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Princípios UNIDROIT – Instituto Internacional para Unificação do

10. OS USOS E COSTUMES COMO REGRA DE JULGAMENTO NAS

10.3 Os usos e costumes e o julgamento por equidade Diferenciação

10.5.5 Princípios UNIDROIT – Instituto Internacional para Unificação do

Como já se registrou, os elementos que compõem a lex mercatoria são os princípios gerais de direito, os usos e costumes, inclusive contratuais, e a jurisprudência arbitral internacional.

A comentar o assunto, Luiz Olavo Baptista atesta que “os princípios gerais do direito são uma fonte do direito internacional público em decorrência da regra do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça”, explicando mais à frente que esse artigo

...faz referência aos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, o que engloba não só os princípios próprios da ordem jurídica de cada Estado, mas também aqueles reconhecidos na ordem jurídica internacional: a boa-fé, o abuso de direito, o enriquecimento sem causa, a igualdade entre as partes numa instância, a autoridade da coisa julgada e outros; inclui também os princípios que, por vezes, se confundem com regras costumeiras, tais como a responsabilidade e a legalidade dos Estados.325

Ainda nas palavras do autor,

a busca da anacionalidade, de um lado, leva à aproximação com a noção de equidade e, de outro, à utilização dos princípios gerais de direito comuns a todos os povos (numa expressão encontrada em célebre decisão arbitral) ou aos princípios gerais do direito internacional a que se refere o artigo 38 do Estatuto da CIJ.326

Assim é que os princípios gerais de direito não apenas integram o conceito de lex mercatoria como são comumente utilizados como fundamento de decisão nas arbitragens comerciais internacionais.

Por vezes aprecem de maneira codificada327 setorialmente, como resposta às

necessidades de “agrupamentos de interesse econômicos”328 específicos.

Não se ignora a discussão em torno da conveniência de se compilar certas regras (entre as quais os princípios gerais de um direito setorialmente considerado), sob pena de se “engessar” o procedimento.329 Contudo, o enraizamento desses conceitos,

conseguido também por meio de compilações, além de caminhar para uma maior previsibilidade330 de resultados, colabora para cristalizar o que ainda é tido como “uma

noção imprecisa”331no campo do direito do comércio internacional.

Forte como exemplo dessas “codificações privadas de princípios gerais em matéria de contratos”332 são os princípios da UNIDROIT aplicáveis aos contratos

internacionais.333

326 Ibid., p 77.

327 Cf. Baptista, “Os modelos jurídicos aparecem, sobretudo, na criação dos contratos e os usos e costumes codificaram-se, na maior parte das vezes, setorialmente” (Ibid., p. 76).

328 Ibid., p. 75.

329 Alertando sobre as consequências da autorização para que o árbitro julgue conforme os princípios gerais, Carmona equipara tal situação ao julgamento por equidade: “Em substância, a liberdade que as partes concedem ao arbitro ao submeter o julgamento aos princípios gerais de direito não difere dos poderes conferidos a tais julgadores com a cláusula de equidade, sendo importante lembrar que os princípios gerais de direito não estão necessariamente ancorados a um ordenamento nacional, de tal sorte que o árbitro, diante do caso concreto, pode desprezar a norma que seria originariamente aplicável por estar ela em desacordo com princípios ligados, por exemplo, à boa-fé que deve reger os contratos internacionais, ou à justa causa que deve estar à base dos negócios jurídicos” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96, 2009, op. cit., p. 72).

330 Previsibilidade esta perseguida por meio da uniformização, unificação e harmonização do direito através do movimento de codificação das leis que se alastrou pela Europa Ocidental a partir do sec. XVIII e início do séc. XIX, sendo expoentes o Código Civil da Prússia (1917) e o Código de Napoleão (1808). 331 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial internacional, 2011, op. cit., p. 70.

332 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96, 2009, op. cit., p. 74.

