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2 A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

2.6 Os cursos de formação de professoras

Formar professoras críticas tem sido um grande desafio para a contemporaneidade. No Brasil, a partir da LDB de 1996, iniciou-se um intenso movimento pela reorganização curricular dos cursos de formação. Freitas (1999) afirma que a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) tem lutado pela definição de uma política nacional para a formação de professoras. Os princípios orientadores para a organização curricular e institucional dos cursos de formação que a Anfope vem defendendo, foram, assim, sintetizados pela autora:

1. Sólida formação teórica e interdisciplinar, que permita à professora articular os fundamentos históricos, políticos e sociais com o domínio dos conteúdos a serem transmitidos;

docente, dando-se ênfase à pesquisa como meio de produção de conhecimento; 3. Gestão democrática, que permita aos alunos apreenderem o significado social

das relações de poder que perpassam o cotidiano escolar;

4. Garantir o compromisso social e político do profissional da educação, por meio da compreensão sócio-histórica da sociedade e da articulação desses profissionais com os movimentos sociais;

5. Estimular o trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e professoras, permitindo a apreensão dos elementos do trabalho pedagógico e as formas de construção de um projeto pedagógico-curricular responsável pelo coletivo escolar;

6. A formação inicial deve ser articulada à formação continuada, garantindo um diálogo permanente entre a formação inicial e o mundo do trabalho, sendo essa relação intermediada pelas universidades e/ou centros de formação de professoras (Freitas, 1999, p. 32-3).

Para que esses princípios possam ser efetivados, a Anfope defende que haja uma base comum nacional para o currículo dos cursos de formação. Segundo Freitas (2002):

Considerando-se a diversidade brasileira, ressalta-se a importância de respeitar a autonomia institucional para a elaboração de propostas curriculares dos Cursos de Formação de Profissionais da Educação, estabelecendo-se os seguintes padrões mínimos: 2.500 horas, em período de formação correspondente a um mínimo de três anos e meio para a integralização curricular. (p. 26).

Campos (1999) realizou um levantamento de alguns aspectos comuns à maioria dos cursos de formação de professoras no Brasil. O primeiro aspecto refere-se ao peso

que tem sido dado à formação teórica, em detrimento da prática. A autora discute que esse ponto está relacionado à influência do modelo espanhol de formação de professoras que temos. A Espanha é, de toda a Europa, o país que menos tempo dispensa à formação prática.

Uma segunda característica dos cursos de formação relaciona-se à importância dada aos conteúdos do ensino em relação ao conhecimento dos alunos e de como eles aprendem. Nesse aspecto observamos que a professora é entendida como a figura central no processo de ensino-aprendizagem, isto é, cabe à professora criar condições favoráveis para que os alunos aprendam os conteúdos, além de incentivá-los para que se tornem inquisitivos, criativos e críticos. No entanto, pouco tempo é dispensado nos cursos para que essa professora aprenda a conhecer e valorizar as características culturais, sociais, étnicas e de gênero dos seus alunos.

Um último aspecto considerado por Campos (1999) como negligenciado nos cursos de formação consiste no desenvolvimento profissional das professoras para trabalhar com os pais e a comunidade. A autora relata que a maioria das professoras entrevistadas em sua pesquisa se sentia despreparada para trabalhar com esses personagens da escola.

Como vimos anteriormente, a história da formação das profissionais da educação infantil têm se dado de forma diferenciada da das demais professoras. Por isso, é importante destacar aqui algumas peculiaridades nessa formação. Kishimoto (2002) identifica duas características dos cursos de formação de professoras para a educação infantil.

autora, esses conteúdos, muitas vezes, são os mesmos oferecidos às professoras das séries iniciais do ensino fundamental. Com esse tipo de curso, são gerados efeitos catastróficos nos currículos da educação infantil, pois a criança pequena aprende quando brinca em seu ambiente, de modo integrado, e não por disciplinas.

A segunda dificuldade apontada por Kishimoto (op. cit.) encontra-se no fato de que a maioria das professoras dos cursos de formação não tem considerado a realidade das creches e pré-escolas. Essas professoras, na maioria das vezes, defendem-se dizendo que ensinam a teoria e encarregam as alunas de relacionar o conhecimento teórico com a prática pedagógica. A autora, no entanto, discorda dessa posição, pois acredita que as teorias não são suficientes para explicar a complexidade do cotidiano escolar.

Mattioli (1997) revela um ponto de vista semelhante ao de Kishimoto (op. cit.), e defende que um bom curso de formação para o trabalho na educação infantil deve proporcionar à aluna supervisões que integrem teoria e prática, e que façam aflorar os sentimentos das professoras diante das situações que vivenciam.

