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Observatório: algumas vertentes estruturalistas e a designação da

3.1. A Língua e a Ciência: algumas considerações sobre sua formulação na Linguística

3.1.2. Observatório: algumas vertentes estruturalistas e a designação da

A questão da sistematicidade no tratamento das questões linguísticas exercerá influências importantes sobre vários autores, notadamente os intelectuais que compunham os círculos de Praga e Copenhague e em trabalhos do chamado estruturalismo americano. A fim de refletirmos sobre o conceito de língua, apresentaremos algumas das formulações feitas a partir destes lugares nas obras de Jakobson, Hjelmslev e Bloomfield, localizando-as como pertencentes à Ciência da Linguagem, a Linguística. A escolha é objetivada pela suposta filiação destes autores ao que se denomina estruturalismo linguístico o que, por esta razão, permitirá um diálogo com a exposição feita anteriormente sobre o conceito de língua em Saussure. O alcance do que vamos apresentar nas seguintes páginas não nos permitirá grandes discussões no que diz respeito às proximidades e distanciamentos teóricos entre os autores, dada, justamente, a complexidade analítica que um trabalho como este requer. Assim, entendemos que:

[...] as etiquetas em –ismo achatam as realidades teóricas, e os dicionários ou as obras de síntese apresentam como distintas- frequentemente por motivos de clareza didática – corrente, na realidade, estreitamente imbricadas tanto nas suas opções teóricas quanto nas suas filiações: funcionalismo, estruturalismo, formalismo, distribucionalismo não constituem corpos teóricos completos e autônomos, mas correntes imbricadas umas nas outras, ligadas por relações de filiação ou de oposição e por escolhas teóricas complexas. (PEVEUA & SARFATI, 2006:115)

Dados os objetivos desta tese, não faremos uma exposição que passe por outros domínios, salvo o que se apresentará mais adiante como algo localizado dentro da

40 Vale dizer que o termo estruturalismo é proposto por aqueles que interpretam a teoria saussuriana e não há

Antropologia.41Assim, nosso recorte é bastante pontual e enfoca de forma bastante direta a forma como língua é designada nos autores selecionados, a partir de recortes de suas obras com o objeto de perceber como, mesmo de uma mesma filiação, é possível que um conceito tenha nuances diferentes, o que corrobora nossa hipótese de que dizer o que é língua, em uma única resposta totalizadora, não é tão fácil. (Seria possível?)

Comecemos por observar como esta questão aparece em Jakobson. O russo Roman Jakobson é conhecido por compor com destaque o grupo da Escola de Praga42 formado por estudiosos da Linguística que postularam, dentre outras coisas, que à linguagem cabem funções, ou seja, que a estrutura das línguas estava em grande parte determinada pelas funções que as caracterizavam. Vale ressaltar também a importância dos trabalhos funcionalistas dentro da fonologia.

Apresentaremos alguns trechos da obra de Jakobson para nossa reflexão. Os trechos foram extraídos de seu livro Linguística e Comunicação. Dentro da perspectiva funcionalista, portanto, a língua é vista por sua função, enquanto um instrumento através do qual transmitimos informação:

Se a linguagem é um instrumento que serve para transmitir informação, não se podem descrever as partes constituintes de tal instrumento sem referir- lhes as funções, assim como a descrição de um automóvel sem qualquer menção às tarefas de suas partes ativas seria incompleta e inadequada (JAKOBSON, 1995:91-92)

Além disso, pode-se estabelecer uma relação com a cultura na medida em que, segundo Jakobson “a linguagem é de fato o próprio fundamento da cultura. Em relação à linguagem, todos os outros sistemas de símbolos são acessórios ou derivados. O instrumento principal da comunicação informativa é a linguagem” (JAKOBSON, 1995:18). No entanto, mantendo o caráter estrutural e sistêmico dado à língua, o autor dirá que “a história de uma língua só pode ser a história de um sistema linguístico que sofre diferentes mutações”

41 Esta partição Linguística/Antropologia nos serve para discutir a questão do lugar da Ciência dado à

Linguística, principalmente em nossas análises. No entanto, poderíamos dizer que em alguns momentos há uma certa sobreposição nos trabalhos dos intelectuais entre o que é antropológico e o que é linguístico, como exemplo, o lugar que é conferido aos trabalhos de Edward Sapir que transita nestes dois domínios.

