenvolvimento à que se propõe, mediado pelos museus. E, dentre as recomendações acerca da gestão dos museus, tal documento diz que a gestão deve ser guiada por princípios éticos.

Salvo nesse documento, na maioria dos livros consultados e encontros nos quais participei, o caráter público ou privado dos museus parece querela menor posto que muitos deles já têm ações conjuntas ou tornam-se cada vez mais híbridos no tocante à origem de seu financiamento (indispensável à sua manutenção). A sociedade está viva, as desigualdades no Brasil são latentes. As organizações se deparam com isso e precisam responder de alguma forma. Ou defendem-se, buscam subterfúgios para garantir a integridade de seu patrimônio, como grades, identificação nas entradas, sistemas de segurança dos mais variados tipos, fechando-se para a sociedade e inventam termos como comportamento de cidadania organizacional, ou afirmam que o desenvolvimento econômico é o único sustentável. Ou abrem suas portas, deixam-se invadir e transformar por completo, até servirem definitivamente à sociedade ou deixarem de existir. Ou ainda, reformam-se, num misto de defesa e ataque, criando um espaço híbrido, entre dentro e fora.

Vejo nesse hibridismo mais desafios do que oportunidades para essas organizações. Isso porque há um conflito da racionalidade subjacente a essas fontes financeiras e os museus. Além disso, também há um choque entre as medidas de desempenho a serem privilegiadas pela administração.

Argumento que a razão única que pode embasar a transformação dos museus em locais privilegiados em um processo de desenvolvimento humano de partes das cidades é a substantiva, porque é a única que considera valores éticos. Se a lógica subjacente às organizações do mercado é a razão instrumental, ou seja, aquela baseada no cálculo utilitário das consequências, então os museus mantidos pelo setor privado, que é regido pelo mercado, não teriam razão para serem potencialmente locais propícios ao desenvolvimento da emancipação. “Weber mostrou que a calculabilidade e previsibilidade, as características essenciais da racionalidade instrumental na economia, permearam também a esfera política” (FREITAG, 2004, p. 91), mas eu ainda acredito na cultura como sendo um espaço aberto e propício para o exercício da razão substantiva, ou seja, para que os homens convivam em relações cooperativas e comunais, com base em valores éticos, e em processo de emancipação. Mais amiúde, acredito nos museus como sendo espaço privilegiado para que os homens não só guardem e cuidem, mas notem-se por meio dos objetos guardados e transformem-se.

Da mesma forma, as medidas de desempenho que podem ser aplicadas a uma organização são: eficiência, eficácia, efetividade e relevância. Dessas, relevância é a única que possui valor ético19, e, por isso mesmo, é a que deve embasar o setor público. Já o privado, que é pautado pela maximização do lucro ou manutenção da organização (com fim de garantir segurança de lucro aos donos ou acionistas), e isso é conseguido, sobretudo, ao atender as duas primeiras medidas de desempenho: eficiência e eficácia. Para pautar as decisões de uma organização, é preciso determinar qual medida de desempenho será priorizada, e acredito que uma organização com finalidade voltada ao bem comum só pode priorizar a relevância, utilizando as outras medidas apenas como meio a atingir o seu fim. Tudo isso torna a situação de organizações híbridas como as que estão se tornando os museus muito delicada. Torna muito frágil também as atuais Parcerias Público-Privadas pelo mesmo motivo. Essa fragilidade fica mais evidente

19 Notas de aula do professor Marcelo Milano Falcão Vieira, em aulas na Fundação Getulio Vargas, em

quando observamos o quão divergentes e excludentes são algumas das categorias utilizadas para resumir as análises.

Para Ramos (1983, p. 64) é possível definir organização “como modalidade de mecanismo consciente de controle”, e isso é justamente o contrário do que defendo. Defendo que os museus podem ser organizações que possibilitem a libertação humana, e não o controle. Isso pressupõe uma mudança drástica na forma como essa organização se define, se estrutura e é administrada. O museu deve se redefinir de tal forma que a comunidade interaja com ele, e que consiga, através de suas exposições, se notar melhor, entender quais mecanismos a oprime e emancipar-se.

Contemporaneamente, as organizações estão preocupadas com as pessoas em um sentido que extrapola o universo daquelas pessoas que nelas trabalham ou que são beneficiárias diretas de seus produtos e serviços. Exemplos disso são ações de responsabilidade social (TURKER, 2009; McGUIRE, 1963), de sustentabilidade sócio- cultural (SACHS, 2000) e similares. Esforços têm sido empreendidos na área de comportamento organizacional para entender as diversas formas em que o comportamento dos empregados podem influenciar a performance da empresa. A partir deste ponto de vista, há uma instrumentalidade muito explícita que orienta os estudos: aumentar o lucro das empresas direta ou indiretamente. Nesse mesmo sentido instrumental, também, muitos esforços têm sido empreendidos pelas organizações em geral a favor da responsabilidade social. No entanto ainda parece inexplorada a relação não-lucrativa que essas ações podem ajudar a criar entre organizações e seus funcionários em uma corrente mais solidária.

Para a organização desta etapa de análise, com base nos focos da razão de ser dos museus a partir das proposições do arranjo 2, acredito ser possível resumir as racionalidades conforme segue:

Figura 5: resumo da análise do Arranjo Argumentativo 2, etapa 3 - Qual racionalidade deve embasar as ações administrativas dos museus para que sejam coerentes com sua razão de ser?

Fonte: elaboração própria.

1.6 Algumas colocações de fechamento e modelo teórico proposto para o