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O lugar da Ciência e o lugar da língua: UNESCO e a divulgação científica

Pareceu-nos oportuno tratar de duas questões que se apresentam ao trabalharmos com o site da UNESCO. Em se tratando da Ciência e de nosso objeto de estudo, a designação da palavra língua no processo de organização de nosso corpus de análise, nos deparamos com uma relação posta pela própria organização textual do site: o lugar dos problemas linguísticos dentro da Ciência. Esta questão se coloca por uma primeira divisão apresentada no site com relação aos temas com os quais a UNESCO trabalha, significando a questão linguística, nesta divisão, fora da Ciência pela relação com a nomeação.

Figura 1 - Imagem da página de abertura do site em espanhol

Pela forma como os estudos da linguagem estão aí significados, pareceu-nos pertinente incluir uma breve discussão sobre a divulgação do trabalho da Organização em parceria com pesquisas científicas o que coloca, portanto, esta mídia, como um meio de divulgação de Ciência. Neste sentido, o site apresenta-se como um divulgador da produção científica, mas que, no entanto, apresenta a Linguística, na organização do texto no site, enquanto algo fora da Ciência, deslegitimando seu caráter científico. Além disso, esta discussão pode nos ajudar a pensar a forma como são representados os sujeitos, no acontecimento enunciativo que propomos estudar, no que diz respeito aos lugares que se legitimam na relação com a produção do conhecimento: quem pode designar o que é ou não Ciência?

2.2.1. Divulgação Científica

De acordo com Oliveira (2011), podemos encontrar uma série de nomes que designam o que estamos chamando de divulgação científica “como vulgarização científica, alfabetização científica, popularização da ciência, percepção/compreensão pública da ciência, cultura científica” (OLIVEIRA, 2011:54). O que nos interessa especificamente sobre este tema é como ele aparece significando o site da UNESCO enquanto divulgadora e produtora de Ciência, o que faz funcionar a questão do interno/externo à atividade científica (SILVA, 2006) por um lado, e a construção da legitimidade das ações da Organização que são, então, apresentadas com base no saber científico, já que a atividade científica apresenta-se entre as

atividades de maior prestígio no que diz respeito à produção de conhecimento e, portanto, a de maior legitimidade (SILVA, 2006). Esta forma de se apresentar ancorada na produção científica permeia todo nosso corpus:

En 2002 y 2003, la UNESCO encomendó a un grupo internacional de lingüistas que elaborara un marco para determinar el grado de vitalidad de una lengua, con el fin de contribuir a la formulación de políticas, la definición de las necesidades y las medidas de salvaguardia adecuadas. Este Grupo

especial de expertos en lenguas en peligro de desaparición elaboró un documento conceptual

titulado “Vitalidad y peligro de desaparición de las lenguas”, en el que se fijaban los siguientes nueve criterios (Recorte 3. Cultura)

Desta forma, entender como a Ciência é significada neste espaço de produção de conhecimento científico nos encaminha para pensar como a questão da língua é significada na relação com a Ciência. O que queremos dizer é que considerando este lugar que enuncia sua legitimidade pela Ciência na relação com a forma como a palavra língua será designada, será de alguma forma afetada por este sentido. Ao informar seus leitores, pela circulação das informações, sobre a produção de um conhecimento com bases científicas, a UNESCO passa a legitimar suas ações. Sobre a relação entre a Ciência e sua divulgação:

Na relação entre constituição e formulação dos sentidos, a ciência se produz, quando se trata da divulgação científica, em um processo pelo qual o sujeito produz a ciência como informação e não apenas como conhecimento. [...] Transmissão de conhecimento por uma rede de notícias. Daí o caráter decisivo do fator circulação na produção da divulgação científica. Circulação que é muito séria e muito importante na maneira mesmo como vão se constituindo os sentidos em uma estrutura da comunicação científica. (ORLANDI, 2008:58)

Se pensarmos no discurso científico e a forma como a moderna divisão exatas,

biológicas e humanas é apresentada, veremos que há uma diferença importante na forma

como cada uma destas partes é significada ou não enquanto Ciência. De acordo com Orlandi (2008):

Há uma diferença na maneira como isso circula quando a gente pensa as ciências exatas ou as ciências duras, e as ciências humanas e sociais. Isso é muito visível no discurso de divulgação científica. No jornal, por exemplo, o discurso de divulgação científica da ciência exata, aparece no lugar em que

se publica ciência, explicitamente. O discurso de divulgação das ciências humanas aparece disperso em qualquer lugar do jornal, inespecificamente. O antropólogo descobre alguma coisa e isso aparece em qualquer lugar do jornal, não havendo um lugar em que se enquadre a cientificidade dessa notícia. (ORLANDI, 2008:57)

Tomando, então, esta citação, gostaríamos de pensar na relação ciência e língua, sempre considerando a forma como está significada a produção do conhecimento científico e de como a circulação da produção deste conhecimento (informação) funciona sustentando os trabalhos da Organização.

