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Algumas observações sobre a configuração da cena enunciativa: ponto de partida

7.1. Sobre a o sentido da palavra língua: questões gerais

7.1.2. Algumas observações sobre a configuração da cena enunciativa: ponto de partida

Uma questão importante sobre a qual falaremos brevemente nesta parte, já que as análises poderão apresentar novos elementos para esta discussão, é a configuração da cena enunciativa.124 As observações que faremos aqui são gerais e pensadas no corpus como um

todo.

Apresentaremos, assim, de que forma estão significados os modos e lugares de dizer. Veremos nos recortes as marcas de 3ª pessoa, o que empregaria à enunciação um caráter de suposta neutralidade pelo modo dizer universal. No entanto, o locutor-x fala do lugar de especialista vinculado a UNESCO aos alocutários-internautas, assumindo uma enunciação que é genérica (fala do lugar de todos), mas também universal (fala do lugar da verdade). Desta forma consideraremos que o lugar social que se apresenta nas cenas enunciativas que estudaremos será ocupado por um locutor-especialista-institucional, já que ao mesmo tempo em que fala enquanto aquele que pertence a UNESCO se vale também do lugar do cientista que sabe sobre aquele assunto. No entanto, tanto o locutor quanto o alocutário são apresentados como “falantes-de-língua” e por isso temos a hipótese de que a naturalização do sentido de língua, marcado pela escassez de determinações e definições em torno do termo, pode estar relacionado à ilusão de que se somos falantes, sabemos o que é

língua. Isto poderia ser um caminho para entender o deslizamento no sentido de língua

enquanto um conceito da Ciência (alheio) e algo pertencente a um senso comum (próprio). Pretendemos trabalhar esta questão após as análises, pautados nos resultados apresentados.

7.1.3. Espaço de enunciação: a distribuição das línguas na nomeação dos links para documentos

Após trabalharmos com a designação da palavra língua no corpus, gostaríamos de apontar uma regularidade importante: a língua utilizada na escrita que nomeia os documentos apresentados no decorrer do site e que são entradas para os links que nos levam a estes documentos. Esta é uma questão importante para apreendermos o funcionamento do espaço de enunciação e a distribuição das línguas. Nestes recortes, selecionados para ilustrar esta questão, temos links para documentos produzidos a partir de reuniões realizadas por especialista (reuniones de expertos) e os textos de projetos elaborados com relação à

problemática das línguas em perigo. Os links são marcados pelos títulos dos próprios documentos decorrentes das reuniões e dos projetos, portanto, indicam a língua na qual estes textos foram escritos. Vejamos:

Figura 8 - Texto de "reuniones de experto"

(R1.6)Reuniones de expertos

30.11.07

Expert Meeting on Current Trends in Linguistic Mapping in preparation of the 3rd edition of the Atlas

10.02.07

Identifying Good Practices in Safeguarding Endangered Languages in Africa

01.06.05

Capacity-building in safeguarding African languages

01.01.05

Safeguarding endangered languages of indigenous peoples of Siberia

12.03.03

Expert meeting on Safeguarding Endangered Languages

(R1.7)Proyectos Proyectos 01.07.07

Safeguarding and Revitalizing Sillanka in Burkina Faso 01.01.06

Reviving N|u in the #Khomani Community of Namibia 01.01.05

From spoken to written languages in Cameroon 01.01.04

Learning from innovative language policies in Latin American countries 01.01.04

Contribution to the publication of the 2004 issue of the directory Oralidad 01.01.02

Documentation and revitalization of endangered languages in the Upper Mekong region

Nos dois recortes são apresentados links que nos levam aos textos. Os links estão representados pelos títulos dos documentos que foram redigidos a partir das reuniões e dos projetos propostos pela organização. Como podemos perceber, apesar de estarmos acessando a página em sua versão em espanhol, todos os títulos estão em inglês. Já discutimos no capítulo 4 a questão da distribuição das línguas quando discorremos sobre o espaço de enunciação. Temos, nos trechos em destaque, um deslizamento com relação à questão da democratização linguística proposta pela UNESCO e posta em prática com a construção do

site em suas línguas oficiais: neste espaço de oficialidade onde estão enunciados nomes de

documentos, temos a língua inglesa e não a língua espanhola que foi escolhida por nós para a navegação do site. Esta constatação dialoga com o que foi exposto sobre a questão da tradução e a democratização linguística, apresentada no capítulo 4.

Desta forma, estes recortes ilustram o funcionamento do espaço de enunciação e a distribuição das línguas, legitimando o inglês na nomeação dos documentos em detrimento das outras línguas oficiais e de todas as línguas catalogadas nos próprios trabalhos da UNESCO para preservação linguística. Esta questão se apresenta ainda mais contraditória quando consideramos que a UNESCO vem trabalhando em prol das línguas minoritárias com

o objetivo de garantir sua circulação. Há, inclusive, um trabalho bem específico sobre a circulação destas línguas no ciberespaço, como veremos nos textos da seção Comunicación e

Información. Além disso, muitos documentos tratam especificamente destas línguas

minoritárias como o Sillanka e o N|u. Por que os documentos não estão escritos nestas línguas já que há uma questão de promover sua circulação? Obviamente, nossa questão não é dizer que os documentos devem ou não estar escritos nesta ou naquela língua, mas o questionamento posto visa apreender o caráter político e por isso mesmo excludente do espaço de enunciação que funciona independente da vontade do sujeito; as falhas e deslizes na significação da democracia na relação entre o que se enuncia e como isso ecoa pelo funcionamento do acontecimento.

Assim, esta forma de dizer os documentos pela língua em que se enuncia localiza as outras línguas que não estão enunciadas na nomeação do link, significadas fora do espaço da oficialidade, inclusive aquelas que a própria UNESCO diz serem oficiais, como o chinês, a língua russa e o árabe, desfazendo a democratização linguística: mesmo que exista um “direito a” garantido pela oficialidade, só há espaço para o inglês. A exclusão das outras línguas nesses documentos reafirma a ideia de que o inglês é oficial, mais do que isso, poderíamos dizer que, de alguma forma, se dissolve a qualidade de “oficiais”, dada às outras línguas do site já que o inglês se sobrepõe hierarquicamente pela distribuição política neste

espaço de enunciação, na Internet.