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Contribuições do projeto Pedagogia Cidadã para a formação de professoras da educação infantil

5 PERSPECTIVAS SOBRE O PROJETO PEDAGOGIA CIDADÃ

5.5 Contribuições do projeto Pedagogia Cidadã para a formação de professoras da educação infantil

Historicamente, a formação das professoras da educação infantil foi abandonada pelo poder público. De acordo com Kuhlmann Júnior (2000, 2001), o atendimento das crianças pequenas, durante muito tempo, foi compreendido como uma medida assistencialista: qualquer pessoa que gostasse de crianças poderia fazê-lo, independente de possuir formação acadêmica.

Arroyo (1999), Campos (1999), Ávila (2002) e Kramer (2003) argumentaram que, no sistema educacional brasileiro, quanto menor a idade da criança atendida, maior é a desvalorização do profissional que trabalha com ela. Essa desvalorização se traduz pelas longas jornadas de trabalho, baixos salários e menor formação profissional exigida.

oportunidade de regresso à sala de aula para essas professoras no papel de estudantes e possibilita trocas diárias de experiências profissionais durante 2 anos e meio não pode deixar de ser valorizada.

Naturalmente, essas professoras que foram abandonadas em sua formação pelo poder público, especialmente o estadual e federal, como se pode constatar no caso das professoras deste estudo12, tenderiam a valorizar sobremaneira a primeira iniciativa

que lhes oferecesse qualquer formação. Mas, pelo que se constata nos tópicos anteriores, a formação para o trabalho na educação infantil oferecido pelo projeto, além de ter se configurado como inadequada, foi insuficiente.

No entanto, não se podem descartar algumas contribuições importantes que o projeto trouxe a essas professoras/alunas, a exemplo do estabelecimento de um olhar mais apurado para as práticas da educação, a valorização profissional, as trocas de experiências profissionais e o desenvolvimento do hábito do estudo.

Sônia, professora de creche há mais de 14 anos, percebeu essa mudança pela sua maneira de se expressar:

Parece que eu fui travando a minha língua. Eu senti, quando eu entrei na faculdade, aqui, que eu estava com a língua pesada para falar. (...) Eu não estava com a voz solta para falar como hoje eu estou (...). O pesado que eu quis dizer foi isso: é que eu não estava acostumada a falar palavras difíceis como tem no livro da Pedagogia Cidadã (...) Eu achei que o curso foi maravilhoso para mim, me ensinou muitas coisas, eu aprendi muito nesse curso. (Sônia).

12 O município pesquisado tinha uma preocupação maior com a formação de suas professoras da educação

Eduarda, que já havia feito um curso superior na Unesp anteriormente, revela que o projeto Pedagogia Cidadã ofereceu subsídios para que ela pudesse preparar o planejamento de suas aulas para a pré-escola com mais segurança. Além disso, ela percebeu que a sua capacidade de argumentação para defender o seu trabalho melhorou:

Eu, na minha opinião, acho que aprendi muito. Eu conheci vários autores que eu não havia tido contato, eu vi textos de autores que eu achei muito bons e, como eu já havia dito, ajudou muito no trabalho de sala. Eu sinto muito mais segurança para elaborar os meus planos de aula, os meus projetos, as minhas atividades seqüenciadas. Tenho argumentos se houver algum questionamento sobre isso. E outra, também, quanto à visão crítica, porque hoje não vai ser qualquer pessoa que vai chegar e vai falar: “Você tem que trabalhar dessa forma”, eu vou analisar o que esta pessoa está dizendo para ver se tem a ver com tudo o que eu aprendi. A gente se torna mais crítica, a gente não aceita mais as coisas impostas, hoje você já vai pensar sobre isso: “Mas será que isso está certo?”. Eu acho que o curso fez isso comigo e com as minhas amigas: hoje a gente está mais crítica, a gente aprendeu muito e só tem a crescer com tudo o que a gente aprendeu aqui durante o curso. (Eduarda).

