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Há um traço marcante nas identidades coletivas dos jovens-adultos que lu- tam pela educação: serem trabalhadores, trabalhadoras. Membros de famílias da classe trabalhadora, com experiências brutais de trabalho infantil e adolescente, à procura da titulação exigida para inserção no trabalho, submetidos a trabalhos in- formais ou rejeitados do trabalho formal porque não possuírem a titulação escolar. Tensas histórias de trabalhadores e trabalhadoras que caracterizam os jovens-a- dultos como coletivo desde a infância. (ARROYO; VIELLA; SILVA, 2015)

Reconhecer essas identidades de trabalhadores redefinem as identidades e proposta da EJA. Municípios como Belo Horizonte, Guarulhos e outros têm par-

tido desse reconhecimento e elaborado propostas de EJA articulando-se com os sindicatos, com as escolas sindicais, ou com associações de classe, de bairro, com movimentos sociais, de gênero, étnicos, raciais, do campo e das periferias. A ideia é elaborar propostas para além das visões escolarizantes, restritivas de fluxo, percur- so irregular para regular e organizar os currículos, os tempos, os coletivos a partir de traços identitários da condição de trabalhadores: experiências próximas de tra- balho, saberes do trabalho, lutas por direitos do trabalho. No texto “Reinventando a EJA: Projeto de Educação de Trabalhadores – PET” (ARROYO, 2009) defendo que o passo decisivo para reinvenção de EJA é ter o trabalho como referente ético, po- lítico e pedagógico. Vê-los como trabalhadores (as) nem sequer como estudantes que trabalham.

Esses jovens-adultos carregam densas experiências sociais, políticas carrega- das de indagações, de saberes, valores, aprendidos na condição de classe, trabalho, gênero, raça e lugar. Os currículos, temas geradores de estudo coletivo são a base para uma construção coletiva – mestres-trabalhadores na educação e jovens-adul- tos trabalhadores – construindo um currículo que os ajude a entender-se, a apro- fundar essas experiências e saberes, leituras de si e do mundo. Quando o ponto de partida é o reconhecimento da condição social de trabalhadores se torna obriga- tória uma atenção permanente a aprofundar na história do trabalho, da negação dos direitos do trabalho de que a maioria são vítimas, de aprofundar no padrão classista, sexista, racista e homofóbico do trabalho. Mas também aprofundar como tarefa central do curso nas resistências a esse padrão. Resistências de classe – a história do movimento operário. Resistências de gênero, raça – a história do movi- mento negro, feminista, quilombola, dos camponeses, garimpeiros do semiárido e das águas. Trabalhadores submetidos a tantas formas de segregação e resistentes a tantas segregações que lutam pela EJA como libertação.

Nessa história do trabalho que leva à EJA esperando saber-se, entendê-la, um ponto merecerá destaque: em que tempos estamos de negação, perda dos direitos do trabalho e como a precarização do trabalho e a perda dos direitos condiciona sua situação de trabalhadores, assim como condiciona e impõe limites a suas ex- pectativas de que encontrem trabalho, melhorem de trabalho diante do avanço dos sem-trabalho, desocupados com que a crise econômica os sacrifica como trabalha- dores. Os dados mostram que os índices crescentes de desemprego, subemprego atingem os jovens pobres, negros e as mulheres sem diploma.

A tradicional segregação sofrida na escola condicionando seu direito ao tra- balho e a uma vida digna e justa são questões que esses jovens-adultos trabalha- dores, negados no direito ao trabalho, ao viver justo levam ao repensar o entendi- mento ético-político da pedagogia, da cultura escolar para superar essas antiéticas segregações que a escola teima em manter e para que não se repitam na nova ten- tativa de um percurso escolar não reprovador na EJA.

