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LÍNGUA PORTUGUESA E DEMAIS IDIOMAS

No documento renatacorreavargas (páginas 127-130)

5 OS SABERES ESCOLARES

5.2 CONTEÚDOS

5.2.2 LÍNGUA PORTUGUESA E DEMAIS IDIOMAS

O decreto n 1. 947/06, que aprovou o programa do ensino primário mineiro, trazia na parte referente à “Leitura” às seguintes instruções:

Para as primeiras lições de leitura, o processo adoptado neste programma é novo no nosso ensino; reclama, por isso, a attenção dos professores.

Em vez de decorar sons e valores de letras, para depois formar as combinações que produzam o vocábulo, a creança começará por este último, ligando desde logo a idéa expressa pela palavra ao corpo de letras que a formam.

(...)

É conveniente que as primeiras palavras estudadas representem cousas concretas.

(...)

Seria de grande vantagem que os srs. professores adoptassem, desde logo, este methodo, de preferencia ao de syllabação e soletração. Este último deverão abolir em absoluto, por ser hoje universalmente condemnado no ensino moderno. (MINAS GERAIS, 1907, p. 5).

Tais instruções apresentadas pelo decreto são características do método intuitivo de leitura, chamado de palavração (RESENDE, 2002c). O ensino da leitura sob as luzes do método intuitivo tem como objetivo a eliminação dos processos de memorização das letras

47 Em seu programa, os conteúdos escolares incorporavam elementos básicos sobre higiene cada vez

que compõem as palavras e substituí-los pela compreensão do conceito das palavras e dos textos. As palavras simbolizam ideias e é por elas que o ensino na leitura devia começar. A intenção era de se fazer uma “leitura inteligente, voltada para a compreensão das ideias contidas nos textos e, em consequência, contrapondo-se aos métodos mecânicos de decifração que imperam até meados do século” (VALDEMARIN, 2001, p. 178).

O método propunha o uso de imagens ou desenhos – “cousas concretas” mencionadas no decreto – para que mais facilmente o aluno fizesse a associação da palavra à ideia que ela transmitia.

Dr. Eduardo de Menezes fez uma defesa do referido método nas páginas de O Pharol referindo-se a ele como um método higiênico para o espírito infantil:

O methodo de palavração para o ensino da escripta e leitura, sabiamente adoptado pelo sr. dr. Carvalho Britto nas escolas primarias, é de grande alcance para a hygiene do espirito infantil, sendo muito recommendavel o methodo organisado pelo sr. Lindolpho Gomes. A taboada, a cartilha e o catecismo são as maiores torturas que se podem inflingir ás creanças (O PHAROL, 14 de abril de 1910, p. 2).

O método organizado por Lindolpho Gomes, ao qual Dr. Menezes se referia, havia sido publicado na forma de livro sob o seguinte título: Primeiros Exercícios de Leitura (methodo da palavração e phraseação). (O PHAROL, 17 de março de 1910, p. 1).

O livro foi objeto de artigos no jornal. Um destes artigos foi escrito por Olimpio de Araújo. Ele descreveu o método contido no livro:

iniciando o ensino da leitura pela palavra e passando desta á phrase e á sentença. Uma vez conhecida a palavra e applicada esta á phrase e á sentença, passa a decompôl-a em seus elementos secundários, as syllabas e, depois, mui naturalmente, mui logicamente, em seus elementos primários, as letras; tendo, consequentemente, por base a palavração, sem descurar da decomposição dos vocábulos e o conhecimento, que se pode chamar intuitivo, dos respectivos caracteres alphabeticos. (O PHAROL, 7 de maio de 1910, p. 2).

Segundo o autor do artigo, o livro trabalhava a linguagem na sua parte educativa e como lições de coisas, embora não explicasse a diferença entre elas.

Outro momento que temos mais referências sobre o livro foi na publicação de uma carta que o próprio Lindolpho Gomes havia recebido de Verissimo Alvares da Costa. Nela, o remetente foi apontando alguns pontos característicos do método da palavração e comparando-os com as propostas de Lindolpho.

Verissimo assinalava, por exemplo, como era o desdobramento do método na sala de aula, qual o procedimento para se ensinar a ler. Ele descreveu: “Começa-se o ensino,

mostrando-se ao alumno figuras de objectos conhecidos, com o nome escripto por baixo e que é pronunciado pelo mestre e repetido pelo discípulo” (O PHAROL, 18 de dezembro de 1910, p. 2). Entretanto, “quando é possível o mestre mostra o próprio objecto” (O PHAROL, 18 de dezembro de 1910, p. 2). Aprendendo-se as palavras, passava-se a formar frases simples: “Por meio de combinações de palavras fáceis chega-se á composição de phrases curtas e simples e com considerável rapidez passa-se á leitura corrente” (O PHAROL, 18 de dezembro de 1910, p. 2). Assim, “pelo methodo objectivo, ou seja da palavração” (O PHAROL, 18 de dezembro de 1910, p. 2) ia ensinando os alunos a lerem. Veríssimo observava, então, que este era exatamente o plano do livro de Lindolpho.