Maria, professora de creche, notou que, depois de começar a freqüentar o Pedagogia Cidadã, passou a ser mais valorizada profissionalmente, e isso se refletiu na relação com os pais de seus alunos:

(...) pelo menos agora eu sou reconhecida no meu trabalho. Porque, antes, eu era vista apenas como uma babá. Hoje não. Agora eles falam: “Olha, a Maria tem Pedagogia!” Então,

agora, as mães passaram a valorizar mais, a freqüentar mais as reuniões de pais. No momento em que eu tenho oportunidade, eu falo daquilo que eu aprendo. (Maria).

Por último, Ana, professora da pré-escola, declarou que as mudanças percebidas nela se deram, principalmente, em função das trocas de experiências que ela teve com as colegas de trabalho:

Claro que teve muita troca de experiência na sala (do Pedagogia Cidadã), e que teve um valor e tanto, e que a gente pode “ trocar figurinhas”. (Ana).

Mas seriam essas mudanças apontadas pelas professoras/alunas reais? As coordenadoras pedagógicas da educação infantil do município, responsáveis pelo trabalho dessas professoras, reafirmaram a modificação da postura delas:

(...) Eu só sei o que elas comentam e o que eu vejo no trabalho delas quanto à parte que eu falo pra você de registro, de anotar, de falar, de saber o que está falando, o porquê estão falando, a observar melhor o trabalho, o desenvolvimento das crianças, o porquê das crianças estarem com tal atitude, o que é melhor pra criança ou não. (...). Foi um ganho muito grande, principalmente da questão, que eu falo pra você, da valorização mesmo e de conciliar a prática com a teoria.(...) Aquela questão de você chegar com 10 pedras na mão pra tratar o pai, você já sabe dos direitos dele e dos deveres dele. (Natália).

Para algumas, a Pedagogia conseguiu abrir um leque para ter uma visão mais ampla. Mesmo que ela já conheça aquele conteúdo, ela não parou para refletir tanto, então eu acho que deu pra ter um crescimento no dia-a-dia, na sala de aula. (...).

Assim, na postura, no jeito de trabalhar, na maneira de se escrever, porque muitas tinham muita dificuldade. Agora, você pode pedir qualquer coisa que elas escrevem sem medo. Eu acho que isso foi um ganho muito grande. (Bruna).

Como se vê, as coordenadoras pedagógicas perceberam que essas mudanças foram refletidas no trabalho das professoras da educação infantil do município. Natália acrescentou que essas mudanças ocorreram também na vida pessoal dessas professoras:

(...) Então, elas transformaram aquele mito da faculdade rígida, rigorosa numa escola pra elas, na continuação da escola de durante o dia. (...) Outra coisa do Pedagogia é o sair de casa, conhecer pessoas diferentes, experiências diferentes, assim, teleconferências, coisas que nunca imaginavam que existiam. Poder conversar alguma coisa embasada na discussão de algum escritor, de algum leitor, de algum pensador. (...) Então eu acho que ampliou a campo de visão delas, que era muito restrito ao marido, ao lar, à escola, igreja. Queira ou não, a faculdade é um ambiente diferente. Aquela questão do nervoso e do estresse, você se distrai. (Natália).

A melhora do desempenho dessas professoras/alunas foi reconhecida pela coordenação geral do projeto Pedagogia Cidadã:

Ontem, eu fiquei sabendo de mais um município, Araçatuba, em que os alunos do Pedagogia Cidadã, que ainda não se formaram, mas puderam prestar concurso. Os 10 primeiros colocados são do Pedagogia Cidadã. Há um ano, isso aconteceu aqui em Guarulhos, também: o concurso era interno e, entre os 10 primeiros colocados, 9 eram do Pedagogia Cidadã.

Eles mesmos dizem que foi o que eles aprenderam no curso. Também, nós temos notícias o tempo todo de que os professores estão lendo mais, estão escrevendo melhor, estão se interessando em ler outras coisas, além das bibliografias que estão nos Cadernos. (Prof. Dr. Palma Filho).

