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4. Resultados da pesquisa empírica

4.2 Algumas considerações sobre os acórdãos posteriores à

Foram lidos 68 acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo entre 31/10/2006 e 24/11/2014, período imediatamente posterior à entrada em vigor da Lei nº 11.343/06. Selecionamos, portanto, decisões proferidas em um período de oito anos e um mês. Muito embora a seleção do corpus empírico da pesquisa tenha sido feita em fevereiro de 2015, não encontramos no repertório online do TJSP acórdãos proferidos no interregno entre novembro de 2014 e a data de download das decisões que enfrentavam diretamente a

124 A esse respeito, a advertência de Roxin (2007: 149) é importante: “Ao contrário, a aplicação do Direito à

margem do marco da regulação legal (praeter legem), ou seja, uma interpretação que já não está coberta pelo sentido literal possível de um preceito penal, constitui uma analogia fundamentadora da pena, e, portanto, é inadmissível” (tradução livre). Ou seja, se a letra da lei gera dúvida sobre a existência de um tipo penal, não é possível a analogia para criação de outro tipo penal correlato, ainda que possua pena mais branda. A dúvida sobre a existência de um tipo penal conduz à atipicidade, razão pela qual a aplicação de analogia com relação às normas incriminadoras geraria um efeito prejudicial ao réu, não benéfico (HASSEMER, 2005: 353). Este entendimento conflita diretamente com a interpretação majoritária de que a tipificação do plantio para consumo por analogia, sob a égide da Lei nº 6.368/76, era cabível.

problemática central desta pesquisa. Por esta razão o acórdão mais recente analisado é de novembro de 2014.

Conquanto todos os acórdãos tenham sido proferidos após a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06, em parte deles a tipificação penal do cultivo de canábis foi feita com base nos dispositivos da Lei nº 6.368/76, complementados principalmente pelo disposto no §2º do art. 28 da nova lei de drogas. Isto pode ser explicado pelo fato de que boa parte dos acórdãos proferidos após a lei julgou condutas que ocorreram durante o período de vigência da Lei nº 6.368/76. A priori, a lei de regência do fato é a que estava vigente na época da sua ocorrência.

É verdade que a nova lei criou a figura do consumo compartilhado de drogas (§3º do art. 33 da Lei nº 11.343/06), à qual se estabeleceu pena menor, de 6 meses a 1 ano de detenção mais multa, e também criou a possibilidade de redução de 1/6 a 2/3 da pena para o tráfico de drogas “desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa” (§4º do art. 33 da lei).

A figura do consumo compartilhado de drogas é inaplicável aos casos de cultivo. Isso porque o núcleo ativo do tipo penal do art. 33, §3º, da Lei nº 11.343/06 envolve a ação de oferecer droga para consumo conjunto gratuitamente. A ação de cultivar plantas, portanto, não se subsume no núcleo de ação descrito no tipo penal.

O disposto no §4º do art. 33 é aplicável aos casos de cultivo125. No entanto, considerando que a pena mínima para o tráfico de drogas foi elevada de 3 para 5 anos e que a fixação da pena-base para este crime segue os critérios elencados no art. 42126 da nova lei, parte dos casos pode implicar uma solução jurídico-penal mais gravosa do que a que poderia ser aplicada à luz da Lei nº 6.368/76.

Em primeiro lugar, aos que entendem que a Lei nº 6.368/76 tipifica apenas o plantio para fins de tráfico, sendo o cultivo pessoal figura atípica, o advento da Lei nº 11.343/06 trouxe um regime jurídico menos favorável aos cultivadores: ao tipificar expressamente o plantio para fins de consumo criou-se um tipo penal ainda não previsto pela legislação, que não poderia retroagir em desfavor do réu.

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É o que dispõe expressamente o dispositivo, estabelecendo que a redução de pena ali prevista é aplicável aos crimes do art. 33 caput e §1º (cultivo).

126 “Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do

Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.”

Mas não só isso. O aumento da pena mínima para tráfico significa que a redução prevista no §4º pode ou não ser benéfica ao acusado. Isso porque o dispositivo permite uma redução da pena de 1/6 a 2/3.

Suponha-se que o acusado é primário e foi preso ainda durante a vigência da Lei nº 6.368/76, mas durante o processo entrou em vigor a Lei nº 11.343/06. Suponha-se ainda que não há dúvida sobre a qualificação do plantio, sendo inconteste a situação de tráfico de drogas, sobretudo em razão da quantidade de droga apreendida.

Neste caso, se forem aplicados os dispositivos da Lei de Drogas, a pena mínima seria fixada em 5 anos e, se aplicada a redução de, por exemplo, 1/6, do §4º do art. 33, a reprimenda seria fixada em 4 anos e 2 meses de reclusão. Caso fosse aplicada a Lei nº 6.368/76, ainda que a pena base fosse elevada em 1/3 por alguma razão, a reprimenda final seria de 4 anos de reclusão.

Assim, tendo em vista que o art. 5º, XL, da Constituição Federal estabelece que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”127

, parte dos acórdãos proferidos após a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06 aplicou os dispositivos da Lei nº 6.368/76 por se entender que seriam estes mais benéficos aos réus.

Mesmo em alguns casos em que o cultivo de canábis foi tipificado como porte para consumo próprio optou-se pela aplicação dos dispositivos da antiga lei de drogas. Isso porque o art. 16 da Lei nº 6.368/76 estabelece a pena máxima para o porte de drogas para consumo próprio em 2 anos de detenção e, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, a prescrição nestes casos seria de quatro anos.

Considerando que a publicação de sentença condenatória recorrível interrompe a contagem do prazo prescricional (art. 117, IV, do Código Penal), nos casos em que o julgamento da apelação ocorreu após quatro anos da data da publicação da sentença de primeira instância foi reconhecida a prescrição, determinando-se a extinção da punibilidade do agente nos termos do art. 107, IV, do CP. Nestes casos entendeu-se que a extinção da punibilidade do réu em razão da prescrição seria solução mais benéfica do que a sua condenação na forma do art. 28 da Lei nº 11.343/06 principalmente porque o nome do

127 No mesmo sentido dispõe o art. 2º do Código Penal:

“Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

agente não seria inscrito no rol dos culpados e a condenação não produziria efeito para fins de reincidência.