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1.2 A FIRMA COMO AGENTE DE INOVAÇÃO

1.2.2 Ambiente de seleção

Aqui, o que pode ser entendido como ambiente de seleção é o mesmo conceito dado ao que é chamado de mercado, entretanto, o próprio conceito de mercado pode ser considerado vago. Elsner e outros(2014), comentando Sraffa (1977), ressaltam as críticas do autor a indefinição de quais seriam os limites de um mercado. Entender o mercado apenas como a relação entre oferta e demanda seria restrito e vago, pois a oferta é composta por uma cadeia produtiva de eventos inter-relacionados. Existe o agravante mencionado por Keynes (1982), de que a decisão da oferta é baseada em uma expectativa de demanda e não na demanda em si. Nesse sentido, o ambiente de seleção será conceituado por aspectos que diferem do entendimento ortodoxo de mercado e que são externos à firma. Em relação a esses aspectos, serão destacados três grupos de análise: o ambiente macroeconômico, a estrutura setorial e as disponibilidades locais. Em relação ao ambiente macroeconômico, serão destacados tanto aspectos referentes a ciclos, quanto institucionais. A estrutura setorial será

discutida a partir do paradigma Estrutura, Conduta e Desempenho (ECD). Por fim, as disponibilidades serão vistas sobre um ponto de vista de capacidades.

De uma maneira geral, é possível afirmar que ciclos de crescimento econômico são positivos para as empresas. Aqui serão destacadas duas motivações para isso:

A primeira tem relação com o aumento do tamanho dos mercados e a segunda com os preços da economia. Como lembrado por Pyka e outros(2018) e por Freeman e Soete (2008), Smith já identificava a interação entre o tamanho dos mercados (demanda agregada) e a divisão do trabalho (produtividade). Essa divisão do trabalho pode ser extrapolada para além de uma firma única verticalizada, como nos casos de especialização de diferentes elementos de um produto, através de uma cadeia produtiva (PYKA; SAVIOTTI; NELSON, 2018).

A segunda motivação está ligada ao fato de que, em um ambiente de expansão econômica, o grau de aversão ao risco dos investidores diminui, alimentado pelos retornos crescentes de seus investimentos e suas expectativas. Os retornos crescentes correspondem ao rendimento do capital físico, enquanto a diminuição da aversão ao risco é correlacionada com o seu custo financeiro (na forma de juros bancários) e a incerteza (inerente ao investimento autônomo). Nesse sentido, há um possível incentivo à diversificação, ou à busca de novos mercados, embora ela não seja uma condição sine qua non. Autores como Boschma e outros (2016), por exemplo, exploram as possíveis explicações para a diversificação produtiva ao nível regional e apontam que é preciso diferenciar a dependência do caminho (trajetória tecnológica) da dependência do local (reprodução das instituições locais). No primeiro caso, a diversificação é vista como algo “novo para o mundo”, enquanto, no segundo, é algo “novo para a região” (BOSCHMA et al., 2016, p. 11). O que importa destacar neste ponto é que, apesar de o aumento do retorno sobre o capital e a diminuição da aversão ao risco possibilitarem um aumento da diversificação/inovação, elas não a garantem, pois há uma série de complicadores estruturais e institucionais no processo.

No tocante aos ciclos econômicos, existem diferentes autores que os abordam sob diferentes perspectivas: Keynes, Schumpeter, Minksy, Kalecki. Contudo, o que interessa a essa discussão é que os ciclos de expansão e contração ocorrem; caracterizando contextos diferentes de ambiente em que o processo de seleção ocorre. Como exemplo estão os EUA, do final dos anos 1970, em que o ciclo de prosperidade levou a apreciação cambial e ao transbordamento da renda por meio de um processo de desindustrialização (FRIEDEN, 2008). Outro exemplo foi o Brasil da primeira década deste século XXI, que sofreu processo semelhante (KUPFER; FERRAZ; MARQUES, 2013). Assim, ao entrar em um ciclo recessivo, os preços, incentivos e expectativas dentro do ambiente econômico mudam. Pode

haver um movimento mais intenso de shakeout 29 nos mercados nascentes e, diante de retornos decrescentes, o interesse estratégico das firmas pode mudar bruscamente para a redução de custos, priorizando mercados e setores mais rentáveis e na consolidação de novas estruturas.

Nessa fase, o arcabouço institucional fica mais ressaltado, pois, uma vez consolidadas as novas estruturas, há uma nova distribuição dos recursos econômicos e a reorganização dos grupos de interesse. Estes exercerão seu poder de facto nas decisões alocativas das perdas de investimentos que não “deram certo” no ciclo anterior (ACEMOGLU; JOHNSON; ROBINSON, 2005). Um exemplo foi o criticado salvamento dos bancos americanos “too big

to fail” na crise de 2008, outro foram as isenções concedidas a setores estratégicos no Brasil

sob os efeitos da mesma crise (CARVALHO, 2018). As demandas por redução de custos, estimuladas pelo ciclo recessivo, podem ser auxiliadas através de políticas de “flexibilização”, como nos governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan (FRIEDEN, 2008), dos anos de 1980, nos EUA e na Inglaterra. Ou, mais recentemente, com Michel Temer, no Brasil, do final dos anos de 2010. Estes elementos, e diversas variações deles, compõem diferentes contextos macroeconômicos em que as firmas desenvolvem suas atividades, de maior ou menor risco.

