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2 A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

2.5 Alguns apontamentos quanto à formação reflexiva de professoras

Nas últimas décadas, a formação de professoras tem se pautado em algumas tendências como: o “professor reflexivo” de Schön, a “pedagogia das competências” de Perrenoud, o “professor intelectual transformador” de Giroux, entre outras.

O curso especial de formação de professoras do projeto Pedagogia Cidadã expõe em seus princípios norteadores a preocupação em oferecer uma “formação baseada na reflexão permanente e no conhecimento construído a partir da prática” (Manual Acadêmico do projeto Pedagogia Cidadã, p. 8). Desse modo, centrarei a discussão deste tópico nas seguintes tendências: a do “professor reflexivo”, defendida pelo projeto, e a do “professor intelectual transformador”, que é a defendida nesta pesquisa.

Pimenta (2002) realizou um estudo sobre a tendência reflexiva no Brasil e mostrou que Schön ao observar a prática de docentes e realizar estudos filosóficos, especialmente sobre John Dewey, propôs que os cursos de formação de professoras deveriam valorizar o conhecimento pessoal, assim,

Schön propõe uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato. (Pimenta, 2002, p. 19).

Essa tendência aponta para a valorização dos processos de produção de saber da professora por meio de sua prática (reflexão na ação), utilizando como instrumento, para isso, a pesquisa. Na formação de professoras, o ensino é tomado como ponto

inicial e final para a pesquisa, e a professora, então, recebe o status de pesquisadora. O conceito de “professor reflexivo” é passível de várias críticas. A primeira delas vem do uso inadequado da palavra reflexivo. Barbosa (2005) questiona o uso desse termo como um simples adjetivo e não como um conceito, pois no Brasil esse termo teria sido apropriado de maneira acrítica, somente porque estava “na moda”.

Outra crítica a essa tendência é relativa à supervalorização dada à prática, e conseqüente desvalorização do conhecimento escolar, científico. Duarte (2003) apresenta esse problema da seguinte maneira:

(....) Reafirmo o que já afirmei acima: de pouco ou nada servirá a defesa da tese de que formação de professores no Brasil deva ser feita nas universidades, se não for desenvolvida uma análise crítica da desvalorização do conhecimento escolar, científico, teórico, contida nesse ideário que se tornou dominante no campo da didática e da formação de professores, isto é, esse ideário representado por autores como Schön, Tardif, Perrenoud, Zeichner, Nóvoa e outros. De pouco ou nada servirá mantermos a formação de professores nas universidades se o conteúdo dessa formação for maciçamente reduzido ao exercício de uma reflexão sobre os saberes profissionais, de caráter tácito, pessoal, particularizado, subjetivo, etc. De pouco ou nada adiantará defendermos a necessidade de os formadores de professores serem pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação se renderem ao “recuo da teoria” (...). (p. 619-620).

A experiência das professoras como elemento formativo é importante, no entanto não concordo que se deva substituir o conhecimento teórico pelo prático, pois assim a escola estaria perdendo a sua função social. É clara a importância de se relacionar teoria e prática, no entanto, não acredito em uma formação que privilegie um desses dois elementos.

Ao privilegiar a prática na formação das professoras os cursos de formação ganham um caráter tecnocrático. Giroux (1997) alerta que

Uma das maiores ameaças aos professores existentes e futuros nas escolas públicas é o desenvolvimento crescente de ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para a

preparação dos professores e também para a pedagogia de sala de aula (...). (Giroux, 1997, 158).

Essa crítica foi contextualizada por Kincheloe (1997) através de uma análise sobre o trabalho docente na modernidade e na pós-modernidade. Segundo o autor, o sistema de pensamento predominante na modernidade foi o linear, pelo qual todos os acontecimentos da vida eram justificados pelo binômio causa-e-efeito. A ciência, pautada nesse paradigma racionalista, produziu muita teoria sobre a educação, pois a escola era reconhecida como a instituição responsável por manter a ordem social. Por essa razão, era tão importante criar métodos eficazes para que os alunos recebessem muitas informações em pouco tempo, um repertório técnico que os preparasse rapidamente para trabalhar nas linhas de produção.

Destaca-se, ainda, que toda a teoria era voltada para a transmissão, ou seja, para fazer os alunos reproduzirem aquilo que já havia sido descoberto pela ciência. A professora, nesse processo, era desqualificada, e progressivamente perdia sua autonomia, visto que era considerada uma boa profissional apenas aquela que levasse os seus alunos a responder corretamente aos testes padronizados que constavam nos manuais de professoras. A professora era, então, desencorajada a pensar, sendo considerado o seu trabalho como meramente técnico.

Em contraposição à modernidade, o pensamento pós-moderno, de acordo com Kincheloe (op. cit.),

Está baseado num sistema crítico de sentido, que está preocupado com um conhecimento questionador, que ao entender mais criticamente a si mesmo e a sua relação com a sociedade, [o sujeito] torna-se uma ferramenta poderosa para a mudança social progressista. (p. 15).

Assim, na pós-modernidade, o papel da professora passou a ser o de facilitadora da interação dos estudantes com o conhecimento, devendo ela incentivar a

reinterpretação do mundo e a produção de novos entendimentos quanto ao conhecimento.

Giroux (1997) apresenta essa professora como uma intelectual transformadora que deve ter como ponto de partida a interrogação sobre o seu papel social na escola, percebendo essa instituição como um espaço econômico, social e cultural que está atrelado às questões de poder e controle. Nesse sentido,

(...) os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente, gostaria de concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e críticos. (p. 162-163).

Para que essa professora reconheça, então, os interesses políticos e ideológicos de sua prática ela precisa compreender o contexto histórico das relações sociais que cercam seus educandos. Kincheloe (1997) avalia que, para os pensadores pós- modernos, o conhecimento tem suas origens em uma dimensão histórica em que o importante é o particular e não a generalização, como o pensamento moderno pregava. A professora da pós-modernidade reconhece que não há neutralidade no processo de ensino e aprendizagem, e que ela tem um compromisso com a mudança social. Isso implica em entender que ensinar é um ato político.

O autor destaca, ainda, que a professora pós-moderna é aquela que se orienta pela pesquisa do contexto sócio-histórico, que tem consciência de seu poder político para a transformação social, do seu compromisso de fazer o mundo. Ela é, também, uma artista da improvisação, capaz de fazer uma auto-reflexão e uma reflexão social crítica. É alguém que se preocupa com a dimensão afetiva dos seres humanos, e se compromete com uma educação democrática auto-dirigida.

Essa é a formação de professoras que defendo: a formação da professora crítica, que consegue relacionar teoria e prática para ser a mediadora dos conhecimentos do mundo para seus alunos, buscando a sua transformação, do mundo e de si mesma.

Mas como formar essa professora? No próximo tópico explicarei como vem sendo problematizada a formação de professoras pelos cursos, pelos pesquisadores da área e pela sociedade, no Brasil.