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ALIMENTAÇÃO

No documento renatacorreavargas (páginas 170-175)

6 EDUCAÇÃO FÍSICA

6.3 ALIMENTAÇÃO

O Estado deve dar, além do alphabeto, o pão. É inútil nutrir o cérebro, se o estomago está vasio. (...)

Mas o mal não vem sómente do Estado, e sim também dos pais, cuja preoccupação é que os filhos estudem muito, pouco se importando com as ‘pernas de palitos’ phosphoricos dos filhos, comtanto que possam dizer aos amigos: ‘Está magrinho, mas é o 1º da classe’. (O PHAROL, 4 de dezembro de 1908, p. 1).

A alimentação dos escolares – ou a má alimentação, conforme a denuncia do professor Ferri, autor da citação – também foi uma preocupação da educação física das crianças na escola. Temas como as consequências de uma má nutrição, a quantidade de alimentos que os alunos deviam comer, a necessidade de cantinas escolares e a forma como os escolares deviam se portar com os alimentos foram alguns dos assuntos que permearam os discursos médicos.

A atenção a este tema foi justificada pelo professor Eurico Ferri. Segundo o que indicava o artigo no jornal, Ferri havia se baseado em manuais de higiene escritos por outro italiano, o médico Paolo Mategazza. Foi novamente a saúde o argumento utilizado, sendo a boa alimentação associada como a redução de idas ao médico: “O orador se estende ainda sobre a questão de hygiene e alimentação, mostrando que o simples regimen hygienico bem applicado diminue consideravelmente as necessidades medicas na família.” (O PHAROL, 4 de dezembro de 1908, p. 1).

Dr. Eduardo de Menezes concordava com esta relação e ainda acrescentava que a falta de uma boa alimentação ocasionava enfraquecimento do corpo e da inteligência e que, como consequência, deixava a criança propensa à tuberculose. Segundo ele, “O retardamento da alimentação e o trabalho intellectual, tanto mais penoso nas crianças quanto a sua intelligencia está em evolução, importam no enfraquecimento do corpo e da mesma inteligência” (O PHAROL, 16 de março de 1907, p. 1). Este enfraquecimento devia ser considerado na

educação dos alunos, visto que se tornava um quadro favorável ao aparecimento da tão temida tuberculose:

Todavia, o que não se deve perder de vista na educação das crianças é a fragilidade physiologica do seu organismo, é que a sua intelligencia em evolução tem as raízes no corpinho débil e que na nutrição está a chave de sua futura energia, e é também que a sua morbidez é maior do que a das outras edades, que a tuberculose em especial é mais uma moléstia da infância do que das outras edades, que a inanição predispõe á tuberculose, que a tuberculose da infância por ser em geral fechada é traiçoeiramente disseminadora; em summa, que as crianças são mais do que parece em grande numero tuberculosas. (O PHAROL, 16 de março de 1907, p. 1, grifo nosso).

Era na boa alimentação das crianças que se encontrava o remédio para a reparação da energia do corpo e, consequente, saúde. Encontramos ideias semelhantes no texto do Dr. Paul Degrave publicado em O Pharol. Comparando o corpo a uma máquina, o referido autor esclarecia, de uma forma simbólica, o que os alimentos representavam para o organismo:

Toda a machina em movimento gasta os seus orgams e consome carvão. Do mesmo modo o exercício da vida acarreta perdas continuas que devemos reparar. Estes meios de reparação, nós os achamos nos alimentos. (O PHAROL, 1 de abril de 1908, p.1).

A fim de se saber a quantidade de alimento necessária para reparar a máquina humana, Dr. Degrave relatava que havia cálculos científicos capazes de obter tal resultado:

Alguns hygienistas formularam rações alimentares. São cálculos theoricos. As perdas de economia variam, com effeito, segundo muitas circumstancias, segundo o estado de repouso, de fadiga, segundo a edade e o sexo, segundo as profissões, segundo os climas e as estações, a quantidade de alimentos encarregados de reparar estas perdas devem, pois, variar também com todas estas circumstancias. (O PHAROL, 1 de abril de 1908, p.1).

A proposta de graduar a quantidade de alimentos a depender das características do indivíduo também é notada nos escritos do professor Ferri e do Dr. Eduardo de Menezes. O primeiro autor, assim a descreve: “Desde os exercícios até á alimentação, tudo precisa ser graduado sabiamente de accordo com o temperamento individual, com as tendências que começam a desabrochar, com as individualidades que principiam a formar-se” (O PHAROL, 4 de dezembro de 1908, p. 1). Dr. Menezes sugere que, como a atividade nutritiva das crianças é maior do que nos adultos, “nellas a receita orgânica representada pela alimentação carece ser muito maior do que a despeza orgânica representada pelo trabalho physico e intelectual.” (O PHAROL, 16 de março de 1907, p. 1).

De acordo com Gondra (2004), as prescrições médicas relacionadas à alimentação, comumente conhecidas como Ingesta, reconheciam a necessidade de alteração na quantidade de alimentos a depender de certas variáveis e que os médicos brasileiros e estrangeiros foram sensíveis a esta necessidade.

Sensibilidade esta que levou Dr. Degrave a indicar uma quantidade numericamente maior de refeições para as crianças:

O uso, consagrado pela hygiene, estabeleceu a regra de tomar três refeições por dia. As crianças e os debilitados tomam uma quarta, a merenda. A hora dessas refeições deve ser regular, sempre a mesma. Devemos comer lentamente a fim de ter tempo de bem mastigar e bem deglutir. Estas refeições serão sufficientes e não muito copiosas. (O PHAROL, 1 de abril de 1908, p. 1).

A importância dada à alimentação levou Dr. Menezes a sugerir medidas práticas para que as escolas pudessem alimentar as crianças durante o tempo em que elas passavam naquele estabelecimento: o uso de cantinas escolares. As cantinas escolares, já em funcionamento na Europa, haviam sido recomendadas no Congresso Internacional da tuberculose:

A questão da alimentação das crianças é de tal ordem que o Congresso de hygiene social e hygiene escolar, em Paris, a ella se consagraram, e o Congresso Internacional da Tuberculose do anno passado, na mesma capital, recommenda: multiplicar, generalizar, sendo possível, as cantinas escolares, seguindo o modelo das de Saint Etienne, Roubaix etc.

Estas associações das cantinas escolares levam merendas, lanches e refeições substanciaes ás crianças pobres nas Escolas durante o trabalho escolar; na França, além das acima mencionadas já se encontram outras, e em Bruzellas, Schaerbeck e Liège, funccionam regulalmente. (O PHAROL, 16 de março de 1907, p. 1).

A Europa foi realmente protagonista no programa de cantinas escolares. Tomando como fonte o trabalho do historiador e sociólogo Julián Juderías y Loyot escrito em 1912, Elejalde (2002) descreve que, de acordo com o autor, a França possuía um desenvolvido serviço de cantinas escolares já no século XIX. Inicialmente o serviço era reduzido à distribuição de títulos que davam aos estudantes descontos em alguns restaurantes. Entretanto, em 1877, foi criada uma comissão para estudar maneiras de alimentar as crianças dentro das próprias escolas e não mais em restaurantes. O fundo escolar de Montmartre iniciou esta prática que, em seguida, foi se espalhando por toda a França.

Em Paris, a maioria dos alunos que frequentavam as cantinas escolares estava em bairros de classes de trabalhadores, visto que, para crianças pobres ou órfãs, a alimentação era gratuita. Em Londres, Inglaterra, tinham sido criados Comitês de Cantinas Escolares com a

função de garantir que nenhuma criança carente parasse de receber alimentação. Em Vercelli, na Itália, as crianças eram obrigadas a participar destas refeições, a menos que um médico atestasse que isso era prejudicial para a saúde daquela criança. Na Noruega, as cantinas escolares ofereciam alimentos para todas as crianças, independentemente de serem pobres ou ricas. Em Madrid, Espanha, as cantinas escolares haviam começado a operar no ano de 1903. Sob a responsabilidade da Associação de Caridade Escolar, a comida era distribuída diariamente às crianças pobres sempre ao meio dia. No mesmo ano, León, Cuenca, Barcelona e Valência também começaram a fazer uso de cantinas escolares. Suíça e muitos outros países europeus também já possuíam cantinas escolares. (ELEJALDE, 2002).

O modelo de cantinas escolares era considerado “el mejor medio de educación alimenticia para los niños que van a la escuela de párvulos o a la escuela municipal, siempre que esté organizada de acuerdo a las normas que dicten los médicos escolares61” (ELEJALDE, 2002, p. 101). A educação alimentícia que acontecia nas cantinas escolares abrangia dois pontos: a propagação de um modelo de local higienicamente apropriado para a alimentação e a oportunidade para lições teóricas e práticas sobre higiene na alimentação.

Com relação à primeira colocação, as cantinas deviam possuir um local apropriado para a alimentação

que se componga de una cocina, un comedor bien aireado y caldeado y un lavabo; además, el comedor debe estar dotado del material necesario para que cada niño tenga su plato, su vaso, su cuchara, su cuchillo, su tenedor, su servilleta, y para que esté sentado cómodamente delante de una mesa62 (ELEJALDE, 2002, p. 101).

Já com relação às lições teóricas e práticas, acreditava-se que a educação prática ministrada pelas cantinas escolares valia mais do que todos os ensinamentos teóricos. Utilizando-se dos escritos do professor da Faculdade de Medicina de Paris, Dr. Marcel Labbe, a autora cita os 12 ensinamentos de higiene que deviam ser ensinados em tais estabelecimentos:

I Manos limpias, platos limpios, manjares limpios hacen apetitoso y sano en alimento.

II Come ha hora fija, mastica con cuidado, reposa después de la comida. III Escucha al apetito, más no seas su esclavo; come lo que debas y te encontrarás bien.