De forma minuciosa, o autor da carta vai apresentando os pormenores do método da palavração. Assim, conforme estamos percebendo, a objetividade e a utilidade do aprendizado eram a forma mais adequada de aprendizagem vinculada aos propósitos formativos do regime republicano. Aprender para fazer. A nova relação de trabalho exigia funcionários que soubessem ler e entender aquilo que se lesse. A escola na república devia formar, então, tais funcionários com as características solicitadas. Juiz de Fora, na efervescência de seu desenvolvimento, devia então utilizar um método de ensino de leitura que mais se afinasse com seus ideais. Desta forma, o método da palavração foi o incentivado pela classe médica juiz-forana que também estava envolvida no processo de modernização da cidade.

Podemos ainda indicar que, para o ensino da leitura, além do método da palavração, estratégias de “higienização da leitura” (GONDRA, 2003; ROCHA, 2005; VIANA, 2015) foram visíveis. A indicação de leitura higiênica pode ser notada, por exemplo, na prescrição do livro Cidade Salubre do Dr. Eduardo de Menezes:

lembramos que se adoptem nas escolas, como leitura diaria, a “CIDADE SALUBRE”, divulgando por esse meio e de maneira proveitosa os ensinamentos de tão util publicação, a exemplo do que se faz na Suissa e em outros paizes com trabalhos congeneres. (MENEZES, 1911, p. 11).

Ou mesmo no modelo de programa de ensino contra a tuberculose mencionado anteriormente, no qual continha:

Linguagem – Escripta – Copiar palavras e pequenas sentenças do quadro negro ou do livro de leitura, principalmente os nomes das moléstias contagiosas e a tuberculose...

Calligraphia – Copiar letras, palavras e pequenas sentenças sobre os meios de evitar a tuberculose, do quadro negro ou do livro de leitura etc etc. (O PHAROL, 14 de julho de 1906, p. 2, grifo nosso).

Com relação ao ensino de outros idiomas, o procedimento de aprendizagem era o mesmo:

Veja que, mesmo agora no ensino das línguas estrangeiras o ‘alumno, pelo processo intuitivo continúa augmentar suas idéas por meio de imagens – objectos reaes ou figurados, desenhos, quadros etc., e assim, pelo aspecto que liga directamente a palavra ao objecto nos limites dos conhecimentos adquiridos, exercita-se a formar por analogia proposições em língua estrangeira’, segundo o plano do professor Nicastro, da Secilia48. (O PHAROL, 18 de dezembro de 1910, p. 2).

Necessitava, todavia, averiguar a necessidade do estudo das pesadas regras gramaticais de cada idioma o que, segundo Dr. Menezes, “pouparia ao espirito o cansaço” (O PHAROL, 14 de abril de 1910, p. 2). De acordo com ele, os livros clássicos de línguas traziam um estilo rebuscado e pretencioso de escrita nos moldes de grandes literatos e autores o que era totalmente desnecessário para se ensinar aos alunos, haja vista que o objetivo deste ensino era “pôrmo-nos em communicação intellectual com os povos de outras raças pela transmissão de pensamentos e correspondencia de idéas” (O PHAROL, 14 de abril de 1910, p. 2), assim, não fazia sentido a aprendizagem de uma escrita caprichosa, mas sim dos “instrumentos vulgares da linguagem usada pelo povo” (O PHAROL, 14 de abril de 1910, p. 2). Observamos aqui uma crítica à gramática. O ensino de outros idiomas também devia recorrer à intuição como base, a criança devia aprender o idioma falando, e não se debruçando em livros.

Precisava ainda ser eliminado o ensino de línguas mortas, como grego e latim, por exemplo, considerados idiomas inúteis:

Veja-se a inutilidade do estudo das linguas mortas, como o grego e o latim, de que para nós não ha outro proveito senão na analyse dos radicaes etymologicos, devendo constituir nas idades maduras ao homem objecto de suas especialidades e estudos de gabinete. (O PHAROL, 14 de abril de 1910, p. 2).

Como vamos percebendo, no ensino da língua nacional e de outros idiomas, havia afinidades com o projeto de sociedade que se queria instituir. E, outra vez, os profissionais ligados à área médica da cidade de Juiz de Fora se dedicaram a escrever sobre esse conteúdo.

No documento renatacorreavargas (páginas 127-130)