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5 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS DE INOVAÇÃO: UMA SUGESTÃO METODOLÓGICA

5.3 UMA APLICAÇÃO

5.3.1 Modelo MMM

O modelo utilizado aqui é uma extensão da versão reduzida (core) do modelo multisetorial micro-macrodinâmico, disponível no software Laboratory for Simulation

Development, LSD, (VALENTE, 1999). Esse modelo tem como base teórica as discussões

iniciadas por Possas (1983) e teve uma primeira aplicação em Dweck (2006). A versão core é mais simplificada, mas mantém a mesma estrutura encontrada em Dweck (2006), Possas e Dweck (2011) e Dweck e outros (2019). Estes dois últimos artigos trazem uma explicação mais detalhada do modelo e uma aplicação sobre os efeitos da política fiscal. Além disso, alguns resultados preliminares do modelo podem ser encontrados em Possas e outros (2001), e Possas e Dweck (2004).

O modelo é apresentado como uma alternativa aos modelos de equilíbrio geral, utilizados na ortodoxia, mas, além disso, como uma discussão da dinâmica capitalista. Para tanto, ele se utiliza de uma abordagem evolucionária, microfundamentada em elementos kaleckianos. Nesse sentido, os agregados macroeconômicos são resultados de ações microeconômicas em que o agente principal são as firmas, estruturadas em (pelo menos) três setores: bens de capital, intermediários e bens de consumo. De Keynes, é trazido o papel da demanda efetiva, resultante da produção e distribuição de riqueza no sistema. De Kalecki é extraída uma microeconomia menos apoiada em pressupostos simplificadores que considera, por exemplo, graus de monopólio e o impacto da mudança tecnológica na estruturação da renda.

Como ressaltam Possas e Dweck (2011), o modelo é pensado na forma de uma matriz insumo-produto, em que as decisões de produção se inter-relacionam entre si e com a demanda dos diferentes níveis de renda. As firmas adotam estratégias competitivas que diferem entre si devido à incerteza presente, o que resulta em dinâmicas cíclicas de crescimento da produção no nível agregado. As estratégias competitivas podem ser em relação ao preço, a qualidade, ou a logística (capacidade de atender aos pedidos). Por fim, além das empresas, há também a presença do governo e do setor externo.

The results are sectoral and macroeconomic dynamic properties, in particular, trajectories with fluctuations and trend components for output and other aggregate demand items, as well as the aggregate behavior of functional and personal income distribution. (DWECK; VIANNA; BARBOSA, 2019, p. 5) 161.

Modelos baseados em agentes são diferentes dos modelos analíticos. Para compreendê-los melhor é necessário ter em mente que cada agente toma suas decisões com base em seu ponto de vista (racionalidade limitada). Nesse sentido, uma boa forma de compreender o modelo é analisando a sua linha do tempo – a sequência de ações tomadas por cada agente e os resultados gerados no modelo como um todo. A sequência de eventos a seguir reproduz a descrição apresentada em Possas e Dweck (2011) e Dweck e outros (2019). Cada ponto corresponde a uma etapa da ação no modelo:

1. Firmas recebem novos bens de capital, o que se dá no início de cada período de investimento.

161 Tradução própria: “Os resultados são propriedades dinâmicas setoriais e macroeconômicas, em particular, trajetórias com flutuações e componentes de tendência para o produto e outros itens da demanda agregada, bem como, o comportamento agregado da distribuição de renda pessoal e funcional.”

a. Um período de investimento é composto por seis períodos de produção que corresponde ao tempo de produção dos bens de capital.

b. A decisão de investir surge quando a previsão da média de vendas para os próximos períodos, necessários para a construção do bem, comporte o investimento de um novo bem de capital.

2. Planejamento da produção. É uma decisão da firma e varia conforme o setor.

a. Nos setores de bens de consumo e intermediário, depende da expectativa de vendas;

b. no setor de bens de capital, depende dos pedidos efetivos. Dweck e outros (2019) ressaltam que esse é o principal efeito do conceito de demanda efetiva de Keynes, em que a produção depende da demanda esperada pelas firmas. 3. Produção efetiva. Depende da capacidade de produção instalada e da disponibilidade

de insumos de produção (dados pela produção planejada). A função de produção das firmas é do tipo Leontief e utiliza capital, trabalho e insumos.

4. Decisão de preço. Uma média ponderada entre o preço desejado e o preço médio de mercado. O preço desejado é determinado por um mark-up desejado em relação ao custo variável. Possas e outros (2001) lembram que a equação utilizada aqui equivale a versão discreta da equação de Silveberg (SILVERBERG; VERSPAGEN, 1994), consistente com o modelo replicador de dinâmica e é idêntica à equação de preços de Kalecki (1942) quando trata dos graus de monopólio.