Entretanto, além do contexto macroeconômico, o processo de decisão e ação das empresas ainda é submetido à concorrência direta e indireta, exercida pelas empresas estabelecidas (ou não) no mercado em que ela atua. Essas questões (mais específicas à firma) discutidas pela teoria microeconômica tradicional, foram aprofundadas nas disciplinas de Organização e Economia Industrial. Disciplinas que, como lembram Kupfer e Hasenclever (2013), surgiram da demanda de alguns economistas insatisfeitos com o distanciamento da teoria microeconômica dos fatos empíricos. Koutsoyiannis (1979) lembra que é a partir da discórdia dos custos de 1920 – em que Sraffa (1926) critica o uso de uma demanda individual negativamente inclinada – que se expande para a discussão de diferentes estruturas de mercado e comportamentos competitivos. De acordo com Losekann e Gutierrez (2012), a economia industrial seria muito mais preocupada com detalhes e especificidades, locais e históricas. Seu ponto de partida foi a construção do paradigma Estrutura-Conduta- Desempenho (ECD). Resultado do esforço de Edward Mason, que

29 Nome dado ao processo de consolidação de um mercado, setor ou indústria, quando passa por um momento em que há muitas indústrias, para outro em que apenas algumas sobrevivem. Como um cachorro molhado que ao se sacudir retira o excesso de água. Para uma discussão sobre o tema (do shakeout) (KLEPPER; SIMONS, 2005).

unificou as abordagens de observações históricas e de reflexões teóricas críticas contemporâneas (Joan Robinson, Edward Chamberlin e Piero Sraffa, por exemplo) e o apresentou no modelo ECD como quadro unificador, capaz de permitir ao campo de economia industrial como uma disciplina independente. (LOSEKANN; GUTIERREZ, 2012, p. 43).

O paradigma tinha como principal objetivo estabelecer uma metodologia de análise apta para discutir as “imperfeições” encontradas no mundo real. Nesse sentido, o paradigma estabelecia uma causalidade para a análise de estudos empíricos. Para Carlton e Perlof (1999), os economistas conduzem as pesquisas empíricas baseadas ou enquanto poder de mercado as firmas exercem, ou em quais seriam os principais determinantes do poder de mercado. Para os autores, o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD) estaria mais preocupado com a segunda questão, pois “um oligopólio com quatro firmas pode determinar preços de forma diferente do que outro com duas” (CARLTON; PERLOF, 1999, p. 238). A causalidade estabelecida implica que o desempenho das firmas instaladas em determinada indústria dependerá da conduta dos compradores e dos vendedores que, por sua vez, dependerá da estrutura do mercado. A estrutura será uma função das características básicas daquele mercado, ou indústria.

Figura 5 - Modelo Estrutura, Conduta, Desempenho (ECD)

Fonte: Elaboração própria (2020) com base em Carlton e Perlof (1999)

Como a Figura 5 – que traz uma versão mais interativa da versão clássica, discutida no parágrafo anterior – sugere, o paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD) possibilita

um arcabouço teórico para lidar com diferentes configurações de concorrência em diferentes setores, facilitando a normatização das análises e a sugestão de políticas. Essa praticidade, em conjunto com os trabalhos referenciais de Bain (1951, 1956 apud SCHMALENSEE, 1989), teriam motivado uma série de estudos intersetoriais (inter-industry). Schmalensee (1989) faz uma discussão das diversas dificuldades apresentadas por esses estudos, em especial, no que diz respeito à mensuração econométrica, destacando que a maioria deles cai no problema de endogeneidade das variáveis e que é quase impossível encontrar variáveis instrumentais para resolver esse problema. Além disso, segundo o autor, esses estudos falham na estimação de parâmetros estruturais consistentes. Apesar disso, os estudos intersetoriais ainda podem servir como complemento de estudos setoriais, através da obtenção de fatos estilizados para guiar a teoria (SCHMALENSEE, 1989).