Arroyo (1999) destaca, além disso, que há uma concepção subjacente nos cursos de formação de que só interessa aprender o que prepara para tarefas concretas do cotidiano escolar. O autor aponta que esta concepção deve ser trabalhada nos cursos de formação de maneira a explorar o que é constitutivo “do ofício de mestre, as velhas e renovadas funções educativas, o permanente em toda a ação cultural e educativa” (p. 153). Isso deve ser feito de forma a levar em conta os vínculos entre a educação, a formação e o desenvolvimento humano.

devem enfatizar experiências diversas, que estimulem a iniciativa e a autonomia intelectual das professoras em formação. Tais experiências devem ser pautadas na vivência de situações concretas e promover o pensamento reflexivo e a capacidade de trabalhar em equipe. Para isso, é importante articular a formação inicial e a continuada, pois como Mattioli (1997) constatou, a simples formação inicial não garante a gênese de um bom profissional: é necessário que haja uma formação continuada, que envolva as vivências dessa professora.

Neste contexto, Kramer (2002) assegura que a formação acontece em diferentes espaços e tempos, nos quais a teoria e a investigação se costuram aos saberes vivenciais.

Um primeiro momento em que a formação pode acontecer, segundo Kramer (op. cit.), constitui-se no ensino médio ou no superior, durante os quais a professora tem contato com os conhecimentos básicos relativos às disciplinas que irá ensinar (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, História, Geografia), e também com os conhecimentos relativos à infância (Saúde, Linguagem, Desenvolvimento Infantil).

Um outro tipo de formação, de acordo com a autora, vem da participação em movimentos sociais, em fóruns, associações e sindicatos, nos quais a professora tem acesso a uma orientação política com relação a seu trabalho.

A autora assinala que um terceiro tipo de formação é aquele que acontece na instituição escolar, em momentos reservados para leitura, estudos e trabalho coletivo, cujo objetivo é o de compreender a realidade mais ampla do cotidiano da escola.

Por último, Kramer (op. cit.) cita a formação cultural, adquirida pela professora através de experiências com a arte em geral (Música, Literatura, Cinema, Pintura).

Essa formação permite a ela compreender a sua prática para além da didática, humanizando, assim, o seu fazer. A autora enfatiza a importância de, nesses tempos e espaços de formação, recorrer-se aos mais velhos e às crianças, valorizando, dessa forma, as suas narrativas.

Nessa conjuntura, Cruz (1996) defende que os cursos de formação inicial de professoras devem oferecer espaços para atividades interativas, como oficinas e vivência cultural, pois esses tipos de atividades facilitam a reflexão sobre as práticas. A autora sugere, além disso, dois conjuntos de informações que seriam imprescindíveis à formação das professoras de educação infantil:

1. Informações relacionadas às crianças e suas famílias, que focalizem o desenvolvimento infantil e suas relações sócio-culturais, aproximando, assim, a educadora da realidade do aluno;

2. Informações a respeito de creches, pré-escolas e o trabalho a ser realizado com os infantes e suas famílias. A partir desse conjunto de informações, deve ser oferecido à professora o conhecimento histórico das instituições de atendimento à infância no Brasil, com o intuito de contextualizá-lo em relação as suas ações. Também devem ser oferecidos conteúdos que auxiliem na construção de uma bagagem cultural para trabalhar com tópicos de Linguagem, Matemática, Ciências, Artes e Atividades Físicas. As informações referentes à saúde da criança devem ser trabalhadas: temas como primeiros socorros, dentição, nutrição e hábitos saudáveis. Por último, a professora precisa conhecer a legislação a respeito da criança e do funcionamento de creches e pré-escolas.

Wajskop (2003), também nos auxilia na compreensão sobre a formação da boa professora para a educação infantil, quando afirma que esta deve ser pautada nas “Diretrizes Nacionais para a Formação Docente”, as quais indicam que a docente precisa ser capaz de:

1 trabalhar com turmas de educação infantil, a partir da compreensão da primeira infância como uma fase de aprendizagem do autocuidado, de entendimento do valor das linguagens e de progressiva aproximação com as práticas do grupo de referência sociocultural;

2 promover cuidados e educação a crianças de 0 a 3 anos, a partir da compreensão de que, nessa faixa etária, as crianças são mais dependentes, suas aprendizagens estão centradas nas relações corporais, afetivas e emocionais e baseadas no faz-de-conta; 3 construir um vínculo positivo com crianças de 0 a 3 anos, a partir

da compreensão do papel da imitação, da interação e da brincadeira como linguagem constitutiva da infância, e dos cuidados essenciais com a higiene e a saúde;

4 organizar situações de aprendizagem adequadas a crianças de 4 a 6 anos, a partir da compreensão de que elas estão vivendo um processo de ampliação de experiências com relação à construção das linguagens e dos objetos de conhecimento, considerando o desenvolvimento em seus aspectos afetivo, físico, psicossocial, cognitivo e lingüístico;

5 planejar pedagogicamente a educação infantil, elegendo conteúdos a ensinar e suas didáticas, gerenciando o espaço escolar, levando em conta o desenvolvimento e a aprendizagem específicos nas faixas etárias mencionadas;

6 trabalhar com crianças portadoras de necessidades especiais na perspectiva da inclusão. (p. 15).

