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PROBLEMAS NOS OLHOS , NOS OUVIDOS E NA BOCA

No documento renatacorreavargas (páginas 152-156)

6 EDUCAÇÃO FÍSICA

6.1 EXAME DOS CORPOS ESCOLARES

6.1.2 PROBLEMAS NOS OLHOS , NOS OUVIDOS E NA BOCA

Si o alumno tem a felicidade de entrar para a escola com vista normal e ouvindo bem, no começo tudo é mar de rosas. Digo, no começo, pois em breve a myopia, moléstia escolar a mais frequente, espreita sua fácil presa e domina.

Mutatis mutandis, o mesmo se dá com a funcção auditiva. (O PHAROL, 7 de dezembro de 1911, p. 1).

Conforme podemos notar nas palavras do Dr. Emílio Loureiro, autor da citação, acreditava-se existir uma relação direta entre comprometimento dos olhos e ouvidos com o início da atividade escolar e, por este motivo, tais problemas foram focos de preocupações.

Primeiramente com relação à saúde dos olhos e dos ouvidos, encontramos recomendações de cuidados como a colocação dos alunos em determinados espaços e de cuidados com o tipo de material didático utilizado pela escola.

Alunos com problemas de visão ou de audição deviam ocupar estrategicamente um lugar mais próximo do professor dentro da sala de aula.

Esta matéria foi objeto de denúncia por parte do Dr. Emílio Loureiro:

Os directores das escolas exigem, mera formalidade administrativa, attestados de ausência de moléstias infecciosas e contagiosas nos discentes. Não indagam os professores se os alumnos ouvem bem ou mal as lições, se vêm ou não o que está escripto no quadro negro. Os discípulos são collocados a esmo, ao capricho da sorte, longe ou perto dos professores. Muita vez os que têm vista normal ficam próximos do docente e longe os que são myopes. (O PHAROL, 7 de dezembro de 1911, p. 1).

Essa recomendação encontrou reflexo legal na década seguinte. Vareto, ao estudar o texto da Reforma Mello Vianna, de 1925, em Minas Gerais, declara que tal regulamento trazia uma série de medidas acerca da higiene nas escolas e, dentre elas, a inspeção médica escolar com seus desdobramentos. De acordo com a autora, a inspeção dos alunos começava no ato

da matrícula com o exame médico e o preenchimento da ficha sanitária. As informações presentes em tais fichas sanitárias ficavam restritas ao médico e à diretora e

apenas algumas informações eram repassadas às professoras, como as deficiências auditivas e visuais, para que elas pudessem colocar os alunos portadores dessas deficiências em lugar apropriado na sala de aula, preferencialmente próximos à lousa (VARETO, 2010, p. 94).

Ainda de acordo com Vareto, os problemas visuais e auditivos figuravam entre as principais preocupações do serviço de inspeção médica escolar, sendo descritos de forma detalhada nos relatórios oficiais do Estado.

Esta preocupação é justificada pelo Dr. Loureiro em outra publicação no jornal. São seus escritos:

A visão e a audição constituem os dois apparelhos de recepção por onde quasi todas, para não dizer todas, as aquisições scientificas se fazem.

Basta este ennunciado para que o medico hygienista se preoccupe meticulosa e religiosamente com o bom funccionamento da vista e do ouvido. A saúde destes órgãos na infância e na adolescência é a vida da pátria. (O PHAROL, 24 de novembro de 1911, p. 1).

A atenção dada aos olhos e aos ouvidos é explicada em função do progresso do país, da vida da pátria. Tais órgãos eram os responsáveis pelo aprendizado do aluno. Através deles os escolares assimilavam as informações científicas úteis à transformação da sociedade. São o progresso e a modernidade sendo usados como justificativa da intervenção médica na educação.

Dr. Emílio Loureiro ratificou esta concepção citando ainda o Dr. H. Truc, médico francês que atuou como professor da Universidade de Montpellier na cadeira de oftalmologia. Dr. Loureiro assim abordou: “O professor Truc, o director da cruzada benemérita da inspecção ocular nas escolas escreve: ‘a saúde ocular das creanças é factor de prosperidade e merece sempre novos sacrifícios’.” (O PHAROL, 7 de dezembro de 1911, p. 1).

