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ILUMINAÇÃO DAS SALAS DE AULA

No documento renatacorreavargas (páginas 70-74)

3 OS ESPAÇOS ESCOLARES

3.2 A ARQUITETURA DO PRÉDIO ESCOLAR

3.2.4 ILUMINAÇÃO DAS SALAS DE AULA

Por fim, com relação à iluminação de escolas, observamos novamente os escritos do Dr. Paul Dégrave, publicados com o título A Hygiene: Illuminação, nos quais o autor descreve os problemas que poderiam ser ocasionados com a falta de uma iluminação adequada nos locais em que se exigia visão de perto:

A illuminação das habitações encontra todas as regras de applicação na illuminação das escolas e das officinas em que o trabalho exige a visão de perto.

O TRABALHO DE PERTO cança a vista e favorece a myopia. Associada a estes esforços, a inclinação para deante da cabeça e do corpo acarreta a congestão do cérebro e as deformações da columna vertebral. Trabalho de perto e attitudes viciosas se encadeiam reciprocamente.

Evitar um é afastar a outra. Estas duas questões não fazem sinão uma. Para impedir a visão de perto, a illuminação da sala deve ser sufficiente; a luz nada deslumbrante, e uniforme. (O PHAROL, 19 de março de 1908, p. 1, grifo do autor).

32 A Escola Normal Superior formava alunos para atuarem como professores das demais escolas

Outra publicação em O Pharol que corrobora com este entendimento da relação entre iluminação inadequada e problemas na visão é encontrada em dezembro de 1911 quando o Dr. Emilio Loureiro assim descreve:

A luz é o excitante normal e physiologico da visão. A boa qualidade, abundancia e hygienica orientação da luz são a saúde para a vista. A má qualidade, insufficiencia e má direcção são nocivas para os olhos, muita vez produzindo myopia. (O PHAROL, 14 de dezembro de 1911, p. 1).

Esta compreensão já era bastante divulgada na Europa, em particular na França. Existia, nos regulamentos franceses, uma preocupação com a iluminação do prédio escolar pela luz natural o que demandou, inclusive, a elaboração de cálculos a fim de se garantir que esta luminosidade natural chegasse, de forma constante e uniforme, a todas as mesas dos escolares. Tal cuidado tinha como finalidade a prevenção do emprego de posturas físicas prejudiciais à saúde dos alunos. (BENCOSTTA; BRAGA, 2011).

Em Minas Gerais, Braga expõe dois achados de sua pesquisa em que esta relação luminosidade-saúde ficou em evidência. Em um deles, em 1902, quando Estevam de Oliveira, que era na época inspetor de ensino, produziu um relatório “justificando o posicionamento das janelas nas salas para uma melhor iluminação sem causar danos às vistas e posturas dos alunos” (BRAGA, 2009, p. 118). No outro, em 1925, em um artigo intitulado Pelas Escolas – A myopia escolar e a illuminação das aulas, constante na Revista do Ensino de Minas Gerais, que havia reproduzido discussões sobre “as razões para o aparecimento da miopia nos alunos e dentre elas, o posicionamento errôneo das janelas gerando iluminação prejudicial seria uma das causas” (BRAGA, 2009, p. 118).

Para além da prevenção da miopia e problemas posturais ocasionados pela falta de iluminação adequada, a luz também possuía outro aspecto higiênico: o de matar os micróbios. Dr. Paul Dégrave, descrevendo sobre salas de aula, orientava a abertura de grandes janelas justificando o uso da luz também como microbicida: “abrir-se-ão grandes janellas. Deverão ser grandes, porque A LUZ É O MELHOR AGENTE MICROBICIDA e é para nós uma fonte de saúde e de vida”. (O PHAROL, 19 de março de 1908, p. 1, grifo do autor).

Antes das descobertas de Pasteur, os miasmas eram apontados como os principais responsáveis pelas doenças, contudo, após suas pesquisas apontarem para a existência dos micróbios, houve a tomada de outras medidas higiênicas até então não utilizadas. Isso não significa dizer, no entanto, que a teoria miasmática tivesse sido abandonada, pelo contrário, ainda podemos encontrar marcas desta teoria nos escritos dos pensadores higienistas brasileiros (MACHADO, 2011).

A luz solar foi entendida como uma grande arma de combate aos micróbios matando- os em curto tempo de exposição (DIAS, 2008).

Para garantir todos os benefícios que a luz solar podia oferecer, foram apresentadas regras para uma melhor iluminação dos espaços escolares. Dr. Paul Dégrave e Dr. Emilio Loureiro, em momentos distintos, detalharam sobre essas regras.

São escritos do Dr. Dégrave:

Uma illuminação que chega por de traz é insufficiente, porque o corpo a intercepta e faz sombra; si vem de frente, offusca; si cahe de cima offusca ainda, reflectindo-se sobre o papel; a mão direita faz sombra durante a escripta em uma illuminação colocada á direita. De preferencia, A LUZ DEVE POIS CAHIR SOBRE O LADO ESQUERDO DOS ALUMNOS. (...)

Á noite, as lâmpadas devem ser dispostas de maneira á produzir uma illuminação semelhante. (O PHAROL, 19 de março de 1908, p.1, grifo do autor).

Nas palavras do Dr. Loureiro:

A luz que o alumno recebe de frente ou de traz, não póde ser aceita pelas sombras que projectam, difficultando a leitura e a escripta e assim molestando os olhos.