2.2.2. Língua, Ciência e o lugar das humanidades.

É bastante profícuo observar, e é possível que isso se evidencie nas análises, os sentidos que se apresentam pelo movimento de divisão dos temas sobre os quais a UNESCO atua e que compõem o leque de responsabilidades delegadas a esta Organização. Na forma de apresentação dos temas, produz-se uma organização que exclui/inclui os saberes/informações vinculados ao site. Vejamos na seguinte figura como isso aparece no site:

Figura 2. Cabeçalho do site da UNESCO em espanhol – página de apresentação

Na imagem, que corresponde à parte superior do site, podemos observar 7 abas das quais destacamos 5 que indicam os temas que circunscrevem o âmbito de atuação da UNESCO na “busca de soluções que promovam a paz”: educación, ciencias naturales,

ciencias sociales y humanas, cultura, comunicación e información. Temos dois lugares

significados pela relação com a Ciência e outros três significados como fora deste lugar, no que diz respeito a forma como os links aparecem especificados pelas expressões nominais:

 Educação

 Cultura

 Comunicação e Informação

Versus

 Ciências Naturais

Outras relações que poderíamos propor, por exemplo, é o fato de que cultura não se apresenta enquanto parte de educação ou ainda que cultura não pertence à Ciências Sociais

e Humanas.

Sobre a divisão própria da produção de conhecimento no que diz respeito às ditas Ciências duras, as Humanidades e as Ciências da Natureza, Guimarães (2009b), nos diz que “esta divisão significa uma concepção pragmática e utilitária do conhecimento e que compreende quase exclusivamente as Ciências Exatas, da vida e suas tecnologias” (GUIMARÃES, 2009b:12).

Os modos de o conhecimento se significar estão ligados não a ações específicas de algum segmento da sociedade ou dos governos, mas faz parte da história em geral e da história do conhecimento de modo específico. (GUIMARÃES,2009b:13)

É importante, percebemos, no entanto, que no site as humanidades, apesar de muitas vezes se apresentarem descoladas da Ciência, aqui aparecem no sintagma nominal

Ciências Sociais e Humanas ao lado de Ciências Naturais. No entanto poderíamos

questionar: por que Cultura, Educação, Comunicação e Informação, não pertencem a

Ciências Humanas? Ou ainda, a que campo de conhecimento encontraremos imersos os

problemas linguísticos?

Guiados pelo último questionamento, gostaríamos de discutir, mais especificamente, a relação entre língua e ciência e de que forma a Linguística está significada por/nesta relação. Quando propomos o estudo da designação da palavra língua no site da UNESCO, obviamente nosso primeiro olhar estava focado na busca por palavras relacionadas a esta questão (língua, linguística, linguagem, etc.). Percebemos que isso não se apresentava diretamente nestas primeiras abas o que nos levou, então, a desbravar cada uma delas em busca destas palavras que nos interessavam. Tais palavras foram encontradas nas abas

educación, cultura e comunicación e información, que como dissemos a pouco, não estão

relacionadas à Ciência que nomeia a aba Ciências Humanas e Sociais. Desta forma, poderíamos pensar que as questões linguísticas estariam fora da Ciência Humana. Apesar do estabelecimento da Linguística enquanto uma Ciência, as questões relativas à língua não estavam, no momento de nossa busca, relacionadas a Ciência, como esperávamos. As

questões linguísticas estavam justamente neste “fora da Ciência”, significado pelas expressões desprovidas do nome ciência: Educação, Cultura e Comunicação e Informação.

Assim, já podemos pensar que pela forma como as questões linguísticas aparecem significadas na nomeação dos temas dos quais a UNESCO irá se ocupar, há um movimento que faz significar a designação de língua enquanto algo fora das questões científicas. Retomaremos esta questão de forma mais contundente nas análises que estarão pautadas e, portanto, melhor embasadas, no que discutiremos no próximo capítulo em que propomos, como pilar para a discussão sobre este apagamento da Linguística, a relação que se estabelece entre língua e cultura. Esta relação é prenunciada no próximo item deste capítulo, na leitura que apresentamos da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos.