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O artigo 124, I, do Código Tributário Nacional

4.4 Os efeitos da responsabilidade tributária no Código Tributário Nacional:

4.4.2 O artigo 124, I, do Código Tributário Nacional

Misabel Abreu Derzi148, ao comentar o dispositivo (art. 124, I), tece argumentos

no sentido de que a solidariedade nele prevista não se trata de responsabilidade de terceiros, mas de grau de responsabilidade de coobrigados. Em suas palavras:

A solidariedade não é forma de inclusão de eleição de responsável tributário. A solidariedade não é espécie de sujeição passiva por

147 Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 314.

148 Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. Atualização da obra de Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1125.

responsabilidade indireta, como querem alguns. O Código Tributário Nacional, corretamente, disciplina a matéria em seção própria, estranha ao Capítulo V, referente à responsabilidade. É que solidariedade é simples forma de garantia, a mais ampla das fidejussórias. Quando houver mais de um obrigado no pólo passivo da obrigação tributária (mais de um contribuinte, ou contribuinte e responsável, ou apenas pluralidade de responsáveis) o legislador terá de definir as relações entre os coobrigados. Se são eles solidariamente obrigados, ou subsidiariamente, com beneficio de ordem ou não etc. A solidariedade não é, assim, forma de inclusão de um terceiro no pólo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o pólo passivo.

Provada a existência de grupo econômico, haverá a solidariedade entre as empresas que o compõem, desde que exista o interesse comum na realização da hipótese de incidência. Não são terceiros, se tomada a realização do fato imponível como referência. Nesse sentido, decisão emblemática do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.

1. A solidariedade passiva ocorre quando, numa relação jurídico-tributária composta de duas ou mais pessoas caracterizadas como contribuintes, cada uma delas está obrigada pelo pagamento integral da dívida. Ad exemplum, no caso de duas ou mais pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do IPTU, uma vez que a situação de fato - a co-propriedade - é-lhes comum.

2. A Lei Complementar 116/03, definindo o sujeito passivo da regra-matriz de incidência tributária do ISS, assim dispõe: "Art. 5º. Contribuinte é o prestador do serviço." Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do CTN, verbis: "Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei."

3. Conquanto a expressão "interesse comum" - encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal. Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação.

[...]

10. "Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no

resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico." (REsp 834044/RS, Rel.

Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008).

11. In casu, verifica-se que o Banco Safra S/A não integra o pólo passivo da execução, tão-somente pela presunção de solidariedade decorrente do fato de pertencer ao mesmo grupo econômico da empresa Safra Leasing S/A Arrendamento Mercantil. Há que se considerar, necessariamente, que são pessoas jurídicas distintas e que referido banco não ostenta a condição de contribuinte, uma vez que a prestação de serviço decorrente de operações de leasing deu-se entre o tomador e a empresa arrendadora. [...]

(REsp 884.845/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/02/2009, DJe 18/02/2009)

Unicamente pela existência de centro único de comando, não é possível presumir a coobrigação. Como vimos no trecho da Ementa, o simples fato de o Banco pertencer ao mesmo grupo econômico de empresa arrendadora não o torna responsável pelo ISS devido, por não haver a prática conjunta do fato imponível.

O vínculo capaz de fundamentar o interesse comum, nos moldes do art. 124, I, do CTN, deve ocorrer em relação ao mesmo fato imponível, não se estabelecendo a solidariedade pela circunstância de as mesmas pessoas figurarem como sócias em empresas distintas.149

Interessante a lição de Caldeira Miretti150, na qual reflete sobre o significado de

"interesse comum", capaz de gerar a coobrigação151:

Cabe ressaltar que a disposição genérica, 'interesse comum', adotada pelo legislador do CTN, não é, suficientemente, adequada para revelar com precisão e segurança a exata medida da condição em que figuram os partícipes da concretização do fato gerador, já que existem hipóteses nas quais pessoas com interesse comum estão presentes e contribuem para a ocorrência do fato jurídico tributário, mas apenas uma delas é o sujeito passivo da obrigação tributária.

Exemplo dessa situação ocorre na prestação de serviços em que haja a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, sendo o prestador e o tomador dos serviços partícipes do correspondente fato

149 Nesse mesmo sentido é a recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), de 04/02/2015, Acórdão nº 1101.001.239, 1ª Câmara, 1ª Turma Ordinária. "RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PESSOAS JURÍDICAS. GRUPO ECONÔMICO. A caracterização da solidariedade por interesse comum na situação que constitui o fato gerador exige a demonstração de que os sujeitos passivos praticaram conjuntamente o fato jurídico tributário ou desfrutaram de seus resultados, em razão de confusão patrimonial, eventos que a autoridade fiscal não demonstrou, de modo a não permitir a aplicação do art. 124, inc. I, do CTN."

150 Luiz Antônio Caldeira Miretti. Comentários ao Código Tributário Nacional. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. v. 2, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 211. 151 Ibid., p. 461.

gerador, com evidente interesse comum na realização e obtenção dos serviços, respectivamente, e assim mesmo o sujeito passivo está somente na pessoa do prestador de serviços. Portanto, há interesse comum na situação que constitui o fato gerador, mas não há solidariedade passiva, visto que não existe mais de um sujeito passivo na relação tributária. Nesse fio de raciocínio, sociedade empresária de responsabilidade limitada "A" fabrica e vende determinada mercadoria. Outra pessoa jurídica denominada "B" lhe presta serviços de representação comercial, sem exclusividade, atendendo a outros clientes no mercado. A simples circunstância de possuírem sócio comum com poderes de gerir seus negócios não altera o fato gerador praticado por "A" (circular mercadoria) e por "B" (prestar serviços de representação comercial), tampouco modifica a sujeição passiva, já que o interesse a ser avaliado, ao menos em um primeiro momento, seria o das pessoas jurídicas que se estruturam, no exemplo dado, como dois vetores em direções opostas, ainda que haja proveito de ambos na realização dos serviços. Os interesses do prestador e do tomador de serviços são antagônicos.

Renato Lopes Becho152se utiliza de excelente exemplo didático para explicar a

relação entre interesse comum e grupo econômico, que, em tese, nem sempre ocorre, não podendo ser critério generalizante, estabelecido a priori, para a caracterização da responsabilidade solidária. Nas palavras do jurista:

Na busca didática por exemplos que possam aclarar nosso pensamento, lembramo-nos de algumas grandes concentrações de empresas em ramos industriais, como de cervejas e chocolates, autorizadas pelo Cade posto que partícipes do mercado global, que permanecem como pessoas jurídicas distintas dentro do território nacional, ainda que componentes do mesmo grupo econômico. Assim, tratando do assunto em tese, temos dúvidas se dois produtores que localmente concorrem entre si, ainda que partícipes do mesmo grupo econômico, possuam o 'interesse comum' indicado pelo legislador complementar.

A responsabilidade solidária das empresas pertencentes a grupo econômico fundamentada em "interesse comum" depende da análise de provas que, nas situações concretas, demonstrem que as sociedades componentes do conglomerado tenham colaborado para a prática do mesmo fato imponível. Portanto, será necessária a produção de

152 A responsabilização tributária de grupo econômico. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 221, fev. 2014, p. 137.

provas em processo administrativo ou judicial, em tempo hábil a evitar a decadência ou a prescrição, para que se configure a solidariedade entre as empresas.