42 De acordo com Orlandi (2009) “O círculo de Praga (CLP) embora criado pelo tcheco Mathesius, iniciou-se

com um manifesto apresentado em 1928, em Haya, pelos russos Troubetzkoy, Harcevsky e Jakobson. Personalidades muito diferentes entre si, e de origens culturais bastante diversas, ali se reuniam para expor suas ideias, entre 1925 e a Segunda Guerra Mundial” (ORLANDI,2009:34)

(JAKOBSON, 1995:26). Desta maneira, podemos dizer que há de certa forma uma crítica à exclusão de uma abordagem diacrônica da língua, proposta por Saussure em prol de uma forma de entender o sistema a partir de suas “diferentes mutações”, ou seja, fica posta a necessidade de um trabalho tanto diacrônico quanto sincrônico. Segundo este autor:

Indubitavelmente, para toda comunidade linguística, para toda pessoa que fala, existe uma unidade de língua, mas esse código global representa um sistema de subcódigos relacionados entre si; toda língua encerra diversos tipos simultâneos, cada um dos quais é caracterizado por uma função diferente. (JAKOBSON, 1995: 122)

Fica explícita, desta forma, a língua significada primordialmente como um instrumento que serve ao homem para sua expressão; ela tem em si esta função. Daí as famosas funções da linguagem (referencial, emotiva, conativa, fática, metalinguística e poética) propostas pelo autor e que foram base para a explicação da língua na literatura. No entanto, o que gostaríamos de ressaltar é justamente a manobra teórica de inserção da diacronia e a consideração da língua pelo seu caráter simbólico submetida às funções da linguagem43.

Outro nome importante do estruturalismo europeu foi Louis Hjelmslev, dinamarquês integrante da Escola de Copenhague44, conhecido pela proposição do termo

Glossemática, que se propõe a estudar o que ele chamou de glossemas que seriam as menores

unidades linguísticas significantes.

De acordo com Ducrot e Todorov (2010), “Hejelmslev conserva, do Cours, sobretudo duas afirmações: 1) a língua não é substância, mas forma; 2) toda língua é ao mesmo tempo expressão e conteúdo.” (DUCROT E TODOROV,2010:31). Considerando as duas afirmações anteriormente descritas, Hjelmeslev apresenta três níveis onde Saussure via somente dois. Desta forma o autor chamará de matéria que seria algo independente da utilização da língua, o que Saussure chamou substância (realidade semântica); dirá substância ao que Saussure havia nomeado forma e forma designará a relação que se estabelece entre as

43 Em seu livro Essais de Linguistique Générale, de 1963 (Paris, ed. de Minuit), Jakobson apresenta as funções

da linguagem que se tornou bastante conhecida (e segue sendo nos nossos dias): referencial, expressiva ou emotiva, conativa, fática, metalinguística e poética.

44 Segundo Orlandi (2009). O círculo de Copenhague tem inicio em 1931 “exclui-se qualquer referência à

literatura. Só se leva em conta a lógica-matemática, e um dos fins almejados é a elaboração de uma teoria linguística universal. […] o que interessa aos membros desse circulo é produzir uma radicalização abstrata e logicista do pensamento de F. Saussure” (ORLANDI,2009:34-35).

unidades linguísticas. (DUCROT&TODOROV, 2010:32-33). Assim, “a Glossemática utiliza a noção de manifestação: a substância é a manifestação da forma na matéria” (DUCROT&TODOROV,2010:33).

A língua é assim entendida enquanto uma combinatória, um sistema formal e independente; uma rede de funções semióticas. O linguista usa a palavra texto para se referir à linguagem, designando-a como uma sintagmática que se manifesta por todos os sentidos. A língua, por sua vez, é tomada enquanto um conjunto de formas que compõe sistemas construídos por signos; é a paradigmática. Para este autor, a linguagem deve ser um fim em si mesma e não um meio de expressão. Os princípios da autoconsequência, da exaustividade e da simplicidade estruturam sua teoria. Temos assim que:

Uma língua pode ser definida como uma paradigmática na qual os paradigmas manifestam-se por todos os sentidos, e um texto pode ser definido de maneira análoga como uma sintagmática cujas cadeias são manifestadas por todos os sentidos. [...] Na prática, uma língua é uma semiótica na qual todas as outras semióticas podem ser traduzidas, tanto todas as outras línguas quanto todas as estruturas semióticas concebíveis. Essa tradutibilidade resulta do fato de que as línguas, e apenas elas, são capazes de formar qualquer sentido [...]. (HJELMSLEV,1975:137-138)

É interessante ressaltar a forma como Hjelmslev entende a tradutibilidade da língua, já que sendo um sistema, pode “formar qualquer sentido” na medida em que a diferença entre as línguas está na forma e não na substância o que lhe garante, assim, a tradutibilidade. Considerando sua postura de formalização, o autor ainda aponta a necessidade de descrever não somente o plano da expressão (forma), mas também o plano do conteúdo (substância, significação).

