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O funcionamento enunciativo da pergunta/resposta

7.2. Seção cultura: o funcionamento da argumentação para a preservação das línguas

7.2.4. O funcionamento enunciativo da pergunta/resposta

O último link do tema com o qual estamos trabalhando, leva-nos a um conjunto de perguntas e repostas.

Figura 12 - Lista de perguntas no site

Esta forma de problematizar a questão das línguas em perigo de extinção a partir de questionamentos apresentados, supostamente, pelos não especialistas, pelos internautas, inclui este segundo grupo enquanto aqueles que se interessam por esta questão. Este texto significa, portanto, um suposto interesse por parte do internauta neste problema apresentado pela UNESCO, sustentando o argumento que leva a conclusão de que devemos (nós)

preservar as línguas. Trabalharemos em torno das perguntas, tomando de forma bem

específica a questão da argumentação. Segundo Benveniste (2006):

Desde o momento em que o enunciador se serve da língua para influenciar de algum modo o comportamento do alocutário, ele dispõe para este fim de um aparelho de funções. É, em primeiro lugar, a interrogação, que é uma enunciação construída para suscitar uma “resposta”, por um processo linguístico que é ao mesmo tempo um processo de comportamento de dupla entrada. (BENVENISTE, 2006:86)

Em Guimarães (2007a), retomando Ducrot (1984), temos na pergunta, assim como na negação, um mesmo funcionamento argumentativo, na medida em que envolvem sempre dois enunciadores: um que afirma e outro que nega/pergunta, sendo que haveria um privilégio da afirmação em detrimento das outras duas formas (GUIMARÃES, 2007a:31). No entanto, segundo Guimarães, esses fatos devem ser tomados a partir da assimetria das regularidades linguísticas “configurada pela ruptura do sujeito” (GUIMARÃES, 2007a:31)

Assim, consideremos que a pergunta orienta a resposta pela forma como enuncia, além de estabelecer como pressupostos algumas asserções. Vejamos:

(R1.8)Preguntas frecuentes sobre lenguas en peligro ¿Por qué peligran y desaparecen las lenguas?

¿Cómo determinar si una lengua está en peligro de desaparición? ¿Por qué debemos preservar las lenguas?

¿Surgen nuevas lenguas en nuestros días?

¿En qué regiones del mundo hay más lenguas en peligro de extinción? ¿Cuántas lenguas han desaparecido?

¿Quiénes son los autores del Atlas UNESCO de las lenguas del mundo en peligro? ¿Qué significa la expresión “lengua extinguida”?

¿Qué podemos hacer para evitar que una lengua desaparezca?

¿Qué hace la UNESCO para proteger las lenguas e impedir su desaparición?

Trabalhando com as perguntas, podemos considerar algumas afirmações que serão tratadas enquanto pressuposições postas pelos questionamentos. Vejamos:

P1- ¿Por qué peligran y desaparecen las lenguas?

 As línguas correm risco.

P2-¿Cómo determinar si una lengua está en peligro de desaparición?

 As línguas desaparecem.

 Há como determinar se uma língua está em perigo de desaparecer.

P3- ¿Por qué debemos preservar las lenguas?

P4- ¿Surgen nuevas lenguas en nuestros días?

 Surgem novas línguas em nossos dias. (pergunta retórica)

P5- ¿En qué regiones del mundo hay más lenguas en peligro de extinción?

 Há regiões do mundo onde há mais línguas em perigo de extinção que outras.

P6- ¿Cuántas lenguas han desaparecido?

 Há um número x de línguas que desapareceram.

P7- ¿Qué podemos hacer para evitar que una lengua desaparezca?

 Há como evitar que as línguas desapareçam.

P8- ¿Qué hace la UNESCO para proteger las lenguas e impedir su desaparición?

 A UNESCO protege as línguas.

 A UNESCO impede o desaparecimento das línguas.

As asserções apresentadas pelas perguntas estabelecem um enunciador-universal que fala os fatos como verdades e coloca, pelos marcadores interrogativos, semanticamente vazios, a construção da resposta em torno destas asserções ditas enquanto verdades. Dentre estas perguntas, temos uma pergunta retórica que instaura um contra argumento que interessará às nossas reflexões: ¿Surgen nuevas lenguas en nuestros días?. Na mesma linha da descrição que fizemos anteriormente, podemos observar que a asserção está significada na própria pergunta que diz surgem novas línguas em nossos dias.

A pergunta retórica dispensa uma resposta informativa na medida em que ela mesma apresenta a informação, cabendo ao alocutário confirmar o que se afirma. Esta pergunta apresenta um contra-argumento importante na medida em que movimenta a questão:

se surgem novas línguas, porque preservá-las? O contra-argumento afirma que embora surjam novas línguas, devemos preservar.

