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Assistência educacional prisional no contexto brasileiro

No Brasil, com o advento da Constituição Federal, de 1988, restou formal- mente consolidado o modelo ressocializador, mediante o tratamento penitenciá- rio, como reação ao crime, quando o legislador constitucional, assegurou, dentre outros direitos e garantias fundamentais, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; que “não haverá penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do Art. 84, XIX; de caráter perpé- tuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis”; que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”; que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”;

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e que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. (BRASIL, 1988, Art. 5, § III, XLVII, XLVIII, XLIX, L)

Vê-se, assim, que o legislador constitucional recepcionou, no ordenamento jurídico interno, as garantias e orientações existentes no ordenamento jurídico in- ternacional, vigente no âmbito da ONU e na Organização dos Estados Americanos, quanto à humanização das penas, buscando o fim ressocializador para essas. Esses direitos e garantias fundamentais inseridas no texto constitucional resultaram, ademais, por recepcionar o objetivo da execução penal previsto no Art. 1, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, que prevê enquanto obje- tivo da execução penal “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro passa a atribuir à pena o fim ressocializador.

Nesse sentido, em sede infraconstitucional, a Lei nº 7.210/84 – Lei de Exe- cução Penal, fixa a “harmônica integração social do condenado e do internado” enquanto objetivo da execução penal e, para tanto, em seu Art. 10, dispõe que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o cri- me e orientar o retorno à convivência em sociedade”, assegurando, também, essa assistência, ao egresso do cárcere. Essa assistência consiste, segundo o Art. 11, em assistência material; à saúde; jurídica; educacional; social e religiosa.

Essa legislação ajusta-se às normas internacionais, já analisadas, pois atribui ao Estado o dever de prestar assistência educacional, laboral e social, consideradas por alguns estudos criminológicos empíricos como sendo aspectos fundamentais para uma possível ressocialização, além de recorrer, conforme dispõe o Art. 4 à cooperação da comunidade para o pleno retorno do encarcerado à convivência so- cial. Nesse sentido, a Lei de Execução Penal brasileira assegura ao encarcerado a “instrução escolar e a formação profissional” (art. 17); o “trabalho como dever so- cial e condição de dignidade humana com finalidade educativa e produtiva” (art. 28); e o “amparo social destinado ao retorno à liberdade” (art. 22); Ademais, a le- gislação brasileira, em atenção às normas internacionais, assegura ao encarcerado uma “assistência laboral que atenda as necessidades futuras do mesmo, bem assim as oportunidades do mercado” (art. 32). Inequívoco o fim ressocializador atribuído a sanção penal.

Se, por um lado, a legislação brasileira se ajusta as garantias e orientações internacionais, por outro, a realidade empírica tem demonstrado que o Brasil se distancia, gravemente, da consolidação de uma prática penitenciária que assegure condições dignas de internamento penitenciário. Esse quadro geral de vitimização da população encarcerada pode ser demonstrado pela inexistência e∕ou fragilida- de das assistências educacional, laboral e sociofamiliar, como se vê abaixo:

Quanto à assistência educacional:

Em geral, os perfis educacionais e profissiográfico da população prisional de- monstram reduzido grau de escolaridade dos encarcerados, bem como a ausência de motivação dos mesmos em iniciarem ou prosseguirem a formação escolar du- rante e após o encarceramento. Ou seja, embora a legislação estimule a assistência educacional, a realidade empírica tem demonstrado que os escassos serviços edu- cacionais, existentes em algumas instituições penitenciárias, não têm conseguido motivar os encarcerados a buscarem na formação escolar uma alternativa para o período pós-encarceramento.

Essa realidade tem como gênese, dentre outros, os seguintes fatores: ausên- cia e/ou escassa oferta da assistência educacional; oferta descontinuada; oferta dissociada do sistema educacional nacional; estrutura inadequada para o ofere- cimento da formação escolar; priorização da ordem, da disciplina e da segurança em detrimento do funcionamento contínuo da assistência educacional; perda de estímulo em decorrência dos problemas de saúde que acometem os encarcerados; ausência e/ou escasso planejamento didático-pedagógico;

A experiência tem demonstrado que a assistência educacional penitenciária, na maioria das vezes, tem reproduzido o mesmo funcionamento seletivo e exclu- dente do sistema educacional geral. Ou seja, tem contribuído tão somente para ratificar os estereótipos e estigmas socialmente atribuídos a esses setores, pois não tem conseguido melhorar o grau de formação dos mesmos, mantendo-os como não alfabetizados e desqualificados para o mercado de trabalho.

Essa realidade demonstra a dificuldade, e também resistência, da Administra- ção Penitenciária ajustar sua estrutura e funcionamento à legislação internacional penitenciária. Demonstra, também, como o discurso da manutenção da disciplina, da ordem interna, da segurança penitenciária, esvazia qualquer possibilidade de assistência integral. Se, por um lado, a legislação internacional e nacional prevê o modelo ressocializador de reação ao delito, atribuindo à pena o fim ressocializa- dor, por outro, a realidade atual das instituições penitenciárias demonstra que, a partir do discurso da manutenção da disciplina, da ordem interna, da segurança penitenciária, muitas vezes, a assistência educacional é desestimulada diante do discurso de manutenção da disciplina.

Contrariando essa realidade, a Argentina desenvolve, desde 1985, experiência educacional que tem demonstrado bons resultados quanto a assistência educacio- nal. Trata-se do projeto “A Universidade vai à prisão”. Esse projeto foi desenvolvido nos cárceres de Devoto, Caseros e Ezeiza, em Buenos Aires, e consistiu no ofere- cimento de cursos permanentes nos níveis primário, secundário e universitário. Professores das mais diversas áreas, da Universidade de Buenos Aires, fizeram fun- cionar naqueles cárceres a assistência educacional formal contínua. Alberto Elbert (2000, p. 119) avalia e defende esse modelo de assistência educacional ao afirmar que

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las propuestas educativas adecuadas constituyen, se- guramente, las mejores opciones que restan a los siste- mas penitenciarios para influir positivamente sobre los individuos presos. Las ‘terapias de reinserción’, por el contrario, por buena voluntadad que las impulse, han demostrado, hasta ahora, un fracaso rotundo.

Assistência educacional prisional enquanto estratégia

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