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A teoria dos direitos humanos não teve origem no século XVIII, mas remonta à Antiguidade, na referência a um direito superior, não criação humana, mas uma doação das divindades aos seres humanos. O exemplo já convencional está na An-

tígona, de Sófocles, em que a personagem apela ao direito natural, o direito não

escrito, posto pelos deuses, para enterrar o irmão, caso em que prevaleceu o direito positivo, o decreto de Creonte, pelo que se entende que, nesse momento histórico, verificando-se um conflito entre o direito natural e o positivo, o direito escrito era privilegiado.

Bobbio (1995) apresenta dois critérios para operar a distinção entre os direitos natural e positivo. O primeiro define o direito natural como aquele que existe em toda parte; já o direito positivo só tem eficácia nas comunidades em que é coloca- do como tal. O segundo critério refere-se às ações prescritas pelo direito natural. Tais ações independem da valoração que delas faça o sujeito, existindo indepen- dentemente de parecerem boas ou más para uns ou outros. O direito natural, pois, disciplina ações que são boas em si, independentes de juízos de valor; o direito positivo é aquele que “estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro, mas, uma vez reguladas pela lei, importa [...] que sejam desempenhadas do modo prescrito pela lei”. (BOB- BIO, 1995, p. 17)

Ainda na Antiguidade, entre os romanos, encontra-se distinção entre direito natural e direito positivo. O direito natural, jus gentium, refere-se à natureza, não tem limites, é posto pela razão natural. Já o direito positivo, jus civile, é estatuído, limita-se a um determinado povo, sendo criado por ele.

Na Idade Média, encontra-se a concepção de um direito independente da von- tade humana. O direito positivo é posto pelos homens, enquanto o direito natural é colocado por alguém ou algo, que está em um plano superior aos homens, como a natureza ou Deus. Na Suma Teológica, Tomás de Aquino apresenta a hierarquia das leis. Acima de todas as leis, está a lei “eterna”, privilégio de Deus; abaixo estão

Direito à educação e direitos humanos / 43

as leis “divina”(revelação divina ou declaração da Igreja) e “natural” (gravada na natureza humana que o homem descobre pela razão), e, abaixo de todas, a lei “hu- mana” (lei positivada pelo legislador).

Nesse período, o direito natural é considerado superior ao positivo, o contrá- rio do que ocorria na Idade Antiga, fato entendido pela própria concepção teocên- trica do mundo. O direito natural é aquela norma escrita por Deus no coração dos homens. O direito canônico consagra esse direito como de inspiração cristã, origi- nando-se desse fato a tendência jusnaturalista de entender o direito natural como superior ao positivo.

Na Idade Moderna, o direito natural é laicizado, pois é da natureza humana que decorrem determinados direitos, que não são criados ou outorgados pelo le- gislador, constituindo-se um ditame da “reta razão”. Já o direito civil deriva-se do poder civil, que compete ao Estado.

A transformação dessa dupla acepção de direito numa concepção única que preponderou durante o século XIX e em sua maioria até os dias de hoje, ou seja, a passagem do direito natural ao direito positivo encontra sua origem na formação do Estado moderno, que concentra todos os poderes, inclusive, o de criar o direito.

Ora, em suas origens e por um longo tempo, o direito era posto pela sociedade civil, não havendo a preocupação do Estado de criar normas jurídicas, cabendo ao juiz, então, dirimir os conflitos entre os particulares, não com fundamento numa norma emanada do próprio Estado, mas em normas sociais, baseadas nos costu- mes e nos critérios de equidade. No Estado Moderno, o juiz aplica, ao caso concre- to, as normas postas por esse Estado. Nesse novo contexto, o direito natural perdeu sua importância, sendo absorvido pelo direito positivo, marcando as codificações iniciadas no final do século XVIII, o domínio dessa concepção doutrinária.

Logo, percebe-se a partir dessa reflexão, que a doutrina dos direitos do ho- mem não é uma tendência recente, ela está plantada desde a Antiguidade, sendo em certos momentos mais ou menos valorizada, dependendo das conformações históricas e demandas apresentadas pela sociedade. Todavia, sua expansão ocor- re a partir do século XVIII, quando se constitui elemento básico para a reforma das instituições políticas. Atualmente é patente a universalização dessa doutrina, conformando-se a expressão “direitos humanos fundamentais” ou, simplesmen- te, “direitos fundamentais”. Assim, no âmbito da sociedade Antiga, encontra-se o cerne dos direitos humanos no direito natural. Nesse momento não se pode falar na educação como direito humano, mas como privilégio de classe. Tal direito só atinge esse patamar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Ferreira Filho (1996, p. 15) contribui para a compreensão da importância des- sa doutrina no mundo contemporâneo, com a afirmação:

[...] a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primei- ra geração enfrentou o problema do arbítrio governa-

mental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deterioração da qualidade da vida humana e outras mazelas, com os di- reitos de solidariedade.

Assim, no contexto dos direitos fundamentais de segunda geração, os direitos de igualdade, encontra-se o direito à educação, tutelado pelo Estado de Direito, relacionado à cidadania e à dignidade da pessoa humana. Ora, o direito à educação coloca-se como condição sine qua non para a sobrevivência, como prioridade im- prescindível à participação do ser humano na vida moderna. Assim, a educação, o conhecimento é pré-requisito para a promoção do desenvolvimento humano sustentável. Sendo assim, o direito à educação é considerado um direito humano fundamental, porque:

[...] essencial para o desenvolvimento humano, sem o qual não há qualquer chance de sobrevivência (física e intelectual – no que diz respeito à concorrência de traba- lho e sua conseqüente qualificação técnico-profissional) ou, se houver, essa sobrevivência estará comprometida com a qualidade [...]. (LIBERATI, 2004, p. 212)

Nesse sentido é que a educação deve ser compreendida como um direito de todos e dever do Estado, não só como um direito, mas como um bem fundamental para preservação da vida, de uma vida digna, devendo o Estado assegurá-la, para o cumprimento de sua obrigação de proporcionar o bem-estar de todos. Nessa con- cepção, a educação é um dos atributos da cidadania.

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