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Na busca pela compreensão dos atuais sujeitos da EJA, passamos a identificar que estamos falando de um campo muito diverso, com muitas particularidades,

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especificidades e armadilhas. Hoje, principalmente, necessitamos compreender melhor essa modalidade de ensino diante da diversidade do público.

Compreendendo o conceito de diversidade, conforme o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2008), como “diferença, dessemelhança, dissimilitude; caráter do que, por determinado aspecto, não se identifica com algum outro”, defendemos que, em sua amplitude, a diversidade deve ser entendida como uma construção histórica, cultural, social e econômica das diferenças.

O conceito diversidade é polissêmico e polifônico e precisa ser melhor com- preendido, principalmente não deve ser utilizado meramente como sinônimo de diferença, visto que seguem significados diferentes. Analisando propriamente es- tes vocábulos, identificamos que os seus antônimos, por exemplo, seguem em di- reção diversa. Enquanto o antônimo de diferença é igualdade, o de diversidade é equidade (igualdade na diferença).

A diferença é o reconhecimento da não igualdade entre os sujeitos. Já a di- versidade é o reconhecimento da diferença na diferença. A diferença trabalha com opostos, já a diversidade com um universo que reconhece diferenças. Segundo Fleuri (2006, p. 501), “o conceito de diferença indica uma nova perspectiva epis- temológica que aponta para a compreensão do hibridismo e da ambivalência, que constituem as identidades e relações interculturais”.

Levando em conta tal questão, principalmente refletindo a partir das discus- sões apresentadas por Ortiz (2007), Lahire (2003) e Fleuri (2006), apresentamos algumas reflexões necessárias para melhor compreensão do conceito. O debate é motivado por uma necessidade histórica que se manifesta nas mais diferentes prá- ticas sociais.

Nesta discussão emergem outros conceitos importantes, tais como: moder- nidade, pós-modernidade, globalização, individualização, democracia, cidadania e universal. Em geral, são conceitos meio que contraditórios quando os aproxima- mos. Para melhor compreendê-los é importante que mergulhemos profundamen- te, inclusive analisando a sua etimologia.

Universalidade, assim como diversidade, por exemplo, segundo Ortiz (2007), está intimamente associado à noção de modernidade. O universal remete-nos a “sem fronteiras” enquanto diversidade impõe o reconhecimento de “fronteiras” que “delimitam” identidades. Enquanto o universal prega narrativas totalizado- ras, a diversidade valoriza o múltiplo. Neste sentido, o universal (totalizador) acaba empobrecendo ao hipertrofiar o uno e o diverso é sinônimo de riqueza.

Universal e particular são pares opostos. A diferença associa-se ao polo do particular, e nesse sentido seria incompatível com o movimento de universalização. Universal remete-nos a ideia de expansão, quebra de fronteiras, ‘todos’, humanidade; diferença associa-se a particular, contenção, limites, identidade. Entretanto,

na situação de globalização, muitas vezes esse par an- tagônico se entrelaça, mesclando alguns valores antes fixados a apenas um de seus elementos. A afirmação ‘a diversidade dos povos deve ser preservada’, utilizada em diversos documentos de organismos nacionais e in- ternacionais, nada tem de natural. Pelo contrário, deve- ríamos nos surpreender diante de sua estranheza, pois ela carrega consigo uma carga de sentido inteiramente nova. Dizer que as culturas são um ‘patrimônio da hu- manidade’ significa considerar a diversidade enquanto valor universal. (ORTIZ, 2007, p. 15)

Ortiz (2007, p. 14) ainda nos alerta para o fato de que “o mundo atual seria múltiplo e plural”. Assim,

Diferenciação e pluralismo tornam-se termos inter- cambiáveis e, o que é mais grave, ambos se fundem no conceito de democracia. [...] Como corolário deste argu- mento, pode-se dizer que as diferenças também escon- dem relações de poder. [...] é importante compreender os momentos em que o discurso sobre diversidade oculta questões como a desigualdade. [...] As interações entre as diversidades não são arbitrárias. Elas se organizam de acordo com as relações de força manifestas nas situações históricas concretas.

Através do artigo “Crenças coletivas e desigualdades culturais” de Bernard Lahire é possível perceber o quanto é perverso e orgânico o processo de manuten- ção das desigualdades sociais. O sistema, em síntese, está organicamente articula- do para manter o status quo.

Se desdobrarmos a metáfora do capital cultural, pode- mos nos indagar como este se ‘transmite’ de geração em geração, se herda, ao cabo de que processos ele é mono- polizado por uma elite, como ele pode desvalorizar-se (por exemplo, num contexto de inflação dos diplomas), reconverter-se (em outras formas de capitais, econômi- cas, em particular), transformar-se (passar, por exemplo, de uma forma literária a uma forma científica) em con- sequência das mudanças na estrutura dos mercados etc. (LAHIRE, 2003, p. 984-985)

Nesta discussão, reconhecesse que a escola não é só democrática, mas tam- bém reprodutora. Em síntese, não só democratiza o acesso à cultura, mas também através dela as diferenças culturais se manifestam até mesmo aumentam.

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Concluindo esta etapa da discussão, é fundamental que compreendamos que, conforme Fleuri (2006, p. 512):

para além de uma compreensão estereotípica, rígida, hierarquizante, disciplinar, normalizadora da diversida- de cultural, emerge o campo híbrido, fluido, polissêmi- co, ao mesmo tempo trágico e promissor da diferença, que se constitui nos entre lugares e nos entre olhares das enunciações de diferentes sujeitos e identidades socio- culturais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no conjunto de seus 30 arti- gos, coloca a igualdade como princípio democrático e enfatiza a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos Direitos Humanos. Embora o foco da De- claração esteja no indivíduo e não nos sujeitos coletivos, há que se reconhecer que, ao universalizar os direitos individuais, a Declaração deu margem à reivindicação de direitos coletivos, especialmente para aqueles grupos historicamente discrimi- nados e excluídos por se distanciarem de um suposto “padrão de normalidade”.

Lamentavelmente, os princípios éticos e políticos por ela anunciados não garantiram, nem garantem, aceitação plena por parte das diferentes nações, até mesmo das que deles foram signatárias. Muitos países, como o Brasil, por exemplo, embora signatário, constantemente descumpre o previsto na Declaração.

Diversidade nas Conferências Nacionais de Educação e de

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