Novos passos na educação de jovens-adultos? / 37

As diretrizes da EJA recolhem os debates sobre “certificação dos exames da EJA” quando, quem outorgará o certificado? Uma questão que mereceria uma aná- lise política, ética mais radical. O nosso padrão classista, sexista, racista de traba- lho é extremamente segregador dos outros e a educação vem se prestando a refor- çar esse caráter segregador do direito humano ao trabalho. Na medida em que uma das exigências de nosso padrão de trabalho é o diploma de conclusão de ensino fundamental e médio e o sistema escolar condena a milhões de adolescentes e de jovens-adultos a não conseguirem o seu diploma porque são reprovados, defasa- dos idade/série condena esses milhões a sem direito ao trabalho, à vida, primeiro direito humano.

Estudos têm mostrado que a teimosia desses adolescentes, jovens-adultos negados do direito humano ao trabalho espera da EJA um atestado escolar que os garanta seu direito ao trabalho. A questão central não é sobre idade mínima nem sobre competências de certificação, exigências de certificação, mas a questão não enfrentada é se o sistema escolar e a EJA têm direito a condicionar o direito ao trabalho a certificar, como, quando, a quem. Questões nada inocentes em nossa história.

Voltando à promissora vinculação entre EJA e direitos humanos, essa vin- culação exige uma postura política, crítica radical ao papel que vem cumprindo o nosso sistema escolar segregador e até a EJA negando, retardando atestados de es- colarização para milhões de adolescentes, jovens, adultos trabalhadores negados no direito humano mais básico, o direito ao acesso ao mercado de trabalho por não possuírem os atestados de escolarização. Uma história cruel, antiética, desumana da escola e da EJA reforça o padrão capitalista e segregador.

Não é ético que o sistema escolar se preste a reforçar o padrão separatista para esses indivíduos. Ao negar o direito ao trabalho através da manutenção de proces- sos segregadores, reprovadores que indeferem e retardam os certificados que são mais do que escolares: são certificados condicionantes do direito humano mais humano ao trabalho, ao viver justo, digno, humano.

Voltando ao título desta análise: novos passos na educação de jovens-adul- tos? Só serão novos se partir do reconhecimento desses novos trabalhadores, das novas-velhas negações dos direitos do trabalho que os vitimizam, mas também das velhas-novas e persistentes formas antiéticas e antipedagógicas de segrega- ções escolares. Dar novos passos exigirá reconhecer os jovens-adultos resistindo a essas segregações e do padrão classista, sexista, racista, homofóbico do trabalho. Lembrando Paulo Freire: os novos passos aprendidos na Pedagogia do Oprimido dos jovens-adultos oprimidos, mas resistentes. Reconhecendo os jovens-adultos sujeitos de educação, de emancipação em sua teimosa luta por ser reconhecidos sujeitos plenos já de direitos humanos.

Referências

ARROYO, M. O direito à educação e a nova segregação social e racial – tempos insatisfatórios? Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 15-47, jul./set. 2015. ARROYO, M. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012.

ARROYO, M.; VIELLA, M. A. L.; SILVA, M. (Org.). Trabalho-Infância. Petrópolis: Vozes, 2015. (Não publicado).

ARROYO, M. Reinventando a EJA: Projeto de Educação de Trabalhadores-PET. In: NUNES, A. M. M.; CUNHA, C. M. (Org.). Projeto de Educação de Trabalhadores: pontos, vírgulas e reticências – um olhar de alguns elementos da EJA através do ensimesmo do PET. Belo Horizonte: PET, 2009.

ARROYO, M. Educação de jovens e adultos: um campo de direitos e de

responsabilidade pública. In: SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A.; GOMES, N. L. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. (Série Legislação, n. 125).

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 3, de 15 de junho de 2010. Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 jun. 2010. Seção 1, p. 66.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica: diversidade e inclusão (Org.). Clélia Brandão Alvarenga Craveiro; Simone Medeiros. Brasília: Conselho Nacional de Educação: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, 2013.

SANTOS, B. S. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.

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Direito à educação e direitos humanos:

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