Podemos entender estes sacrifícios em uma série de investidas na escola e em seus materiais didáticos a fim de se precaver deste mal que atravancava o progresso. Estas investidas eram, inclusive, cobradas por outros profissionais não médicos.

Um exemplo disso foi o artigo de H.G. no qual o autor mencionava sobre necessidade da inspeção médica nas escolas para a observância dos problemas de visão dos alunos e para a educação dos familiares acerca do cuidado com os olhos. Dando exemplo do que acontecia na França o autor escrevia que

(...) tem-se assignalado em certas regiões da França um numero infinito de crianças que soffrem da vista. A revista a que me reporto faz sentir a necessidade de organizar o mais rapidamente possível visitas medicas, indicando-se e mesmo prescrevendo-se ás famílias os cuidados necessários. (O PHAROL, 17 de março de 1910, p. 1).

Dr. Emílio, como já pudemos ler na citação de abertura deste ponto, acreditava que a escola estava contribuindo para o aumento da miopia e, por isso, também julgava ser necessária a inspeção médica nas escolas. A fim de justificar a influência escolar sobre o aumento da miopia, o médico fez uso dos estudos do oftalmologista Hermann Cohn que alegava que a miopia aumentava de acordo com o grau de escolaridade:

Vejamos o que diz Cohn, autoridade incontestável em hygiene escolar: <<1º Nas escolas ruraes a myopia é uma raridade, sua frequência augmenta com a exigência dos estudos e attinge o máximo nos gymnasios. 2º O numero de myopes augmenta da menor classe á mais elevada em todos os estabelecimentos, de uma maneira contínua. 3º A media dos myopes cresce de classe em classe. Em 100 alumnos de classe superior há 62 alumnos myopes>>. (O PHAROL, 14 de dezembro de 1911, p. 1).

Thomaz Grimm também acreditava nesta relação e, concordando que muitos problemas de vista eram adquiridos na escola, ele indicou alguns dos possíveis motivos. A posição da mobília escolar era um deles, pois podia forçar os olhos do aluno causando-lhe miopia. Mas esta podia também ser adquirida de outras formas:

As outras causas dessa alteração da vista, que se poderia evitar, são os livros mal impressos, a illuminação mal distribuída, e, segundo certos hygienistas, o emprego da letra deitada que elles queriam ver substituída pela letra em pé. (O PHAROL, 18 de fevereiro de 1906, p. 2).

Com relação aos livros didáticos, a concepção da insalubridade dos mesmos devido ao tamanho das letras ou as cores de sua impressão ecoou também nos escritos do Dr. Loureiro. A leitura em livros com caracteres pequenos ocasionava a miopia:

Um facto a relevar na etiologia de myopia é o seu apparecimento aos nove ou dez annos de idade, quando o alumno deixa a leitura do a b c impresso em grossos e grandes caracteres, não exigindo accomodação forçada da vista, para a leitura de livros impressos em typos menores. Assim a myopia vae em augmento e em frequência, acompanhando a idade do discente e o seu adiantamento, e attinge o seu fastígio no adulto e nas universidades, onde é hábito manusear livros de typos de imprensa liliputianos.

A influencia nefasta da leitura com typos de imprensa anti-hygienicos para a physiologia da visão, nos é sobejamente provada pela intensidade e frequência da myopia nas escolas allemãs de ensino secundário e superior. (O PHAROL, 12 de dezembro de 1911, p. 2).

O autor prosseguia citando o engenheiro e oftalmologista francês Louis Émile Javal para indicar, então, o tamanho ideal para os caracteres:

O illustre hygienista Javal, não menos distincto engenheiro sanitário, fixou de accordo com Cohn, as dimensões que devem ter os typos de imprensa para a physiologia da visão, a visibilidade e legibilidade dos livros. ‘Toda impressão, diz Cohn, cujos caracteres teem menos de um millimetro e meio de altura, é nociva aos olhos; os cheios das letras devem ter pelo menos vinte cinco millimetros de espessura e o maior comprimento das linhas não devem exeder a cem millimetros’. (O PHAROL, 12 de dezembro de 1911, p. 2).

