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1 UM BREVE PANORAMA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: TENDÊNCIAS RELEVANTES PARA A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS

1.4 As políticas públicas para a educação infantil brasileira

A educação infantil brasileira vem se consolidando nesse campo globalizado, o que explica a forte influência de instituições internacionais. A partir da década de 1990, o Banco Mundial passou a ditar o modelo educacional a ser seguido no Brasil.

Segundo Penn (2002), o conceito de infância defendido pelo Banco Mundial corresponde a uma visão desenvolvimentista: “O argumento de que o cérebro se desenvolve com mais intensidade nos primeiros anos de vida faz com que qualquer programa que vise ao desenvolvimento cerebral seja avaliado positivamente (...)” (p. 9). Essa visão se refletiria no modelo de desenvolvimento econômico, isto é, melhorar o capital social de uma pessoa, oferecendo-lhe educação, faz com que ela se torne mais produtiva e competitiva, levando ao fortalecimento da economia.

Rosemberg (2002) caracterizou as perspectivas para a educação infantil propostas pelo Banco Mundial: 1) as pré-escolas devem preparar a criança para o ensino fundamental e 2) as crianças menores de 4 anos devem ser atendidas em programas não-formais como “creches domiciliares” e/ou instituições mantidas pela comunidade. Esses argumentos se devem ao fato de que se acredita que a educação infantil deve compensar as carências de crianças pobres e, também, quebrar o ciclo vicioso da pobreza por meio da educação.

A teoria da Carência Cultural, a qual postula que as crianças das chamadas minorias sociais e raciais não se sairiam bem na escola primária porque seu ambiente familiar e vicinal “impediria ou dificultaria o desenvolvimento de habilidades e

capacidades necessárias a um bom desempenho escolar” (Patto, 1997, p. 282), chegou ao país por volta da década de 1960. Essa teoria, apesar de já ter sido ultrapassada, por apresentar uma visão preconceituosa em relação à cultura das classes mais desfavorecidas economicamente, ainda é utilizada para justificar o objetivo da educação infantil, internacionalmente.

Concordo com Rosemberg (op. cit.), quando ela afirma que as orientações do Banco Mundial não promovem a eqüidade social. Ao contrário, resultam, na maioria das vezes, no atendimento de baixa qualidade, provocando novos processos de exclusão social, pois se destinam exclusivamente à camada mais pobre da população.

Jonsson, citado por Rossetti-Ferreira (2002), ao avaliar as concepções presentes em países desenvolvidos e em desenvolvimento, indica que há duas perspectivas para as políticas públicas de atendimento da criança pequena:

Perspectiva de Necessidades:

• A criança é concebida como um recipiente passivo;

• As necessidades implicam objetivos – inclusive os parciais; • As necessidades podem ser classificadas numa hierarquia; • As necessidades nem sempre implicam obrigações; • As necessidades são associadas a promessas;

• As necessidades podem variar conforme culturas e ambientes (settings);

• As necessidades podem ser atendidas mediante caridade; • Atender às necessidades sempre depende de vontade política.

Perspectiva de Direitos:

• A criança é um participante ativo;

• Os direitos implicam o atendimento de todas as crianças; • Os direitos devem ser atendidos com sustentabilidade; • Os direitos não podem ser organizados hierarquicamente; • Os direitos envolvem obrigações;

• Os direitos são universais;

• A caridade não é aceita dentro de uma proposta de direitos; • Dar conta dos direitos depende de escolha política. (Jonsson apud

Como é possível notar, o modelo proposto pelo Banco Mundial se assemelha ao da “perspectiva de necessidades”, e é nesse sentido que ele deve ser recusado, pois, caso contrário, reforçaria a exclusão social tão marcante no país.

O Brasil não recebeu todas essas influências internacionais passivamente, visto que a produção científica e a experiência em educação infantil do país fortaleceram os anseios de pesquisadores, movimentos sociais, trabalhadores da educação, sindicatos e políticos, que lutaram para garantir uma legislação que vislumbrasse a educação infantil de qualidade como direito.

Na Constituição de 1988, o direito da criança pequena (0 a 6 anos) à educação infantil foi assegurado a ela e aos pais trabalhadores. Logo após, ainda impulsionados pelas discussões da constituinte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) foi promulgado, sendo considerado uma das leis mais avançadas do mundo no que diz respeito à atenção direcionada à infância. Essas legislações sinalizaram a necessidade de uma nova lei para a educação nacional. No entanto, foi apenas em 1996 que a nova LDB foi sancionada (Lei nº 9.394).

Lagos-Oliveira (2002) sintetizou as principais contribuições da legislação educacional brasileira para a educação infantil da seguinte forma:

• A criança é sujeito de direitos e sua educação deve ser assegurada a partir de seu nascimento, cabendo ao Estado fazê-lo, em complementação à ação da família;

• A relação entre União, estados, Distrito Federal e municípios realiza-se a partir da instituição de um regime de colaboração mútua;

• Os municípios têm responsabilidade pela oferta da educação infantil;

• A educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social;

anos é em nível superior, aceitando-se que seja, no mínimo, em nível médio;

• A formação continuada dos profissionais de educação deve ser assegurada pelos sistemas de ensino, em uma constante associação entre teoria e prática. (p. 36).