As professoras/alunas do projeto Pedagogia Cidadã desta pesquisa trouxeram, em suas entrevistas, experiências anteriores de formação em educação. Assim, para ilustrar melhor as discussões realizadas neste capítulo apresentarei alguns trechos de suas entrevistas:

Eu achei que a formação do Magistério é muito... Na prática é diferente. A gente fazia estágio, mas o teórico era diferente da prática. O primeiro dia que eu entrei na sala de aula eu percebi que era totalmente diferente do que eu estudei,

totalmente diferente, a matéria era diferente... A única coisa que eu aprendi no Magistério foi preparar a aula, planejar a aula. Foi a única coisa que me ajudou na sala de aula. A minha formação no Magistério foi fraca, muito fraca, porque no tempo em que eu fiz Magistério já estava para acabar na escola de ensino médio. Magistério agora só tem na faculdade. (Ana,

professora de pré-escola).

Quando eu vim estudar no (escola de 2º. grau do município pesquisado), era uma escola muito famosa, quem estudava ali era só as melhores pessoas, era os filhos de rico. Os professores eram muito rígidos e como de fato eram demais, então o que eles fizeram: esperaram eu chegar no 3º Magistério e aí queriam que eu desistisse de Magistério. Inclusive me pediram, queriam que eu desistisse do Magistério, porque eu não falava bonito. Muitas das coisas que eu falava... A maneira como eu falava, eu escrevia e, ao invés de eles me ajudarem, começaram a meter o pau. Aí eu fiquei muito nervosa com a conversa que eles fizeram, porque, dentro de mim, desde os sete anos de idade, eu pensava em ser professora ou uma médica pediatra. Aí coincidiu nesse dia que foi uma professora lá na escola, ela estava substituindo, foi lá no corredor da minha classe e ela me viu quieta. Ela me perguntou o que eu tinha e eu expliquei e ela disse: “Comigo teve o mesmo problema, quando eu estudei aqui. Saia dessa escola e vá estudar numa escola particular lá em (cidade maior da região do município)”. Foi o que eu fiz. Entrei na escola particular e passei tranqüila, não tive problema nenhum e recebi o meu diploma. Fiz Magistério, também, na escola particular. (Sônia, professora de

creche).

era exigido Pedagogia, era Magistério que se fazia. Terminei, fiz 4 anos. Assim que terminei fiz 1 ano de cursinho, porque eu queria prestar Unesp, Letras. Prestei o vestibular de Letras, passei e fiz a faculdade durante 4 anos. (Eduarda, professora de

pré-escola).

Três anos após eu já estar na prefeitura, o prefeito começou a montar um curso de capacitação para a gente. As professoras vinham de São Paulo e davam algumas orientações, sugestões para o trabalho. Para mim, que não tinha nenhuma teoria, aquilo era muito vago, eu ficava lá, perdida. (Maria,

professora de creche).

Neste capítulo, expus como o histórico da formação de professoras acompanhou a construção da educação brasileira, que foi modificada de acordo com os momentos sociais, culturais e históricos que a nossa sociedade vivenciou. Expliquei como as mudanças propostas pela LDB de 1996 influenciaram a formação das professoras. Além disso, descrevi as condições de formação das educadoras que atuam na educação infantil pública brasileira. Após esse levantamento, analisei o perfil desejado para essa professora legalmente e apresentei algumas propostas para os cursos de formação de professoras de educação infantil de renomadas autoras da área. Por último, ilustrei os debates levantados neste capítulo com as falas de algumas professoras participantes desta pesquisa.

A produção de conhecimentos sobre a formação das professoras de educação infantil tem sido muito intensa nos últimos anos e, por isso, também se encontra em construção, da mesma forma que a educação infantil.

do projeto Pedagogia Cidadã, o qual é o objeto principal das falas das professoras entrevistadas nesta pesquisa. No contexto da formação de professoras, esse é um curso bastante recente e que vem sendo muito discutido, especialmente no campo acadêmico.

3. O VERSO E O REVERSO DO PROJETO PEDAGOGIA CIDADÃ NO