5. Total de pedidos é condicionado a aspectos específicos:

a. Bens de consumo dependem das rendas (distribuídas em classes), consumo do governo e exportações;

b. Bens de capital dependem das decisões de investimentos das firmas e do governo;

c. Bens intermediários dependem dos pedidos das firmas de bens intermediários para o próximo período de produção;

d. Importações são determinadas por um coeficiente fixo, específico para cada setor. Porém, importações adicionais podem acontecer, caso a produção doméstica não seja suficiente;

e. Exportações são determinadas por um coeficiente fixo sobre a renda do “resto do mundo” e sua elasticidade-renda no mercado mundial.

6. Governo contrata trabalhadores, investe em bens de consumo e paga benefícios aos desempregados. Gasto total é condicionado a uma regra fiscal e sua receita é obtida por imposto direto sobre a renda e indireto sobre a produção;

7. Pedidos efetivos dependem da demanda total do setor, sendo distribuído pelo market-

share de cada firma. Por sua vez, o market-share é determinado pela equação

replicadora de demanda, afetada pela competitividade da firma;

8. As vendas são determinadas pelos pedidos efetivos que podem, ou não, corresponder a expectativa das firmas. Dweck e outros (2019) lembram que a interação entre vendas e produção cria uma dinâmica através de mudanças nas expectativas de vendas futuras; 9. Criação de renda:

a. Distribuição funcional:

i. Salários são determinados pela produção total e os salários do governo; ii. Lucros são determinados pelas vendas. Uma parte é distribuída e o

restante é reinvestido na produção ou em aplicações financeiras. b. Distribuição pessoal:

i. Salários e lucros são distribuídos de acordo com as classes de renda, formalmente definidos em uma matriz.

10. Decisões de investimento devem ser tomadas por cada firma mediante sua restrição financeira. A decisão é dividida em três componentes:

a. Investimento em aumento da capacidade, depende da expectativa de vendas e da sua capacidade de produção;

b. Investimento devido a depreciação do capital;

c. Investimento devido a obsolescência do capital, depende do sucesso em inovações de produto, ou de processo.

11. Sucesso de inovação pode ser obtido pela inovação, ou pelo sucesso em imitação (difusão) e está em linha com o proposto por Nelson e Winter (2005). A busca tecnológica por uma firma é obtida através de P&D em produto e processo. A hipótese do modelo é que o setor industrial introduz mudança tecnológica, incorporada no equipamento adquirido, ou na mudança de qualidade dos produtos. A probabilidade de sucesso em inovação no modelo depende do grau de oportunidade tecnológica do setor e dos investimentos em P&D de cada firma.

12. A saída de firmas do mercado se dá de forma endógena, quando ela possui baixo

há espaço no mercado para a entrada de uma firma com capacidades médias de produção.

Encerrado este ciclo, o processo se inicia novamente, determinando a constituição de um novo período. Muitas das condições iniciais são estabelecidas exogenamente, como o número de firmas, o capital inicial, distribuição da renda, entre outros elementos que serão estabelecidos a posteriori como resultado endógeno das interações da simulação. Em função disso, a análise dos modelos de simulação é feita a partir de um recorte de tempo, após o sistema se estabilizar em sua própria dinâmica.

Além dos dados iniciais, outro conjunto de informações é estabelecido exogenamente. São os parâmetros que estabelecem grande parte das relações. Diferente dos valores iniciais, os parâmetros são constantes em toda a simulação, o que levanta uma série de debates em torno de como eles são definidos e de até onde eles representam relações realísticas, ou se apenas representam os padrões que se buscava no modelo.

Essa é a principal crítica feita aos modelos baseados em agentes, em especial, aos modelos que propõe uma análise macroeconômica. Isso acontece porque, como são condensadas diversas relações em um modelo macro, um número maior de parâmetros deve ser adotado. Isso implica que os testes de sensibilidade dos parâmetros sejam ainda mais extensos. Os testes de sensibilidade investigam o quão sensível o modelo é às variações de um determinado parâmetro. Os testes crescem de maneira exponencial conforme a quantidade de parâmetros, necessitando analisar a sensibilidade de cada um, considerando as diferentes configurações dos outros.

A adoção de um modelo já validado pela literatura é um atalho para essa pesquisa, pois a sua consistência já foi verificada 162. Contudo, isso se dá ao preço de adequar a discussão à estrutura do modelo. Assim, foram feitas algumas alterações no modelo (originalmente disponível no LSD) de maneira a estilizar a implantação de parques tecnológicos dentro dessa economia simulada.

162 Tal atalho foi uma sugestão tanto do professor Andrea Roventini, quanto do professor Marcelo Pereira, e contou com especial ajuda do colega de sanduíche (programa de internacionalização da CAPES) Matheus Trotta Vianna.