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5 PERSPECTIVAS SOBRE O PROJETO PEDAGOGIA CIDADÃ

5.4 As mídias interativas versus a presença de professores especialistas

As mídias interativas tiveram um papel fundamental no projeto Pedagogia Cidadã. O objetivo delas foi aproximar as professoras/alunas de especialistas nas disciplinas estudadas durante o curso. Essas mídias eram caracterizadas pelas teleconferências e videoconferências, já descritas no capítulo 3. No município pesquisado, as teleconferências fizeram parte do curso desde o início, mas as videoconfências passaram a acontecer somente a partir de janeiro de 2004, durante o módulo de Língua Portuguesa.

Alguns municípios, no entanto, não chegaram a receber as teleconferências e nem as videoconferências, como o Prof. Dr. Palma Filho relatou em sua entrevista:

(...) tem prefeitura que até hoje não cumpriu o convênio, até hoje não montou a sala para videoconferência, tem prefeitura que não está tendo tele (teleconferência), porque não providenciou os equipamentos (...). (Prof. Dr. Palma Filho).

Com isso, as professoras/alunas contavam exclusivamente com a professora/tutora para que suas dúvidas fossem esclarecidas. As professoras/tutoras nem sempre tinham formação em Pedagogia ou nas disciplinas que elas trabalhavam com as professoras/alunas. Por isso, antes do início das atividades de cada módulo, elas participavam de um seminário de capacitação, onde eram apresentadas as diretrizes gerais daquele caderno. No entanto, esses seminários, de modo algum, possibilitavam uma formação aprofundada dos conteúdos que a professora/tutora deveria trabalhar com a sua turma. Assim sendo, as teleconferências e videoconferências se constituíam em momentos valiosos para que as professoras/alunas pudessem esclarecer as suas dúvidas acerca da disciplina que estavam estudando. Apesar disso, foram raras as vezes em que elas fizeram perguntas aos professores conferencistas.

Quando questionadas sobre o motivo da pouca participação nas videoconferências e teleconferências, primeiramente, as professoras/alunas alegaram que isso era devido à má qualidade de som e imagem e ao despreparo dos professores palestrantes das videoconferências:

(...) tem várias videoconferências que a gente não consegue entender direito o que está sendo falado, todo mundo reclama

disso. Teve professores bons que fizeram conferências muito boas, que não foi só ler o texto ali em si, eles falaram de suas experiências de um modo bem claro, mas também teve professores que apenas leram o módulo, seria o que a gente faz em sala, então nada diferente(...). (Eduarda).

(...) Às vezes a gente não entende o que ele está falando, não está

gostando do jeito que ele está explicando, da organização da videoconferência. Porque às vezes você não entende o que está falando, mas está passando rápido e os outros estão entendendo. Quanto a mim, na maioria das vezes, eu estou bem desligada mesmo(...). (Ana).

Também, o coordenador do projeto Pedagogia Cidadã, o Prof. Dr. Palma Filho, reconheceu esse despreparo dos professores conferencistas:

Vídeo não é dar uma aula assim com lousa e giz, que você pode circular, que você pode fazer brincadeira, tocar no aluno. Você fica lá preso em uma cadeira, pode usar alguns recursos, que às vezes você esquece de usar. Tem equipamentos no estúdio. Você pode parar e falar: “Agora eu vou exibir um pedaço de um vídeo que eu trouxe, um CD que eu trouxe”. Você pode fazer isso, mas a gente esquece, geralmente o cara fica falando, falando... E 2 horas, a coisa se torna muito cansativa. Teve gente que reclamou que de primeiro não tinha vídeo e, que depois entraram as vídeos, disseram que estava atrapalhando, que era melhor ficar discutindo o Caderno. (Prof. Dr. Palma Filho).

No entanto, quando as professoras/alunas foram questionadas sobre o motivo de não participarem ativamente também das teleconferências, que apresentavam

qualidade de som e imagem e conferencistas mais experientes, elas justificaram através do desejo de ter contato com os professores especialistas dentro da sala de aula, e não apenas por meio das mídias interativas:

A vídeo, eu não vou falar que ela é tão ruim, mas o melhor, mesmo, seria o professor explicando dentro da sala de aula, para mim seria melhor. (Sônia).

(...) é bom ter um professor só, porque a gente se sente mais segura, se torna amiga, mas eu senti falta de professores específicos de cada área como a gente tem numa universidade normal, porque, às vezes, faz falta você ter um professor especializado naquilo (...). (Não bastaram os especialistas das videoconferências?) Não, eles teriam que estar dentro da sala de aula. Mesmo que nas videoconferências e teleconferências você tem a oportunidade de fazer perguntas, não é a mesma coisa de ter o professor em sala (...) Pela distância, você tem todo aquele equipamento de microfone, as pessoas se inibem para falar no microfone. Se esse professor estivesse em sala, você já cria aquele vínculo, durante o ano você vai ter aula com ele, e você se sente muito mais à vontade para fazer perguntas. Eu mesma não fiz nenhuma pergunta nas videoconferências e nem nas teleconferências justamente por isso, pela inibição do microfone, de sentar ali na frente da câmera e aparecer para todo mundo. Já tive muita vontade de fazer perguntas, mas não tive coragem.

(Eduarda).

Essa dificuldade relatada por Eduarda de expressar as suas dúvidas para os professores conferencistas, também foi sentida por Ana:

não está gostando, você não tem nem capacidade para formular pergunta.