A autora complementa informando que, a partir de um estudo realizado pelo MEC em 1994, o qual objetivou conhecer as propostas pedagógicas já existentes no país, foi elaborado e divulgado o “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” (1997-1998), que objetivou subsidiar os projetos pedagógicos das instituições de educação infantil, e daí melhorar a qualidade do atendimento dessas instituições.

Várias autoras (Campos, 2002; Craidy, 2002; Haddad, 2002; Lagos-Oliveira, 2002; Oliveira, 2002; Rosemberg, 2002b) lembram, no entanto, que os avanços na legislação levam tempo para serem incorporados à cultura social. Isto é, não é porque as leis existem que elas são cumpridas. As autoras afirmam, também, que em alguns contextos a lei vem para oficializar práticas sociais já existentes, daí a importância de não esperar apenas que elas sejam feitas e sempre buscar melhorar o atendimento à criança.

Apesar dos esforços no campo legislativo, há, ainda, uma grande discrepância entre as políticas públicas e o cenário nacional. Campos (2002) identificou algumas delas:

1) Segmentação versus integração – na pós-modernidade, verifica-se uma tendência a não aceitar mais políticas universais mas, sim, para classes, faixas de idade... Isso aparece em creches e pré-escolas, no atendimento segmentado de crianças com mais de 4 anos que, em muitos casos, ficam um período na creche e no outro na pré-escola;

2) Políticas universais versus políticas locais – conflito evidenciado ao se defender que as creches são para atender os filhos de famílias pobres, diferentemente do resto da educação básica, cujos critérios para matrícula geralmente são idade, local de moradia ou ordem de chegada;

3) Professoras formadas em níveis educacionais mais altos versus educadoras leigos e pessoas da comunidade – as professoras de creches em geral têm menor escolaridade, ou são leigas, e recebem baixos salários. Já as professoras de pré- escolas, em geral, têm maior formação e dificilmente aceitam trabalhar nas creches, dado os baixos salários e tipo de trabalho (higiene, alimentação...); 4) Período integral versus período parcial – em nenhum momento a legislação

determina qual o período de atendimento que as crianças de cada faixa etária deve receber. Isso faz com que as crianças de 0 a 3 anos, as quais são atendidas em creche, tenham atendimento em período integral, enquanto as de 4 a 6 anos (pré-escola), somente em meio período, como é tradição do sistema escolar. Isso tem gerado problemas para as famílias, que não têm onde deixar essas crianças no período em que não são atendidas;

5) Financiamento: “briga pelos mesmos recursos” – com o Fundef, houve uma estagnação nos investimentos para a educação infantil, visto que o ensino fundamental é considerado prioridade;

6) Crianças de 6 anos – existe a tendência de matricular crianças de 6 anos na 1ª série para aumentar o número de matriculados no ensino fundamental, pretendendo, de tal maneira, aumentar a arrecadação do Fundef nos municípios. Há, no entanto, poucos estudos analisando essa prática pedagógica.

Haddad (2002) e Rosemberg (2002), ao debaterem o papel da educação infantil no país hoje, sinalizam que houve uma expectativa exagerada de que, ao se transferir a atenção da criança pequena do campo de assistência social para o da educação, todos os problemas seriam resolvidos. Isso não acontece de maneira “mágica”. Haddad (op. cit.) alerta que não se pode negar o histórico dessa atenção, como se tudo o que foi feito antes devesse ser “mandado às favas”. É necessário que a educação infantil se articule com outros setores, como o da saúde e o da assistência, para que possa, realmente, cuidar e educar a infância adequadamente. A educação sozinha não dá conta dessa tarefa.

Campos (1998) sugere que, para uma melhora da qualidade da educação infantil, é preciso estabelecer medidas para prevenir riscos ao desenvolvimento infantil, através de critérios mínimos para autorizar o funcionamento dessas instituições. Além disso, é necessário criar medidas que visem o ganho processual de qualidade, por meio da superação desses padrões mínimos. A autora salienta a importância da participação das famílias e o apoio da comunidade, para que se possa levar em consideração o que essas instituições entendem como um bom atendimento à infância.

Mas o que é qualidade em educação infantil? Moss (2002) define esse conceito como aquele que incorpora valores e crenças da modernidade. Isso é, por meio dele se acredita que há um padrão objetivo universal, que pode ser mensurado e avaliado por especialistas embasados em um conhecimento inquestionável. Por isso, é tão perigoso procuramos padrões de qualidade sem olhar para os atores que fazem a educação infantil. O autor sugere, então, o conceito de “criar significado”, o qual, em oposição

ao de qualidade:

(...) pressupõe que o significado do trabalho pedagógico, e seu valor, estão sempre sujeitos a diferentes interpretações. Existe sempre um julgamento de valor e o julgamento é sempre contestável. Criar significado, portanto é antes de tudo uma questão de construir e aprofundar o entendimento do trabalho pedagógico em uma instituição infantil – tornar significativo o que está acontecendo. (p. 24).

Desse modo, quando se pensa nas políticas públicas para a educação infantil, é importante levar em conta quais os significados que permeiam esse campo. No próximo tópico, discutirei o processo de municipalização da educação infantil no estado de São Paulo, que trouxe novos significados para essa área.