Restam a luz bi-lateral e uni-lateral. A primeira póde ser de igual intensidade em ambos os lados ou um lado recebe maior quantidade de luz que o outro; é o que se chama iluminação diferencial.

A luz uni-lateral póde ser dada á esquerda ou á direita. A primeira é a única adoptada por ser a mais saudável para a vista. (O PHAROL, 14 de dezembro de 1911, p. 1).

Conforme podemos observar, ambos concordam que a iluminação mais indicada é aquela que é oferecida a partir do lado esquerdo do aluno. Tal recomendação condiz com as regras praticadas na Europa.

Nas escolas francesas, recomendava-se que as janelas fossem colocadas de tal modo que as salas fossem iluminadas “unilateralmente e de preferência pelo lado esquerdo” (BRAGA, 2009, p. 118).

Elejalde (2002), ao estudar a influência do higienismo nas escolas de Vitoria, município espanhol, também se deparou com as mesmas regras. O pedagogo Ricardo Rubio, estudado pela autora, havia publicado no Boletín de la Institución Libre de Enseñanza33, no ano de 1910, um texto intitulado Notas de Higiene escolar no qual indicava algumas especificações para a melhor iluminação das salas de aula. A autora resumiu quais eram estas especificações ditadas por Rubio:

deberemos tener en cuenta la dirección en que los alumnos reciben la luz, que puede ser unilateral anterior, posterior, bilateral; la luz anterior, la posterior y la cental no se consideran convenientes, la luz unilateral izquierda es la más recomendable34 (ELEJALDE, 2002, p. 180).

Elejalde, após analisar outros registros da época, apontou para o fato de que quase todos os higienistas concordavam com esta orientação da luz pela esquerda dos alunos.

A importância dada ao discurso médico sobre a iluminação fez escolas privadas juiz- foranas apostarem em propagandas onde havia um apelo a tal tema. Foram os casos do Colégio Mineiro Americano que fez alusão à claridade de suas salas de aula: “Dispõe de boas salas de aulas, claras e convenientemente arejadas” (O PHAROL, 11 de setembro de 1909, p. 13) e da Academia de Comércio que foi citada no jornal com as seguintes referências: “O novo compartimento de accordo com todas as regras de hygiene (...) é bem ventilado, dotado de luz sufficiente”. (O PHAROL, 7 de janeiro de 1904, p. 1).

Conforme pudemos observar ao longo da exposição, os discursos sobre arquitetura escolar publicados em O Pharol tinham um forte viés higienista. Textos de médicos, pedagogos e leigos, juiz-foranos ou não, convergiam para a ideia de que era preciso proteger os corpos dos alunos contra as doenças e a imoralidade. Concebia-se um modelo de corpo mais adequado às atuais demandas sociais e econômicas; um corpo que fosse mais saudável e mais forte, sem vícios morais e que, por consequência, fosse também mais rendoso para a nova relação de trabalho que se instituiu após o fim da escravidão.

A construção da Juiz de Fora moderna passava, inevitavelmente, pela construção desses novos modelos de corpos e a educação escolar tinha papel fundamental neste processo. Entretanto, novamente como bem nos adverte Certeau, um discurso pode inspirar algum tipo de prática, entretanto, ele não é a própria prática. Com esta provocação, o autor desenvolveu a ideia de um consumo ativo e produtivo de um discurso por seus usuários, o que ele chamou de artes de fazer (CERTEAU, 2003).

Intelectuais estrangeiros e brasileiros que estudam a influência do higienismo nas escolas puderam constatar certo distanciamento entre o discurso e a realidade.

Este foi o caso, por exemplo, de Abad que, pesquisando sobre as escolas espanholas, assim descreveu:

Conviene destacar que la distancia entre normativa legal y realidad fue más patente en el edificio de la escuela. La mayor parte de la enseñanza primaria

34 Devemos levar em consideração a direção em que os alunos recebem a luz, que pode ser unilateral

anterior, posterior, bilateral; a luz anterior, a posterior e a central não são consideradas convenientes, a luz unilateral esquerda é a mais recomendável (tradução nossa).

en nuestro país se daba en espacios improvisados que havián servido o servían a la vez de ‘cuadras, almacenes, cárceles, residuos conventuales y pósitos’, como demostró Luis Bello en su intensa y extensa cruzada por las escuelas de España35. (ADAB, 1992, p. 113).

Bencostta, ao estudar a implantação das primeiras escolas republicanas em Curitiba – particularmente os Grupos Escolares – também constatou que “o investimento dos poderes públicos paranaenses não correspondeu às expectativas de um discurso que propunha a regeneração da sociedade por meio da educação” (BENCOSTTA, 2001, p. 110), contudo, segundo o autor, esta constatação não reduz a influência dos debates de intelectuais, educadores e políticos no direcionamento e resultados do novo modelo republicano de escolarização.

Assim como esses autores, também pudemos constatar em nossas pesquisas casos em que o discurso acerca das condições higiênicas do prédio escolar fora desprestigiado diante de outras urgências. Ilustraremos com um caso publicado em O Pharol referente à Escola Normal de Juiz de Fora.

3.2.5 A ESCOLA NORMAL DE JUIZ DE FORA: NOTAS SOBRE UM CONFRONTO ENTRE O DITO E O

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