(Mais alguma coisa que lhe impede de fazer perguntas?) Vergonha, a timidez. Ah, mas eu vou perguntar alguma coisa e a outra pessoa pode achar banal, vai achar essa pergunta boba. E, também, se o palestrante não vai achar isso: “Nossa, mas você não sabe isso?”. (Ana).

Com isso, por meio desses relatos, é possível perceber que a dificuldade das professoras/alunas para lidar com as mídias interativas se refere à fragilidade da relação que era estabelecida entre professor conferencista e professoras/alunas.

Para que haja uma boa relação entre professor e aluno é necessário que o professor conheça o contexto social, a história de vida e o conhecimento prévio do aluno sobre o conteúdo que se pretende ensinar (Bueno, 2002). Nas teleconferências e videoconferências, era impossível ao professor conferencista descobrir essa história prévia do conhecimento de todas as suas professoras/alunas, porque o tempo de contato era restrito (2 ou 3 horas apenas). Além disso, essas professoras/alunas eram de cidades diferentes, de realidades sociais diferentes, o que é impossível de se apreender nesse espaço e tempo virtuais tão restritos.

É importante destacar, ainda, que a presença de um professor na sala de aula nem sempre pode assegurar a aprendizagem do aluno. Aulas expositivas, com pouca interação entre professor e alunos, também, podem ser inadequadas para essas professoras/alunas.

Belloni (2002) considerou que a videoconferência, até recentemente, era encarada como tecnologia de ponta para o mercado das empresas. Entretanto, como

não fez o sucesso esperado, essa tecnologia foi desviada para o nicho da educação a distância, apresentando as vantagens de interação entre professores e alunos. Para a autora, do ponto de vista pedagógico, a videoconferência valoriza a aula expositiva centrada na figura do professor, acrescentando-lhe uma rigidez técnica que não melhora a motivação dos alunos.

O uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) para a formação de professoras ainda se configura um campo de contradições no Brasil. O discurso político justifica que as tecnologias vêm para diminuir as distâncias e garantir a formação de professoras que não têm acesso aos grandes centros de formação. Esse discurso parece inadequado quando falamos em formação de professoras no estado de São Paulo, um dos estados brasileiros mais privilegiados na existência de centros universitários. Em 2003, a região sudeste apresentava o número maior de professoras da educação infantil com formação em nível superior (ver quadro 3).

Pretto (2001) alerta que o uso inadequado das TICs como meras ferramentas auxiliares do processo educacional, de um processo “caduco”, seria um retrocesso na educação (p. 42). Ou seja, tecnologias de ponta não devem ser utilizadas de forma ultrapassada (autoritária). Para o autor essas tecnologias podem ser empregadas, na verdade, para justificar o descompromisso do poder público com a melhoria da educação no país.

Barreto (2001) denuncia a mudança de paradigma quanto ao uso das TICs nos países ricos e nos países “em desenvolvimento” defendido pelo Banco Mundial para a formação de professores:

(Nos países de primeiro mundo): a mudança da separação entre formação inicial e em serviço para um continuum caracterizado pela articulação de teoria, prática e pesquisa, abrangendo a formação

inicial, a inserção na profissão e o desenvolvimento profissional. Neste movimento, as tecnologias são inseridas como estratégias para aperfeiçoar o processo de formação como um todo.

Entretanto, ao tratar da formação de professores nos países “em desenvolvimento”, as tecnologias são imediatamente deslocadas para estratégias de educação a distância, em especial para os programas de certificação em larga escala. (...), são destacadas iniciativas do Brasil, Uganda e Vietnam, sugerindo homogeneização, nivelando por baixo, simplificação das questões, e apartheid educacional. (p. 21-22).

O projeto Pedagogia Cidadã não se configura como um curso a distancia, pois contou com monitores em todos os momentos em que as professoras/alunas tiveram contato com as TICs. O que parece problemático, no entanto, é a forma de utilização desses recursos. As videoconferências e as teleconferências visaram substituir a presença de um professor especializado na sala de aula. Segundo Belloni (2002, 2003), somente as professoras que já têm uma formação inicial sólida estão mais preparadas para se apropriar criticamente dessas tecnologias da educação, portanto, seu uso deveria ser desconsiderado na formação inicial.

Barbosa (2005) realizou uma análise documental do PEC, curso que apresenta uma metodologia de trabalho semelhante à do projeto Pedagogia Cidadã. A autora constatou que as professoras/alunas têm maior contato presencial com a tutora no PEC. De todos os profissionais envolvidos no projeto, ela era a de que menos se exigia formação acadêmica. No projeto Pedagogia Cidadã também se pôde constatar essa característica, visto que a formação exigida para a contratação das professoras/tutoras foi apenas a licenciatura plena.

Oliveira (2003) também pesquisou o PEC, e explica que ainda não é possível avaliar o impacto desse tipo de formação nas salas de aula e escolas públicas, pois isso depende dos contextos vivenciados por cada professora/aluna. No entanto, o tempo poderá mostrar mudanças nas formas de atuação dessas professoras, positivas ou não

para a educação no estado de São Paulo.

A partir do que foi exposto neste tópico, é possível constatar que a perspectiva das professoras/alunas da educação infantil do município pesquisado desqualifica o uso das mídias interativas, da forma como aconteceu nessa turma do Pedagogia Cidadã, para a formação de professoras e sugere que a presença de professores especialistas na sala de aula teria contribuído mais para a sua formação.

5.5 Contribuições do projeto Pedagogia Cidadã para a formação de professoras