61 O melhor meio de educação alimentar para as crianças que frequentam creche ou escola municipal,

desde que organizado de acordo com as regras ditadas pelos médicos escolares (tradução nossa).

62 Que se componha de uma cozinha, uma sala de jantar bem ventilada e aquecida e uma pia; além

disso, a sala de jantar deve estar equipada com o material necessário para que cada criança tenha seu prato, seu copo, sua colher, sua faca, seu grafo, seu guardanapo e para que esteja sentada confortavelmente em frente a uma mesa (tradução nossa).

IV Guárdate de los extremos, del mucho y del demasiado poco, igualmente peligroso.

V La carne forma el músculo, pero el azúcar le da fuerza.

VI Para trepar a las cumbres vale más una pastilla de chocolate o un terrón de azúcar que un gran bifteck.

VII Un poco de vino alimenta, mucho alcohol mata.

VIII Se forma el esqueleto con leche, con legumbres y no con carne. IX Hay que beber agua para lavar el interior como se lava la piel.

X Espinacas, achicorias, coles, ensaladas y frutas hacen el barrido del intestino.

XI Legumbres verdes, patatas, remolachas, nabos y frutas alcalinizan el organismo. Son los antídotos de la carne y de los huevos, que lo acidifican. XII Come tus alimentos bien cocidos; saben mejor, son más digestibles y menos tóxicos63. (LABBE, 1922 apud ELEJALDE, 2002, p. 101).

As folhas de O Pharol também publicaram ideias semelhantes com relação a ambos os pontos referidos na educação alimentícia proposta pelo modelo europeu: o local apropriado e circunstância conveniente para o ensinamento de regras higiênicas na alimentação. Pudemos notar isso em texto, que o jornal diz unicamente ser de um professor, no qual o autor descreve o ensinamento do Dr. Balthazar Vieira de Mello sobre a alimentação dos alunos. No que tange ao local, podemos ler o que a falta de um lugar apropriado para as refeições podia ocasionar:

A falta de salas para refeições dos alumnos constitue lacuna importante em nossas escolas publicas.

De ordinário essas refeições são feitas nos recreios, sobre bancos, ou mesmo no solo, e, attendendo á inexperiência das crianças, não é diffícil suppor que muita vez o alimento seja posto em contacto com aquellas superfícies, podendo dahi resultar a contamminação do mesmo por germens morbigeros alli depositados pelas roupas ou pelo calçado. (O PHAROL, 13 de abril de 1907, p. 1).

Com relação à oportunidade para o ensinamento de regras higiênicas, o autor relatava: Outra vantagem regularmente installados é que os alumnos fariam suas refeições na presença dos professores, os quaes fiscalizariam o asseio das suas mãos, antes e depois das refeições, e lhes dictariam regras de bem estar á mesa, de bem mastigar, para bem digerir.

63 I Mãos limpas, pratos limpos, iguarias limpas fazem apetidoso e saudável o alimento. II Coma em

um horário fixo, mastigue com cuidado, descanse após a refeição. III Escute o apetite, mas não seja seu escravo; coma aquilo que você deve e ficará bem. IV Cuidado com os extremos, com o muito e o demasiadamente pouco, igualmente perigoso. V A carne forma o músculo, mas o açúcar dá a força. VI Para escalar os cumes, vale mais uma barra de chocolate ou um pedaço de açúcar do que um grande bife. VII Um pouco de vinho alimenta, muito álcool mata. VIII O esqueleto é formado com leite, com legumes e não com carne. IX Tem que beber água para lavar o interior como se lava a pele. X Espinafre, chicória, couve, saladas e frutas varrem o intestino. XI Leguminosas verdes, batatas, beterrabas, nabos e frutas alcalinizam o organismo. São os antídotos da carne e dos ovos, que o acidificam. XII Coma seus alimentos bem cozidos; eles têm um sabor melhor, são mais digeríveis e menos tóxicos (tradução nossa).

Como se vê, essa medida não seria só de conforto, mas de grandes vantagens hygienicas, accrescendo ainda que a mastigação incompleta conduz a dyspepsia e outras perturbações gastro-intestinaes, ponto de partida para desordens notáveis da saúde. (O PHAROL, 13 de abril de 1907, p. 1).

Dr. Paul Degrave também abordou sobre a limpeza dos alimentos quando se referiu ao tema alimentação e higiene: “Nossos alimentos devem ser cercados do mais minucioso asseio. É preciso pol-os ao abrigo das poeiras e de outras contaminações exteriores, como o contacto de pessoas doentes, de vasilhas ou de utensílios sujos.” (O PHAROL, 1 de abril de 1908, p. 1).

A educação física dos alunos passava também por uma alimentação adequada capaz de prevenir doenças e, consequentemente, contribuir com o trabalho físico e mental das crianças na escola. A educação alimentar proposta por higienistas é referendada no jornal juiz-forano por médicos e leigos. A educação republicana era incentivada a olhar para a educação física dos alunos também pela ótica alimentar.

No documento renatacorreavargas (páginas 170-175)