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2 A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

2.2 As reformas educacionais para a formação de professoras pós-LDB (1996)

A Lei 9394/96 estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conforme a determinação da Constituição de 1988. Desse modo, no título VI, “Dos profissionais da Educação”, apresentou as determinações para a formação docente no país. O artigo 62 trata da formação das professoras para a educação básica, e afirma que:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do Magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (art. 62 da LDB, 1996).

Nas disposições transitórias da mesma lei, no artigo 87, ficou estabelecido que “até o fim da Década da Educação [2007] somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”.

Esses artigos promoveram muitas discussões no meio científico, na sociedade civil e no campo político. Isso porque o artigo 62, além de estabelecer uma formação em nível superior, sendo admitido o Normal para as professoras da educação infantil e das primeiras séries do ensino fundamental, também criou um outro espaço para a formação até então inexistente no país, o Instituto Superior de Educação. Além disso, o artigo 87 falou em formação em serviço, mas não especificou como ela deveria ocorrer.

Como será discutido no tópico 2.3, O perfil das profissionais de creches e de

de creche, distancia-se da exigida pela lei.

A LDB (1996), no artigo 63, propôs a criação do curso Normal Superior. Ou seja, retirou do curso de Pedagogia as habilitações para o trabalho na educação infantil e fundamental e o limitou à formação de profissionais em administração, inspeção, supervisão e orientação educacional (artigo 64 da LDB, 1996).

Algumas autoras, como Scheibe e Aguiar (1999) e Kuenzer (1999) defendem que essa separação na formação da professora não deveria ocorrer, pois isso torna este profissional um técnico e não um cientista da educação.

Scheibe e Aguiar (op. cit.) argumentam que

A formação de professores através dos Institutos Superiores de Educação e do curso Normal Superior como curso fundamental destes Institutos estrutura-se num patamar de menor valorização. À intenção de melhor qualificação do professor, tornando-a competência do ensino superior, acoplou-se a possibilidade de redução desse nível de ensino não apenas no seu tempo de integralização, mas também nas qualificações para a sua realização. (p. 236).

Lüdke, Moreira e Cunha (1999) afirmam, ainda, que os institutos superiores de educação foram inspirados nos Instituts Universitaires pour la Formation des Maîtres (IUFMs) franceses, surgidos em 1989. Os IUFMs foram criados com o objetivo de aproximar a formação das professoras primárias e secundárias, devendo a universidade ter importante papel nessa formação. No entanto, a estruturação da proposta curricular desses institutos não parece conseguir superar essa separação. Os autores descrevem o funcionamento dos IUFMs da seguinte maneira:

A formação universitária inicial está assegurada, pois todos os candidatos devem ser portadores de diploma de curso superior, a

licence (três anos em qualquer disciplina, correspondendo mais ou

menos ao nosso bacharelado). Uma vez admitidos aos IUFMs, os candidatos ao ensino primário recebem, durante um ano, uma formação que cobre todas as disciplinas desse nível de ensino. Enquanto isso, o futuro professor do secundário irá se aprofundando na disciplina que

escolheu. Os dois grupos só têm em comum 10% da carga total, durante esse primeiro ano de formação. Ao final, todos se submetem a um concurso, para ingresso no Magistério, cujo teor é fundamentalmente baseado no conteúdo das matérias do primeiro ano. Os aprovados são considerados professores admitidos no quadro do Magistério, tendo direito a uma remuneração. Em seguida, inicia-se um período de um ano de preparação pedagógica, incluindo estágio nas escolas, com “responsabilidade de classe”, por cerca de oito semanas. (p. 286).

Como se percebe, a situação dos IUFMs comprova que a formação dos docentes primários e secundários ainda continua afastada. Além disso, esse modelo reforça a separação entre teoria e prática. Primeiro, se ensina a teoria e, depois, a prática.

Em meio aos questionamentos feitos à formação das professoras proposta pela LDB de 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto 3.276 em dezembro de 1999, determinando que a formação das professoras de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental deveria se dar exclusivamente em cursos Normais Superiores. Esse decreto gerou inúmeros protestos da sociedade civil, professoras, sindicatos e universidades públicas por ser inconstitucional. Assim, em agosto de 2000, o governo cedeu a pressão social e um novo decreto veio para corrigir o anterior, trocando a palavra “exclusivamente” por “preferencialmente”. Entretanto, o descontentamento popular continuou.

Em março de 2004, após várias reuniões promovidas pelo MEC e pareceres emitidos por especialistas, o Conselho Nacional de Educação apresentou uma proposta preliminar para os princípios gerais da formação de professoras da educação básica. Essa proposta sugeriu que a formação das professoras de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental acontecesse tanto no Normal Superior como no curso de Pedagogia, através da licenciatura plena. O curso de Pedagogia deveria formar,

além disso, bacharéis competentes para as funções de administração, inspeção, supervisão e orientação profissional.

Vários autores (Kuenzer, 1999; Scheibe e Aguiar, 1999; Lüdke, Moreira e Cunha 1999; Maués, 2003) acreditam que as políticas públicas para a formação de professoras no Brasil seguem à risca as determinações do Banco Mundial. Essas determinações são fundadas em uma política neoliberal e em uma economia globalizada, as quais promovem o aligeiramento, o tecnicismo e o barateamento da formação das professoras. Maués (op. cit.) aponta que esses aspectos têm constituído um novo receituário para essa formação: “a ‘universitarização’/profissionalização [formação tecnicista], a ênfase na formação prática/validação das experiências, a formação continuada, a educação a distância e a pedagogia das competências” (s.p.).

Kuenzer (1999) discute que essas políticas têm construído uma identidade da professora como “tarefeira”, pois, cada vez mais, ela vem perdendo o controle de suas práticas.

Kishimoto (2002) lembra, ainda, que os problemas da formação das professoras de educação infantil se acumulam já há muito tempo, devido a pouca clareza sobre o perfil da profissional que deveria atender a pequena infância no país.

É necessário levar em conta esse contexto histórico para que possamos pensar a formação dessas educadoras. No próximo tópico tratarei, portanto, do perfil das professoras que atuam hoje na educação infantil pública, com o objetivo de esclarecer como se encontra a formação dessas profissionais.