Diferentes modelos foram desenvolvidos dentro desse paradigma de maneira a fundamentar as interpretações de mercado. Pitelis (2006), destaca que, entre os mais conhecidos, estariam os modelos de preço limite, de mercados contestáveis e modelos generalizados de oligopólios. Assim, o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), reconheceria a existência de barreiras à entrada, como as economias de escala, diferenciação de produto, disponibilidades de capital, vantagens comparativas, entre outras (PITELIS, 2006, p. 436–437). Entretanto, a principal barreira à entrada seria estabelecida por um preço limite mínimo, de forma a garantir a não entrada de empresas, estabelecendo-se uma barreira de escala mínima de eficiência (MES) 30. Dessa forma, em teoria, os preços seriam reduzidos a níveis “normais” de competição, apesar da estrutura oligopolística de concorrência. Pitelis (2006) ressalta duas variações: a primeira é que esse preço limite não precisa ser estrutural, ele pode ser estratégico, como na situação de mercados contestáveis; a segunda é que, ao invés de reduzir preços, as empresas podem atuar de outras formas para reduzir as possibilidades de entrada da concorrência – como inovações, publicidade, capacidade excedente, proliferação de produtos, entre outros...

Diante das inconsistências econométricas dos estudos intersetoriais e as possibilidades abertas pela discussão de mercados contestáveis, houve uma bifurcação da literatura. O advento das ferramentas analíticas proporcionada pela teoria dos jogos (TIROLE, 1988), em conjunto com a abordagem de mercados contestáveis criou uma literatura comportamental (behaviors) das firmas. Essa literatura, de acordo com Hasenclever e Torres (2013), foi intitulada de Nova Economia Industrial e seria escorada por uma visão neoclássica. Como 30 Do inglês, minimum efficient scale (MES).

consequência, as questões concorrenciais deixam de ser abordadas de forma estrutural, ou a importância desse fator é minimizada, e passam a focar apenas no comportamento das firmas (PITELIS, 2006). Entretanto, o comportamento da firma neoclássica permanece homogêneo, de racionalidade perfeita e maximizador – a firma representativa.

Novas abordagens vêm sendo discutidas dentro do debate teórico com um enfoque mais dinâmico e com formulações para além da constituição de preços de longo prazo31. Essas abordagens estão presentes nas discussões da economia evolucionária (NELSON, 2018), schumpeteriana-institucionalista 32 e Sutton (2007). Nesse sentido, ainda busca compreender a

intuição básica de que as diferenças de tamanho implicam em diferenças de poder. Todo esse debate pode ser resumido com o entendimento de que “a definição do padrão de concorrência vigente em cada mercado apresenta uma intensa controvérsia ainda não estabilizada em Economia Industrial” (KUPFER; HASENCLEVER, 2013, p. xxiii).

O último elemento desse ambiente de seleção é correlacionado com a estrutura de mercado. A distribuição das capacidades não é dada de forma homogênea na sociedade, ou na geografia de um país e estas capacidades são um importante fator produtivo 33. Soete e outros (2010a) destacam que muitas políticas de desenvolvimento da década de 1980 falharam devido à falta de congruência tecnológica, da falta de capacidades locais, como pessoal qualificado para a aplicação de determinados objetivos. Um exemplo é apontado por Etzkowitz e Brisolla (1999) em que a política brasileira de promoção das tecnologias de informação dos anos 1990 teria sofrido desse mal, pois se tratava de uma pretensão elevada demais (na visão dos autores). Embora esses casos mereçam ser relativizados, o que se pretende enfatizar aqui é a importância desses recursos localmente disponíveis. Talvez a dimensão mais importante desse elemento seja a disponibilidade de pessoal capacitado, embora ela sozinha não seja suficiente. Aspectos, como acesso à tecnologia, capacidade de absorção34, proximidade com fornecedores e mercados, ajudam a compor esse grupo de disponibilidades.

31 Uma das críticas feitas por Schmalensee (1989) aos estudos intersetoriais é que eles estimavam elasticidades

cross-section, interpretando-os como as relações de preços no longo prazo apontados pela teoria.

32 Mencionada por Kupfer e Hasenclever (2013).

33 Klepper (1996) apresenta um modelo capaz de reproduzir diversos fatos estilizados do ciclo de produtos em que os resultados são bastante sensíveis a habilidade dos agentes. Essa habilidade, que no modelo é estática e heterogênea, se aproxima da discussão de capacidades.

34 O termo de Cohen e Levinthal (1990) é mais interessado em uma relação universidade-empresa. Nesta passagem, a capacidade de absorção mencionada remete a um nível mais macro de especializações regionais, como polos metal-mecânico, calçadista etc.

Assim, para além de um entendimento genérico e abstrato de mercado, as firmas estão inseridas em um ambiente competitivo (de seleção), recheado de especificidades. Esse ambiente não é estático, pelo contrário, ele se molda a partir da ação dos diferentes agentes do sistema. Com isso, além dos fatores que podem ser considerados “mais exógenos”, como os ciclos macroeconômicos, fatores locais e elementos estruturais também sofrem um processo de mudança ao longo do tempo. Resta as empresas lidar com os diferentes contextos, refletindo as consequências das suas decisões anteriores e ponderando sobre as seguintes. A forma como as firmas lidam com esses contextos são entendidas como estratégias que abarcam um grupo maior de possibilidades do que, simplesmente, preço e quantidades.