Nestes dois autores anteriormente apresentados, poderíamos dizer que a língua é significada por seu caráter simbólico, mas ambos apresentam nuances teóricas que tomam os postulados do CLG, reformulando-os dentro de suas perspectivas teóricas.

Leonard Bloomfield, considerado um dos grandes nomes da Linguística estrutural, será um dos ícones da corrente estruturalista americana. Apresenta em seu trabalho influências behavioristas, principalmente de Wundt45, o que o levou a negar o tratamento mental ou conceitual da linguagem. Para este autor, o rigor descritivo e metodológico deveria

45 Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) é um psicólogo alemão, considerado pelos seus trabalhos, como um

excluir o social e o cultural. Segundo ele, em seu livro Language (1935), “uma língua é a mesma independente do sistema de escrita que seja usado para gravá-la, assim como uma pessoa é a mesma, independente de como você a fotografe” 46 (BLOOMFIELD, 1935:21) o que marca, notadamente, seu caráter sistêmico. O autor ainda nos diz:

Fisiologicamente, a língua não é uma unidade de função, mas consiste em um grande número de atividades, cuja união em um único e vasto complexo de hábitos resultantes de repetitivos estímulos repetidos no início da vida do

indivíduo. (BLOOMFIELD, 1935:37)47

Neste sentido, a sistematicidade da língua está ligada ao estimulo que o indivíduo recebe ao repetir as estruturas linguísticas desde o início de sua vida. De acordo com o autor, a importância da língua é o fato de que ela permita o intercâmbio de estímulos entre o falante e o ouvinte de forma que “para que a linguagem funcione, é necessário, sobretudo, que cada fonema seja inconfundivelmente diferente de todos os outros (BLOOMFIELD, 1935:128)48. O ato de falar para este autor é uma forma de comportamento e o significado estaria submetido a esta reação provocada quando alguém fala e o outro ouve, neste gesto físico que seria a linguagem. Assim “a fim de que essa descrição não seja infletida por prejulgamentos que tornariam impossível a explicação ulterior, exige que ela se faça fora de qualquer consideração mentalista e, sobretudo, que evite toda alusão aos sentidos das palavras pronunciadas. ” (DUCROT & TODOROV, 2010:42). Poderíamos, desta forma, dizer que a língua é um resultado de atos mecânicos decorrentes do comportamento humano.

Nesta breve apresentação, pudemos revisitar algumas formulações sobre o conceito/entendimento de língua em autores cujos trabalhos estão imersos nas questões estruturalistas. Apesar dos deslocamentos realizados por cada um deles a partir do contato com outras teorias em seus percursos acadêmicos, podemos perceber como as questões propostas por Saussure ecoaram, seja por seu desenvolvimento, deslocamento, negação. O que gostaríamos de marcar com este percurso é, primeiramente, a complexidade que envolve

46 Tradução livre de: “A language is the same no matter what system of writing may be used to record it, just as a

person is the same no matter how you take his picture”.

47 Tradução livre de: “Physiologically, language is not a unit of function, but consists of a great many activities,

whose union into a single far-reaching complex of habits results from repeated stimulations during the individual's early life”.

48 Tradução livre de: “For the working of language, all that is necessary is that each phoneme be unmistakably

uma ou outra forma de pensar um conceito, que vem imbricado a outros conceitos dentro de uma teoria. Fizemos um recorte que acaba excluindo a maior parte dos postulados sobre a língua e a linguagem que circularam, notadamente aqueles que foram cunhados a partir de meados do século XX e que vieram corroborar o estatuto da Linguística dentro do quadro das Ciências. No entanto, acreditamos ter sido possível demonstrar a complexidade de se pensar o (um) conceito de língua e as formulações de uma Ciência que constitui seu objeto em torno de uma concepção de língua e linguagem.

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Apesar do reconhecimento da Linguística enquanto a Ciência da Linguagem, seu quadro epistemológico é relegado dentro de uma série de discussões, postas como problemáticas linguísticas, localizando a Linguística, contraditoriamente, como coadjuvante em outras disciplinas teóricas (a Antropologia e as Ciências Sociais de uma maneira geral) que tomam para si a língua e a linguagem como parte de seus objetos, produzindo, por vezes, seu apagamento enquanto uma Ciência que produz conhecimento sobre as questões linguísticas.