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A temática da violência e sua reprodução no seio da infância, adolescência e juventude atualmente tem se colocado enquanto problema central e desafio a ser encarado pelos países, sobretudo os de terceiro mundo, que destacam-se pela dis- tribuição de renda desigual e situação de pobreza acentuada, permitindo o ques- tionamento da legitimidade dos sistemas econômicos, políticos e sociais da nação e exigindo um esforço conjunto de toda a sociedade na tentativa de melhor com- preensão e enfretamento da questão.

As razões dessa iniquidade que afetam os segmentos infanto-juvenis não são exclusivamente econômicas, mas se referem a um padrão altamente concentrador de renda e de poder que se reproduziu no país, garantido por uma herança lusitana de relações políticas e sociais autoritárias, que desde a época colonial, mantive- ram a parte, parcela considerável da população alocada em espaços periféricos, focos da reprodução de uma sociabilidade violenta. Esse universo vem configu- rando, historicamente, o segmento dos vulnerabilizados e desfiliados socialmente e ganhando maior expressividade, sobretudo, nos dias atuais, em detrimento das mudanças mais amplas e globais de cunho sociopolítico e econômico pelas quais enfrentam os países, a exemplo do Brasil.

Nesse contexto, o segmento infanto-juvenil, como objeto de investigação e de formulação de políticas públicas, tem chamado a atenção de atores diferenciados, nacional e internacionalmente, considerando, sobretudo as condições de pobreza e de precariedade em que esses atores estão inscritos, atreladas à reprodução dos

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elevados índices de violência em suas múltiplas dimensões nos distintos espaços de sociabilidade.

A pobreza reproduzida por esse segmento passa a ser definida em detrimento do contexto social em que se vive, considerando o padrão de vida e a maneira como as diferentes necessidades são supridas em uma dada realidade socioeconômica. Tal condição deve ser vista de forma relativizada sendo compreendida, portanto, por comparação, estando ela vinculada às necessidades a serem satisfeitas, em função do modo de vida predominante no espaço social em questão. Deve ser en- carada como um estado de carência relativamente a outras situações sociais com que é confrontado, significando a ausência de meios necessários para agir de modo satisfatório no conjunto social em que se vive. Pensar a temática infanto-juvenil e a violência em espaços vulneráveis significa analisar os contextos diferenciados não somente a partir do consumo, mas também relacioná-lo a um modo de vida e de sociabilidade, incluindo um conjunto de outros itens como educação, esporte, la- zer, saúde, transporte, habitação, etc., considerados também necessidades funda- mentais a serem satisfeitas por esses indivíduos e imprescindíveis para se pensar a cidadania e a inclusão social.

De acordo com Townsend (1993), as privações podem surgir em quaisquer ou todas as esferas da vida: no trabalho, domínio que provê os recursos determinantes para que os indivíduos se posicionem em outras dimensões da vida; no lar, na es- cola, na vizinhança e na família; enfim, em uma diversidade de atividades sociais e individuais em que diversos papéis sociais são desempenhados. (TOWNSEND, 1993, p. 36)

Pensar a redução da violência por meio da emancipação infanto-juvenil sig- nifica atentar-se não somente para uma das dimensões do problema, a da escola, por exemplo, mas relacioná-la a um conjunto de fatores e contextos sociais deter- minantes para a manifestação de determinado fenômeno.

Tal visão relaciona-se ao que Sen (2000) define como falta de liberdade de di- versos tipos para que os indivíduos usufruam de condições de vida minimamente satisfatórias. A baixa renda certamente contribui para essa situação, mas deve ser somada à influencia de diversos outros fatores como falta de escolas de boa quali- dade, de equipamentos públicos eficientes para intervenção nas comunidades, de saúde e de medicamentos, subjugação da mulher, problemas ambientais, falta de empregos, etc. (o que afeta os indivíduos mais que a renda).

Nessa ótica, a infância e a juventude no Brasil e na Bahia devem ser anali- sadas partindo da perspectiva dos direitos de cidadania, da participação, do in- centivo ao protagonismo, o que se dá a partir da conformação de uma linguagem pública baseada em exigências de equidade e justiça estabelecendo uma forma de sociabilidade não violenta, mas regida pelo reconhecimento do outro como sujeito de direitos e interesses válidos, valores pertinentes e demandas legítimas.

A partir da pesquisa realizada com os educandos da Fundação Cidade Mãe e dos indicadores socioeconômicos do Estado da Bahia percebeu-se o crescimen- to significativo de crianças, adolescentes e jovens em situações particulares de denegação de direitos elevando as incidências da violência nas suas múltiplas dimensões.

A realidade desses atores deve ser pensada não somente considerando a in- suficiência de renda que lhes atingem, mas também pela ótica da privação das capacidades, inscrevendo-se num campo de discussão que se coloca frente aos objetivos de justiça social, da igualdade e das desigualdades, culminando numa definição que, sem negar a relevância dos fatores econômicos, enfatiza as conota- ções legais, as implicações políticas e sua pertinência social. Logo, sem desprezar os fatores econômicos, tais reflexões devem remeter a questão das “vulnerabilida- des” ao campo da liberdade e da emancipação social, ou seja, não basta ter recursos econômicos se não se consideram as possibilidades de convertê-los em capacida- des de ação, de participação e de autonomia. (SEN, 2000)

A violência reproduzida entre as crianças, adolescentes e jovens de comuni- dades pobres, como estas das quais fazem parte os educandos da Fundação Cidade Mãe, pode ser reduzida mediante a ampliação dos benefícios sociais oriundos das ações governamentais articuladas a outras esferas e, também, da elaboração de políticas públicas intersetoriais focadas nesses segmentos. Contudo, para garantir isso, é necessário empoderar as pessoas, reconhecê-las nas suas múltiplas identi- dades, principalmente as mais afetadas pela miséria, para que os bens e serviços públicos sejam ampliados de modo efetivo e as deficiências sejam eliminadas.

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