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3. Algumas considerações sobre a Cannabis

3.3 O cultivo da planta

Estas peculiaridades da canábis e do seu consumo impactam diretamente a forma pela qual o homem domesticou a planta. O cultivo de canábis para fins recreativos é particularmente especial.

Dissemos que a Cannabis é altamente resistente e costuma se desenvolver mesmo enfrentando adversidades em ambientes hostis (THOMAS, 2012: 2-3). Não obstante, o cultivo da canábis para fins recreativos demanda cuidado para que a composição do plantio seja majoritariamente de plantas fêmeas – afinal, as flores fêmeas secas e a resina nelas produzida é que serão consumidas.

A Cannabis pode ser cultivada tanto em ambientes sem luz solar (cultivo indoor) como em ambientes abertos diretamente sob a luz do sol (cultivo outdoor)101. A planta desenvolve-se melhor, em tese, em locais abertos, em contato direto com a natureza, sobretudo em regiões quentes e úmidas, com solos férteis (THOMAS, 2012: 11-12).

Cinco fatores ecológicos interferem no desenvolvimento da canábis independentemente do tipo de plantio que se tem (COSTA, 1970: 6; THOMAS, 2012: 13): (i) quantidade de luz no espectro correto; (ii) água na temperatura correta; (iii) balanceamento dos nutrientes no solo (fertilidade) e pH; (iv) concentração de dióxido de carbono (CO2) no ar; (v) umidade e temperatura do ar.

Nos cultivos indoor busca-se basicamente reproduzir artificialmente o ambiente natural em que a Cannabis possui desenvolvimento ótimo. A luz solar é substituída pela luz de refletores específicos para horticultura; a umidade e a temperatura do ar são controladas por equipamentos como aquecedores, ventiladores, desumidificadores; a concentração de CO2 pode ser aumentada ou diminuída com emissores de dióxido de carbono; e os nutrientes são fornecidos às plantas através dos fertilizantes utilizados na preparação do solo (GREEN, 2011: 73-74; THOMAS, 2012: 15).

A escolha do local de cultivo é sempre feita considerando os cinco fatores ecológicos que impactam o desenvolvimento da Cannabis. Tanto em plantios abertos como em fechados, estes fatores devem ser manipulados ao longo de todo o ciclo de vida da planta.

101 Para os fins deste trabalho nos utilizaremos desta diferenciação entre os cultivos indoor e outdoor: a

O ciclo de vida da Cannabis completa-se necessariamente em um ano, sendo mais frequente a duração entre 4 a 8 meses. Geralmente apresentam-se três fases do ciclo da canábis: germinação, vegetação e floração (GREEN, 2011: 290-300).

A germinação é o processo inicial do crescimento da planta, a partir de sua semente. Geralmente dura entre 15 e 20 dias, nos quais são fornecidos os nutrientes para que a semente comece a desenvolver a estrutura vital da planta.

A vegetação começa à medida que as primeiras folhas da planta começam a se desenvolver. Neste estágio há o crescimento das raízes e folhas e a fortificação dos caules. O período de vegetação pode durar de 2 a 6 meses, a depender do tipo de cultivo, variedade das sementes e do controle dos fatores ecológicos determinantes. Neste período recomenda-se que a planta receba 16 horas de luz e 8 horas de escuridão total por dia (THOMAS, 2012: 180).

Por fim, o último estágio é o da floração. Como o nome sugere, nele há o desenvolvimento das flores da Cannabis e o amadurecimento da planta. Possui duração de 2 a 4 meses, a depender do controle dos fatores e da variedade de semente, recomendando-se oferecer à planta 12 horas de luz e 12 horas de escuridão total (THOMAS, 2012: 181). .

É apenas no período de floração que se consegue distinguir definitivamente o sexo das plantas; antes disso a tarefa só pode ser executada com sucesso por geneticistas e botânicos experientes. Por essa razão, costuma-se germinar plantas adicionais para o caso de uma parte considerável do cultivo ser composta de ervas macho, que não florescerão (GREEN, 2011: 306).

Depois do florescimento total a resinação se completa, sendo possível colher os chamados “buds” (as flores resinadas) (GREEN, 2011: 78-80; THOMAS, 2012: 16-18). As flores fêmeas resinadas podem ser submetidas ao processo de “secagem e cura” ou podem ser utilizadas para extrair haxixe e seus derivados.

A secagem dura em média duas semanas. Na colheita, as plantas de canábis são arrancadas de sua base e o processo de secagem é geralmente feito pendurando as plantas de ponta cabeça em locais escuros (THOMAS, 2012: 260-262).

