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Alguns apontamentos sobre o princípio da legalidade

1.5 O papel da Constituição Federal

1.5.2 Alguns apontamentos sobre o princípio da legalidade

Antes de adentrarmos no art. 146 da Constituição Federal, faremos alguns apontamentos sobre o princípio da legalidade, de suprema importância para nossos estudos, na medida em que a Fazenda, ao propugnar pela responsabilidade tributária de empresas que constituem grupo econômico, não o faz amparada neste princípio, já que inexiste lei que fundamente a validade de suas pretensões.

Dissemos que os princípios norteiam a interpretação do Direito Tributário, contudo, unicamente sob a perspectiva axiológica, não é possível a criação de tributos. Do princípio da solidariedade social não se extrai a sujeição passiva sem lei. Precisas as lições de Humberto Ávila50:

O decisivo é que a Constituição Brasileira não permitiu a tributação pelo estabelecimento de princípios, o que deixaria parcialmente aberto o caminho para a tributação de todos e quaisquer fatos condizentes com a promoção dos ideais constitucionais traçados. Em vez disso, a Constituição optou pela atribuição de poder por meio e regras especificadoras, já no plano constitucional dos fatos que podem ser objeto de tributação. Essa opção de atribuição de poder por meio de regras implica a proibição de livre ponderação do legislador a respeito dos fatos que ele gostaria de tributar, mas que a Constituição deixou de prever. Ampliar a competência

tributária com base em princípios da dignidade humana ou da solidariedade social é contrariar a dimensão normativa escolhida pela Constituição.

O princípio da legalidade é um valor constitucional que conforma nosso Estado Democrático de Direito. Pensar dessa maneira não implica sobrepor a forma ao conteúdo, mas apenas reconhecer que os conteúdos das normas jurídicas preenchidas pelos demais valores presentes no sistema, podem ser exigidos desde que exista lei para tanto, e por todos devem ser respeitados, inclusive pelo Estado.

Segundo Carrazza51, o princípio da legalidade implica que a pretensão estatal se

exerce por um interesse público e "nasce de uma relação jurídica, cuja fonte exclusiva é a lei". É pela via da legalidade que a Democracia é garantida no campo tributário.

Ajustando mais o foco, é necessária lei que identifique a hipótese de incidência, com seu tempo e local, os sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota para que um tributo seja validamente instituído por um ente tributante. Além disso, todas as obrigações acessórias dependem de lei, assim como a previsão de multas em caso de descumprimento da obrigação principal. Dito de outro modo, o princípio da legalidade se espalha por todo o ordenamento tributário, e nenhum ato é devido sem a existência de lei que, por sua vez, toma como fundamento último de validade a Constituição Federal.

Em sua obra imprescindível52, Carrazza destaca que

50 Sistema Constitucional Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 159-160, grifos nossos. 51 Curso de Direito Constitucional Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 247.

[…] o princípio da legalidade, no direito tributário, não exige, apenas, que a atuação do Fisco rime com uma lei material (simples preeminência da lei). Mais do que isto, determina que cada ato concreto do Fisco, que importe exigência de um tributo, seja rigorosamente autorizado por uma lei. É o que convencionou chamar de 'reserva absoluta de lei formal' (Alberto Xavier) ou de estrita legalidade (Geraldo Ataliba).

Diante do que estudamos sobre a legalidade, não é possível admitir que veículos infralegais sejam tratados como lei. Decretos e instruções normativas poderão regular com mais detalhes as obrigações tributárias, sempre introduzidas por lei.

No que tange a nosso tema, a Receita Federal do Brasil dispôs a Instrução normativa 971/2009, que, em seu art. 494, introduz definição de grupo econômico para fins de cobrança das contribuições sociais:

"Art. 494. Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica."

Esse veículo não pode ser utilizado como fundamento legal de decisões que reconheçam a existência de grupos econômicos, posto tratar-se de um ato infralegal, uma Instrução Normativa provinda do Poder Executivo, e não de uma lei em sentido formal. Há a vedação desse tratamento na Constituição Federal (art. 150, I) e no art. 99 do Código Tributário Nacional.

Apesar de considerado uma proteção do contribuinte contra a força que possui o Estado, na medida em que este também deve se submeter à lei, há correntes doutrinárias que criticam o modelo legalista, que supostamente deveria dar passagem a um modelo social.

Marco Aurélio Greco53, em artigo denominado "Crise do Formalismo no Direito

Tributário Brasileiro", tece críticas ao modelo tributário que coloca em preeminência a legalidade, afirmando ser a solidariedade social o fundamento último da tributação, na atual Carta Magna.

Para explicar sua posição, o jurista afirma que o Direito Tributário no Brasil, em sua gênese, foi fortemente influenciado por vertente administrativista alemã, defensora da supremacia do interesse público ao do particular. Essa teoria teria sofrido contraposição de constitucionalistas, com raízes em vertente norte-americana, que colocavam em relevo

53 Revista da PGFN, ano 1, n. 1, p. 9-18, 2011. Disponível em: <http://www.pgfn.fazenda.gov.br/ revista- pgfn/revista-pgfn/ano-i-numero-i/greco.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2015.

grandes princípios constitucionais. Desse contexto, haveria surgido concepção de Direito Tributário que resumia seu objeto a um conjunto de normas protetivas do patrimônio individual.

A partir da década de 70, o tratamento teórico tributário haveria ganhado importante avanço com a obra de Geraldo Ataliba54, que desenvolvera novo instrumental

para análise do Direito Tributário, centrado na hipótese de incidência. No entanto, ficariam para segundo plano debates de caráter substancial, devido ao contexto político da época.

Esse modelo, segundo Greco, apesar de utilidade inegável, estaria superado. Em suas palavras:

A utilidade deste modelo é inegável, pois permite sistematizar o debate, da perspectiva formal e da hierarquia das normas; a meu ver, o modelo mais viável no contexto político então vigente [ditadura militar]. Mas trata-se de modelo insuficiente, pois a realidade jurídica e o fenômeno tributário não se esgotam nestes aspectos. Fato e valor também compõem a experiência jurídica. […] A Constituição de 1988 assumiu o perfil de uma Constituição da Sociedade Civil, diversamente da Carta de 1967, que possuía o feitio de uma Constituição de Estado-aparato. Esta mudança se espraia por todo o seu texto a começar pelo artigo 1º, que afirma categoricamente ser o Brasil um Estado Democrático de Direito e não apenas um Estado de Direito, e seu art. 3º, I coloca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República. Isto implica colocar a variável social ao lado do plano individual e abre espaço para se reconhecer a solidariedade social como fundamento último da tributação.

Discordamos da visão do autor. A legalidade, conjugada com demais princípios constitucionais, exerce importante função de limitar o poder de tributar do Estado. Isso não significa formalismo, mas uma contenção a eventuais ações oportunistas do Estado, que, na experiência brasileira, sempre demandou pelo aumento da carga tributária. Discursar em nome do princípio da solidariedade parece muito vago. Bastasse seguir as leis tributárias, financeiras, penais, enfim o ordenamento jurídico, para garantir as políticas sociais.

O princípio da solidariedade deve ser realizado pelo veículo da legalidade, não sendo admissível que se tribute sem lei, como é o caso da nova forma de responsabilização tributária defendida pela Fazenda e analisada neste trabalho.

1.5.3 Normas gerais em matéria tributária (art. 146 da Constituição Federal)