Já com relação às cores do papel, acreditava-se ser o amarelo a cor mais higiênica a se utilizar, tão boa que Dr. Emílio Loureiro indicava que se pintasse até as paredes das salas de estudo desta cor:

Há outros detalhes de grande importância, como seja a cor do papel; assim caracteres negros sobre um fundo branco brilhante fatigam a vista, também typos de imprensa em fundo escuro diminuem a visibilidade e por conseguinte a legibilidade.

Foi, para obviar estes inconvenientes, que Javal adoptou a cor amarella a dar aos papeis dos livros didacticos. O amarello é cor suave á vista, physicamente é o resultado da supressão ou ante absorpção dos raios violetas, indico e azul do espectro.

Estas ultimas cores são excitantes, fatigantes e más para a vista. A cor amarella deve ser adoptada para os próprios cadernos descripta.

Sugiro a seguinte idéa: Dar a cor amarella ás paredes das salas em que se effectuam trabalhos de escripta e outros que exigem o apuro da vista por largo tempo e podendo se dar ás paredes da sala em que se fazem licções oraes, a cor branca ou outras mais bellas, estheticas para a vista, embora sejam sempre as mais uteis para a saúde dos olhos. (O PHAROL, 12 de dezembro de 1911, p. 2).

Assim, como medida preventiva ao aparecimento de miopia nos escolares, devia-se eliminar todos os livros didáticos que pudessem ser insalubres. O autor argumentava que, infelizmente, tais livros eram uma realidade nas escolas mineiras: “Na avalanche de livros destinados á diffusão da instrucção nem sempre estes primam pela utilidade e, o que é mais grave, occasionam distúrbios oculares” (O PHAROL, 12 de dezembro de 1911, p. 2).

José Mathias, em publicação em O Pharol, chegou a denunciar os editores que, para lucrarem, estavam prejudicando a saúde dos olhos dos alunos:

Livros que por ahi andam, nas escolas, mal impressos, em caracteres miúdos, como convém aos editores, e ornados de debuchos e gothicos, devem ser tirados das mãos das crianças, porque elles também são factores das moléstias que enchem o vasto quadro da nosologia escolar. (O PHAROL, 31 de agosto de 1907, p. 2).

O asseio dos olhos passava também por mudanças nos hábitos escolares. A educação physica para a higiene dos olhos compreendia a orientação de cuidados individuais, mas também a tomada de outras condutas que influenciavam os olhos dos alunos.

Já aos ouvidos, embora no texto do Dr. Emílio eles inicialmente tenham ganhado o mesmo status de importância da visão, não foram lhes dadas outras menções, fora aquelas referentes à colocação do aluno mais próximo ao professor.

Com relação à saúde da boca, as orientações presentes no jornal vieram de outros profissionais interessados com a higiene dos estudantes. Em uma destas publicações, em texto intitulado O Problema Escolar, H. G. apontava para a importância do asseio dos dentes. O autor indicava que

a dentição também é de uma importância capital para a saúde. A boa saúde repousa na boa digestão, que provem da boa dentição. As crianças tem necessidades de bons dentes, porque comem com avidez. Entretanto, pouco cuida do estado de suas maxilas. Não se recorre aos dentistas para extrahir os dentes estragados, isto é, quando o mal é irremediável. ‘Não deveis arrancal- os, mas cural-os!’ dizem os vendedores de elixir. Deve-se, entretanto, dizer ás autoridades escolares: previnam vossa vigilância a carie devastadora. (O PHAROL, 17 de março de 1910, p. 1).

À escola, lançava-se a obrigação da prevenção da cárie nas crianças. Mais uma vez observamos que, nessa lógica da prevenção de doenças, a educação escolar era tida como importante na formação do corpo adequado àquele momento histórico.

O asseio dos olhos, ouvidos e boca devia passar pela escola, fosse através do ensino de hábitos de higiene individual, fosse modificando procedimentos já adotados pela escola que fossem prejudiciais à saúde dos alunos. A escola adquiria papel importante no processo de modernização, visto que inseria condutas requeridas pela nova ordem vigente em seus alunos e, por consequência, também em seus familiares.

No documento renatacorreavargas (páginas 152-156)