333 Pode-se citar outros, como os Princípios da Lei Contratual Europeia da Comissão sobre a Lei Contratual Europeia; a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais; Convenção

A UNIDROIT é uma organização internacional intergovernamental, com sede em Roma, na Itália, e tem traçado como objetivo o estudo das vias e métodos para a modernização, harmonização e coordenação do direito privado, principalmente quanto ao direito comercial entre os diferentes Estados.334

Sua criação data de 1926 como órgão auxiliar da Sociedade das Nações (SDN) – entidade que precedeu a organização das Nações Unidas (ONU). Ainda nessas condições, continuou suas atividades até a dissolução de fato da Liga das Nações, durante o início da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1939.

Em 1940, o Instituto foi reformulado tendo como base um acordo internacional multilateral – o Estatuto Orgânico do UNIDROIT – que vinculava, até meados de 2002, 63 Países – membros espalhados pelos 5 continentes e que representam uma variedade de sistemas jurídicos, econômicos e políticos, assim como conhecimento cultural diferente.335

Na consecução de seus objetivos sociais, a UNIDROIT elaborou um variado rol de instrumentos internacionais de direito uniforme, alguns dos quais serviram de base para outras convenções internacionais.

Dentre tais instrumentos, destacam-se os princípios336 – dirigidos diretamente às

partes, árbitros e demais agentes envolvidos na arbitragem – merecendo destaque o Princípio da Liberdade Contratual; Princípio do Consensualismo (da Liberdade de Forma e de Prova) – Artigo 1.2; Princípio da Força Obrigatória do Contrato; Princípio da Primazia das Regras Imperativas; Princípio da Natureza Dispositiva dos Princípios; Princípios da Internacionalidade e Uniformidade (Interpretação e Integração dos Princípios); Princípio da Boa-fé Negocial; Vedação do Venire Contra Factum Proprium; Princípio da Primazia dos Usos e Práticas e o Princípio da Recepção.

Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais; Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs I a VI).

334 MARQUES, Frederico Do Valle Magalhães. “O Princípio contratual da boa-fé. O direito brasileiro e os princípios do UNIDROIT relativos aos contratos comerciais internacionais”. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. Editora Padma, ano 7, v. 25, jan./mar. 2006, p. 70.

335 Disponível em: <http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-civil-comercial/unidroit.html>. Acesso em: 6 dez. 2015.

336 Apesar de não haver um consenso quanto à sua natureza jurídica, Lauro Gama Jr. assenta que soft law seria a expressão que melhor exprime sua natureza. Sobre tais normas flexíveis, vide ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft law e produção de provas na arbitragem internacional, 2014, op. cit.

Relevante notar que a primazia dos usos e práticas, estabelecida no artigo 1.9 daquele estatuto, bem exprime e reafirma a força vinculante dos usos consentidos e práticas adotadas pelas partes no cenário do comércio internacional.

Fica claro, também no âmbito da UNIDROIT, que os usos e costumes são fonte de direito importantíssimos para o deslinde de arbitragens comerciais internacionais, especialmente se considerada a possibilidade de as partes expressamente optarem pela aplicação de princípios gerais ou mesmo da lex mercatoria aos seus casos concretos.

Segundo o preâmbulo dos Princípios do UNIDROIT, existem cinco possibilidades para sua aplicação: 1º) quando as partes tiverem concordado que seu contrato se sujeite aos princípios gerais do direito, à lex mercatoria e outra fórmula semelhante; 2º) quando as partes não tiverem escolhido o direito aplicável a seu contrato; 3º) quando for necessário interpretar ou complementar instrumentos internacionais de direito uniforme; 4º) quando houver necessidade para interpretar ou complementar o direito nacional e 5º) quando precisar servir como modelo aos legisladores nacionais e internacionais.

Diversas são as situações, portanto, que podem atrair a incidência dos princípios da UNIDROIT, podendo funcionar como verdadeiro vetor no âmbito da interpretação dos contratos comerciais internacionais.

Tais princípios, como visto, prestigiam não apenas a utilização da lex mercatoria como cita, individualmente, o emprego dos usos e práticas na solução e interpretação de contratos dessa natureza.