As flores secas são então submetidas ao processo de “cura”, que consiste no seu repouso em recipientes lacrados, distante de luz. O objetivo dessa etapa final do cultivo é aumentar ligeiramente a concentração de THC na flor e melhorar a biodisponibilidade dos canabinoides (GREEN, 2011: 365-368).

É também possível extrair a resina das flores fêmeas frescas – o haxixe - por processos bastante variados, que vão da fermentação alcóolica à extração manual

(MECHOULAM & GAONI, 1967: 175-176; COSTA, 1970: 93; CLARKE, 1998; POTTER et ali., 2011: 2). Geralmente o haxixe apresenta concentração maior de THC por grama de massa, sendo consumido em menores quantidades e misturado a tabaco ou outros fumos comerciais secos (REINHARDT & MIDIO, 1993: 55-61; SOUZA & RAYMUNDO, 2007: 25).

Muito embora o controle dos fatores ecológicos que impactam a canábis seja a principal habilidade a ser desenvolvida por qualquer cultivador, a escolha do tipo do plantio (indoor ou outdoor) por si só afeta: (i) o tamanho e as dimensões das plantas; (ii) a duração do seu ciclo de vida; (iii) quantidade de flores produzidas na etapa de floração; e (iv) concentração de THC nas flores (AMADUCCI, 2008: 162; THOMAS, 2012: 2; 280-282).

É mais comum que o desenvolvimento da Cannabis seja otimizado em ambientes abertos, com seu cultivo in natura, considerando os fatores ecológicos que influenciam o crescimento. Em tese, se garantirmos as mesmas condições ótimas para cultivo indoor e outdoor, sementes da mesma variedade podem dar ensejo a plantios com características bastante distintas, sendo o outdoor maior, mais robusto e com plantas mais concentradas em THC102.

O cultivo indoor, no entanto, pode ser incrementado e aprimorado com técnicas avançadas de plantio e materiais bastante específicos para o desenvolvimento da Cannabis. Em grande medida, as diferentes experiências europeias com o afrouxamento da proibição do consumo de maconha permitiram o desenvolvimento muito rápido de técnicas cada vez mais avançadas de cultivo indoor (BONE & WALDRON, 1997: 124; VANHOVE et ali., 2011).

É importante dizer que não é possível determinar a capacidade produtiva103 de um cultivo indoor ou outdoor de antemão. Plantios outdoor não são necessariamente mais produtivos ou melhores de qualquer forma que plantios indoor. A capacidade de controle dos

102

Afirmamos em tese porquanto há registros de que o aprimoramento das técnicas e tecnologias de cultivo

indoor possibilitou o desenvolvimento de plantas mais produtivas, com maiores concentrações de canabinoides

nas flores e sua resina (LEGGETT, 2006: 23). Com o avanço tecnológico e o aumento da produção científica sobre o assunto, cada vez mais é possível controlar os fatores ecológicos do cultivo, otimizando a produção de maconha e incrementando sua qualidade (TOONEN et ali., 2006: 1050-1054).

103 Capacidade produtiva aqui será entendida como a capacidade das plantas de canábis de florescimento

completo, ou seja, capacidade das plantas de produzirem flores após o final do seu ciclo de germinação. No contexto da produção agrícola, a capacidade produtiva do cultivo é influenciada por inúmeros fatores, incluindo fatores ecológicos, a individualidade biológica das plantas e a capacidade produtiva do solo (MERTEN & MINELLA, 2012: 1575-1582). No contexto deste trabalho, a capacidade produtiva do cultivo de canábis determina a quantidade de “maconha” (ou seja, de flores secas da Cannabis) que poderá ser extraída ao final do ciclo de plantio. Isso é particularmente importante na tipificação do cultivo para consumo e, como veremos, especialmente negligenciado na doutrina penal e nos tribunais pátrios.

fatores ecológicos do desenvolvimento da herbácea é o que determina a produtividade e a qualidade do cultivo (MEIER & MEDIAVILLA, 1998: 16-20; VANHOVE et ali., 2011)

A experiência holandesa foi especialmente importante nesse aspecto. O sistema de coffee shops criado legalizou a comercialização da maconha, o que imediatamente gerou um incentivo para melhorar a qualidade dos plantios e das substâncias a serem consumidas (PIJLMAN, 2005: 171-180)104.

O cultivo da Cannabis para fins recreativos é, portanto, bastante complexo. Há muitas variáveis envolvidas que impactam diretamente a capacidade de produção de substâncias psicoativas a partir da canábis. Cultivar a planta para produzir a “maconha” ou o “haxixe” não é tarefa fácil, muito menos barata e acessível.

104 Para mais informações sobre a experiência holandesa e o modelo dos coffee-shops, cf.: BOEKHOUT VAN