Campos (1999) indicou que uma das deficiências mais comuns nos cursos de formação de professoras é a reflexão sobre o trabalho com os pais de alunos. De acordo com Maria e Natália, essa relação entre pais e professores nas creches municipais foi melhorada por dois motivos: a aprendizagem das professoras/alunas da legislação relacionada ao direito das crianças, desde que nascem, de freqüentarem uma instituição escolar (Constituição 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990 e LDB de 1996), e pela valorização das profissionais por parte dos pais das crianças, devido à formação que a professora estava recebendo.

Outro ponto importante, relatado pelas professoras/alunas e coordenadoras, foi a formação de uma perspectiva mais crítica quanto ao trabalho na educação, desconstruindo a visão (que elas próprias tinham de si mesmas) de “tarefeiras”. Esse aspecto é importante pois, como Arroyo (1999) argumentou, nos últimos anos, o ideário de “professora tarefeira” se fortaleceu devido às imposições constantes que essas profissionais vêm sofrendo. Ou seja, a cada novo mandato do executivo municipal, são mudadas as estratégias pedagógicas para a educação, e as professoras aderem ao novo modelo sem qualquer reflexão.

Essas mudanças positivas percebidas nas professoras/alunas do projeto Pedagogia Cidadã também foram observadas em algumas pesquisas realizadas sobre o PEC (Oliveira, 2003; Sarmento, 2003 e Barbosa, 2005).

Oliveira (2003) relatou ter percebido que o processo de formação proporcionado pelo PEC teve um potencial transformador que trouxe mudanças na postura das professoras/alunas, tornando-as mais críticas. Segundo a autora, essas mudanças se relacionam ao aumento da auto-estima das profissionais.

Sarmento (2003), pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em sua tese de doutorado sobre os vínculos de aprendizagem no PEC, sustentou que a formação universitária, em nosso país, está relacionada a um aumento no status social:

As pessoas se reconhecem como sendo tais tendo outras como espelho. As professoras entrevistadas alegaram que, a partir de seu ingresso no PEC - Formação Universitária, começaram a ser vistas de outro modo pelos colegas de escola. “Ser visto com outros olhos” é um elemento que faz com que o professor também se veja de outro modo. E isso o modifica, o altera. (p. 247).

Com isso, Sarmento (2003) argumentou que as mudanças nas professoras/alunas ocorreram não somente no campo profissional, mas também no campo pessoal, devido à valorização social que elas passaram a ter.

Barbosa (2005) constatou uma mudança positiva na postura das professoras/alunas no fim do PEC. No entanto, a autora se colocou de forma mais pessimista ao analisar essas mudanças, acreditando que elas em nada contribuirão para uma mudança efetiva do trabalho dessas professoras dentro da sala de aula, visto que elas dependem muito mais das condições de trabalho e da formação inicial do que simplesmente da valorização social.

Nesta pesquisa, não pretendo avaliar se houve qualquer mudança no trabalho das professoras/alunas dentro da sala de aula, visto que esse não é o objetivo deste estudo. É possível averiguar apenas que, na perspectiva das professoras/alunas

entrevistas, o projeto Pedagogia Cidadã trouxe contribuições significativas para as suas vidas, como a valorização profissional, as trocas de experiências, a aquisição de hábitos de estudo e uma visão mais crítica sobre seu trabalho na educação.

Neste capítulo, apresentei e discuti os resultados desta pesquisa. A partir desses dados, foi possível constatar que o projeto Pedagogia Cidadã, na perspectiva das professoras/alunas entrevistadas, pareceu ter maior preocupação com a certificação em massa de professoras do que com a formação crítica para o trabalho na educação infantil. Isso pode ter se dado devido ao alinhamento do projeto com as políticas neoliberais predominantes no país atualmente. Apesar disso, não se pode desconsiderar as contribuições que o projeto trouxe para a mudança na postura dessas professoras/alunas, que se tornaram mais críticas quanto ao trabalho na educação.