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Assistência educacional prisional enquanto estratégia de emancipação

O processo educativo formal é considerado, para as sociedades modernas, um dos espaços de socialização de valores de grupos, de costumes e normas, bem como, se num movimento histórico-crítico, meio de emancipar sujeitos de sua condição inicial de entendimento do mundo de suas relações reprodutivistas.

Nos tópicos anteriores, foi possível averiguar o formato conceitual que se construiu sobre a assistência prisional quase que numa linha de tempo. Falar de emancipação em um meio de entendimento sobre reclusão como negação de con- vívio social e de um processo que pode construir um olhar emancipatório sobre si é emergente, ao tempo que se torna um desafio social, educacional e político num país marcado pela conservação de experiências de olhar o outro como diferente, como algo que me repulsa a pensá-lo em sua singularidade que o diferencia.

A emancipação como ato de adesão do sujeito ao seu potencial de trans- formar-se e transformação está associado a atos de autoconsciência do conjunto que o cerca e do reconhecimento de sua relação com esse conjunto: papel, res- ponsabilidade, articulação com a edificação de algo mais igualitário e justo para todos. Por sua vez, o processo educativo é um ato informal e formalizado (ao mes- mo tempo) algo que é construído numa relação mediada entre homem e mundo. No primeiro, estão as experiências do cotidiano social, cultural, ancestral, reli- gioso, familiar; no segundo, as experiências são aquelas destinadas a serem vivi- das nas escolas e/ou outras instituições que, de certa forma, estão compreendi- das dentro de uma perspectiva de apresentar o sentimento do estado sobre o que vida cidadã, sobre direitos e deveres, muitas vezes sem maiores preocupações de explicar as contradições presentes nas relações sociais/materiais o que gera um processo de reprodução.

Nas discussões sobre o processo formativo/emancipatório e Assistência Pri- sional os desafios apresentados estão sustentados na transformação e no formato de entender o que se espera num processo de cárcere e seus contrastes. A educação precisa possibilitar a ascensão do sujeito e o apoderamento de si. Por condição, as práticas dos sistemas prisionais só reforçam a manutenção de uma reprodução das condições/contrates sociais. A “disciplina dos corpos” é apresentado sempre como a solução de enviesar as políticas públicas e conduzir o processo educativo para

uma mera reprodução de velhas práticas educativas que reproduzem o sistema so- cial no interior dos presídios.

Desta forma, nem nascemos tortos, tão pouco o mundo nos torna bom ou mal. Mas tudo se comunica e, portanto, nos forja. Essa é uma concepção muito atual da forma como as coisas imprimem em mim aquilo que eu possa acolher ou aqui- lo também que eu transformo para acolher. Isso dependerá de minha caminhada com o mundo, com as pessoas, com as minhas experiências. A emancipação, neste sentido, torna-se peça fundamental no movimento de tornar o outro “nós”, e “nós” o outro. Nutri de cada de um, outro que está contido em mim. Então quando eu venho ao mundo, eu já sou do mundo. O mundo já tem responsabilidade comigo “quer queira, quer não queira”. É uma relação em teia, em cadeia de tantas outras relações.

Um dos desafios de pensar educação e emancipação é entender que a cida- dania e os direitos humanos são categorias universais, sendo necessário que edu- cação e direitos humanos contribuam para a preservação e promoção da vida e da dignidade na sua universalidade e integralidade. O núcleo fundamental dos Direi- tos Humanos é, evidentemente, o direito à vida, porque de nada adiantaria os ou- tros Direitos Humanos se não valesse o direito à vida. Mesmo esse, que é o núcleo fundamental e o pressuposto de todo o resto, é um valor histórico, é um direito que evoluiu com as mudanças históricas e mesmo hoje pode ser eventualmente con- testado, em função de especificidades culturais. Quando se admite, por exemplo, o direito de se escravizar uma outra pessoa, se está automaticamente colocando em dúvida o direito à vida, pois a pessoa que tem o direito de propriedade sobre outra tem também o direito sobre a vida e a morte dessa outra pessoa, que é sua propriedade.