Temos, assim, um contra-argumento concessivo. De acordo com Guimarães (2007a), a concessão faz funcionar:

um começo, como acordo inicial com o alocutário, algo que é posto como à margem, como se o alocutário pudesse, facilmente, então aceitar os

argumentos a favor (...).Assim o lugar que se estabelece, com o alocutário, como um começo, é negado em si mesmo, assim se constitui, como lugar inevitável, de acordo, o que se diz no comentário. (GUIMARÃES, 2007a:122)

Em nosso enunciado, surgem novas línguas seria este começo atribuído ao alocutário-internauta falante, e que é refutado, pelo funcionamento do contra-argumento, em detrimento de devemos preservar.

...

Nesta primeira parte das análises, iniciamos nosso trabalho produzindo algumas descrições mais gerais sobre o corpus e apresentando a configuração da cena enunciativa que acreditamos ser recorrente nas análises posteriores. Fizemos uma ancoragem entre as observações em torno da nomeação dos links, mais especificamente nas línguas que enunciam os projetos e as reuniões, de modo que isso pudesse nos mostrar um funcionamento importante do espaço de enunciação na distribuição desigual das línguas: vimos como o inglês toma o espaço da oficialidade diante das outras línguas. Outro ponto que traz uma contribuição teórica fundamental é a forma como tratamos da enumeração enquanto algo que se projeta além da relação entre as palavras dispostas em listas: o que determina o sentido do enumerador/enumerados é o acontecimento; as palavras que nomeiam os links condensam este sentido e foi esta compreensão que nos levou a perceber que os sublinks enumeram

problemas de cultura e não cultura, que é a representação do link. Este deslocamento

fundamental nos leva a dizer que a reescritura por enumeração não é, necessariamente, sinonímica e que tampouco os sublinks predicam a palavra em si que marca o link, mas que determinam aquilo que o link representa por condensação; é esta relação de determinação que nos permite dizer a condensação que não se formula no plano do enunciado, mas da enunciação, do acontecimento. Outro ganho importante para a teoria foi a questão das caracterizações que em formações nominais como “línguas em perigo” foi tratada como uma articulação por incidência já que evoca outra enunciação sobre a qual incide.

Os DSDs 1 e 2 foram construídos a partir de descrições que procuraram por determinações da palavra língua em todo o corpus, compreendendo as três seções que analisamos: cultura, já analisada, educação e “comunicação e informação” que serão temas das próximas páginas. Pelas relações apresentadas nestes DSDs podemos dizer que língua é

determinada como sendo a essência e o veículo do patrimônio imaterial (DSD1) lugar onde está marcada a identidade, o mundo e a tradição de um povo (DSD2). Considerando que

patrimônio imaterial é entendido pela UNESCO como o depositório da cultura, ou mesmo a

própria forma de significar cultura135, a língua tem seu valor por este viés que significa língua como um lugar de arquivo do patrimônio cultural uma espécie de gaveta que deve ser aberta para que a cultura possa ser difundida e transmitida; a língua é meio pelo qual a cultura circula. É pelo sentido de língua como detentora da cultura de um povo, que se sustenta a argumentação para a preservação.136 Sem dúvida o que acabamos de dizer vai ao encontro do que expusemos no capítulo 3: a questão linguística é tratada por um olhar antropológico deste problema. Mesmo que possamos dizer que há a Linguística Antropológica e/ou uma

Antropologia Linguística, sustentando o que se diz sobre a língua, o problema da língua é

deslocado como sendo, antes de tudo, um problema da difusão cultural.

Assim, pelos resultados de uma série de análises fomos trabalhando em torno da designação, mas também em torno da argumentação: como a forma de designar língua constrói o argumento para a preservação e, consequentemente, cria bases para as ações da UNESCO. Outra questão importante tratada neste momento, foi o funcionamento da metáfora que inclui língua(indígena) dentro das questões ambientais/biológicas, por um lado, e a taxonomia que identifica a diversidade pelas palavras da língua, ou seja, preservar e promover o multilinguismo é o mesmo que preservar a natureza já que esta está representada nas palavras. Este sentido também constrói um argumento que sustenta a conclusão devemos

preservar a biodiversidade linguística.

135 Ficaria a sugestão para que se fizesse o mesmo estudo que propomos em torno da palavra língua, sobre a

palavra cultura.

136 As asserções expostas nesta conclusão estão baseadas em nossa interpretação de como língua é designada no