Então podemos afirmar que o desafio que temos numa vida cidadã é forjá-la no sentido de cada vez mais aproximar os preceitos de cidadania de papel/jurídica às condições maiores de Direitos Humanos. Ou seja, é repensar os conceitos de ci- dadania como sendo algo ainda muito distante daquilo que de fato garante o prin- cípio da Equidade Social – maior desafio de qualquer pleito democrático/cidadão. E o que tudo isso tem a ver com Educação? Com processo educativo, com subjugo, com universidade? Ou com educar para emancipar?

Educar o sujeito está associado a redes de produção de sentidos sobre as coi- sas, sobre as pessoas, sobre os animais e sobre o outro, a educação é um processo cultural de pertencimento a grupos e comunidades que acreditam em normas, va- lores e outras tantas características. Desta forma, as maneiras de se viver em socie- dade passam de geração para geração, mudando seus hábitos.

O motivo maior deste texto é dialogar com vocês sobre aquilo que nos coloca a frente de outros grupos sociais pela condição da educação formal. Costumo dizer que quando nós optamos por ingressar na universidade, estamos dizendo para nós

Possibilidades de atuação das universidades na assistência educacional prisional / 121

mesmos, para nossos amigos/familiares e para a sociedade de uma maneira geral que queremos um conhecimento superior, de educação superior para perceber de maneira mais amplificada a forma como a vida em sociedade acontece, e como podemos contribuir politicamente e criticamente para melhorá-la para as próxi- mas gerações. Isso é um compromisso que assumimos assim que ingressamos no ensino superior.

Bem, como não chegamos zerados de conhecimentos, de valores culturais e sociais herdados de nosso convívio familiar, comunitário e chegamos com dobras em nosso corpo, em nossa mente que nos traduzem no jeans que utilizamos, na saia que colocamos, na comida que comemos, no All Star vermelho, ou preto, ou azul e, com isso, criamos as nossas identidades tribais dentro dos espaços que ocu- pamos. Assim nos consolidamos em nossas verdades confirmadas a partir de um grupo. Até aqui, não vejo como ser diferente, a história nos mostra isso. Mas perce- bo que aqui mora também os nossos equívocos de pertencimento, de preconceito e formas de subjugar o outro.

Na medida que eu interajo com o meu grupo, eu passo a destituir um ou- tro, colocando-o como menor, menos importante e passível de ser subjugado por mim e pelos meus pares. Isso é um processo que implica numa educação de dentro de casa até aquilo que você encontra em suas experiências formativas na vida escolar, na vida da rua ou de outro tipo de situação que envolve esses com- ponentes.

“Nós somos o que comemos”, já dizia Hipócrates. Embora essa afirmação surja de um princípio biológico, ao ampliarmos mais este pensamento para pensar na comida como tudo aquilo que guardamos dentro da gente: o que le- mos, o que ouvimos, o que praticamos, o que alimentamos a cabeça, o corpo e o espírito.

Uma vez que a todo tempo pedimos por direitos iguais entre homens, mulhe- res, crianças, idosos, negros, índios, brancos e etc., e, no entanto, sob nossos olhos e corpos impomos ao outro um ritual de passagem que reforça aquilo que vivemos no dia a dia de fazer sociedade que respeite as condições mínimas de vida entre pares e não pares. Como isso pode acontecer?

Uma educação que emancipa, é uma educação que permite alteridade, que permite condições horizontais de entender e olhar o sujeito. Assim, educar em ambiente prisional não pode ser apenas institucionalizar o sujeito no sistema, como mais uma matrícula de uma política pública, educar em ambiente prisional é anunciar uma emancipação da forma de olhar ao redor, de olhar para dentro de si, de olhar para o outro que também faz parte de mim. Eu sou o outro, na minha singularidade e pluralidade que reflito. Portanto, educar é um ato emancipador de pessoas, de formas e de mundo.

Inserção das instituições de ensino superior no contexto

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