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1.2 A FIRMA COMO AGENTE DE INOVAÇÃO

1.2.1 Firma enquanto unidade de análise

Uma forma de entender uma economia é observá-la como uma rede de relações entre diferentes agentes: indivíduos, empresas, governo, instituições. É só em Marshall (1996) que se tem um esforço para a elaboração de uma Teoria da Firma. Entretanto, o fenômeno de interesse de Marshall é como seriam definidas as quantidades produzidas. Para tanto, suas conclusões são retiradas do comportamento das indústrias de Manchester, na Inglaterra, ainda no século XIX. É importante ter em conta quais eram as características da época. Chiarini e Silva (2017) e Tigre (2005) mencionam que a transmissão de conhecimento era dada, basicamente, pela migração de pessoas e que a produção de máquinas em escala ainda não era realidade. Assim, a técnica produtiva era, de fato, dada. Além disso, havia uma grande quantidade de empresas de mesmo porte que vendiam seus produtos a um preço estabelecido pelo mercado. É a partir dessas observações que Marshall elaborou modelos indutivos para explicar como diversas empresas autônomas conseguiam estabelecer a quantidade produzida sem um controle central 24, de onde foram inspirados os modelos de concorrência perfeita.

Silva (2010) relata que parte da inspiração de Marshall teria vindo da leitura de Darwin e que o seu esforço de retratar uma dinâmica das empresas se dava dentro da sua percepção e das possibilidades de explicação da época. Teria sido assim que Marshall recorreu aos mecanismos da termodinâmica para explicar o comportamento das empresas em três escalas de tempo: curto, médio e longo prazo. E, inspirado pela biologia, inseriu a eficiência produtiva como mecanismo de seleção. Dessa forma, as empresas mais eficientes seriam as sobreviventes. Isso também resolvia a questão da “evolução” tecnológica, pois, à medida que uma tecnologia ficava ultrapassada, ela deixava de ser eficiente e perecia, dando espaço a novas empresas e tecnologias. Hoje e, mesmo, pouco tempo depois da sua publicação, fica perceptível que sua explicação tinha limitações. Apesar disso, ela influenciou e ainda influência inúmeros modelos do pensamento econômico.

Dadas as características observadas, a explicação de Marshall passava pela ideia de uma firma representativa média, utilizada nos modelos de concorrência perfeita. As críticas mais consistentes, muitas feitas por seus discípulos, focavam nessa questão. Inicialmente Sraffa (1977) teria levantado a questão para as diferenças de produtos e empresas que não eram cabíveis em uma firma representativa. Essa discussão foi estendida com Robinson, Chamberlein e Kaldor (1933; 1933; 1934 apud TIGRE, 2005), resultando nos modelos de 24 Muito desta descrição foi retirado de Tigre (2005).

concorrência imperfeita, dentre os quais o de concorrência monopolística. É a partir daí que se tem uma empresa com características mais “contemporâneas” nas análises. Dentre essas características, as diferenças de tamanho e poder de mercado, mais compatíveis com as grandes empresas que surgiam nos EUA 25.

Toda essa discussão, acerca do tipo de concorrência, buscava aproximar os modelos teóricos da heterogeneidade empírica. Em paralelo a isso, Coase (1937) buscava uma questão mais “heurística”, a respeito de qual seria a “Natureza da Firma”? Coase (1992) relata que seus questionamentos se davam em meio à concorrência dos sistemas de coordenação: capitalismo e socialismo. Segundo o autor, a extrapolação do sistema socialista seria a visão do Estado inteiro como uma grande empresa. A contraparte disso seria a livre iniciativa capitalista. Entretanto, por que as empresas entrepõem as iniciativas individuais (de pessoas)? Sua explicação é que haveria custos para operar o sistema de preços (mercado). Assim, as empresas seriam o mecanismo de internalização desses custos de operação. A ironia da sua observação é que, dentro das empresas, não vigoram as “leis de mercado”.

Essa questão levantada por Coase (1937) foi aprofundada por Williamson (1979) de forma a consolidar a Teoria dos Custos de Transação (TCT). Sob essa ótica, a definição da empresa é dada por um “nó”, um nexo de contratos. Além de dar uma explicação para a existência das firmas, essa abordagem teórica acrescentou uma interpretação para as suas diferenças de tamanho. Assim, quanto mais custos de transação a firma internalizasse, maior ela seria. A principal crítica a esse ponto de vista é que não se tem uma delimitação clara de como se distingue uma firma de outra (CORIAT; WEINSTEIN, 2011), pois existem fornecedores, trabalhadores, clientes; e toda negociação pode ser entendida como um contrato de compra e venda. Outro ponto de crítica é que, apesar da discussão reconhecer em seus pressupostos a existência de racionalidade limitada, isso se dá como um custo de transação em uma abordagem neoclássica. Nesse caso, além da firma ser representada por um conjunto de contratos, todos eles seriam resultantes de escolhas ótimas (DEMSETZ, 1996; HODGSON, 2003).

Marengo e Dosi (2005) argumentam que, apesar da abordagem de custos de transação capturar alguns determinantes da estrutura de governança, ela “não conta toda a história”. Os autores lembram que a lógica por trás dos custos de transação não é tão perceptível na história da firma, em que o processo de verticalização parece estar mais relacionado com o ciclo da 25 Pitelis (2006) discuti que essas diferenças também foram consequência das diferenças de características da indústria que surgia na Europa em relação a que surgia nos EUA. Para o autor isso também afetou as formas de atuação das políticas de concorrência e, como consequência, nos padrões de desenvolvimento industrial.

indústria (KLEPPER, 1997) do que a internalização de custos. Além disso, tecnologia e divisão do trabalho são tomadas como dadas, de onde a estrutura organizacional é derivada; ignorando a possibilidade de as tecnologias adotadas serem, ao menos, parcialmente determinadas pela estrutura organizacional. Por fim, Marengo e Dosi (2005) encerram suas críticas lembrando que não há um mecanismo pelo qual uma estrutura de governança superior emerge. “Proving that a given governance structure is more efficient than another one is not

an explanation of its emergence through ‘spontaneous’ processes driven by market selection”

(MARENGO; DOSI, 2005, p. 306) 26.

Uma terceira abordagem, que é a de interesse deste estudo, é a apresentada por Penrose (2006), mais tarde revisitada por Nelson e Winter (2005). A firma de Penrose (2006) teria duas funções principais: a de acumular capital e a de acumular capacidades, de maneira que “uma teoria do crescimento das firmas constitui essencialmente um exame das mutáveis oportunidades produtivas” (PENROSE, 2006, p. 72). Em muitos casos, as empresas permanecem existindo por vários anos, como é o caso da DuPont, que já existia na época de Marshall 27. Além disso, as empresas variam em tamanho, localização e outros fatores, que geram problemas específicos. Parte dessas especificidades podem ser explicadas pelos custos de transação, mas eles não são suficientes para explicar outras questões, como capacidades e competências.

As capacidades de Penrose (2006) podem ser compreendidas como um know-how específico, contínuo e cumulativo. Pense, por exemplo, em um bom marceneiro, um bom pedreiro, ou um bom alfaiate, o know-how é resultado de anos de tentativa e erro e aperfeiçoamento. Nelson e Winter (2005) destacam que é com a definição de rotinas que as empresas conseguem institucionalizar as suas tentativas e erros e, portanto, o seu know-how coletivo. Retomando o exercício de Coase (1937), que reduziu as transações ao nível do indivíduo, também é possível reduzir o know-how ao nível do indivíduo. Ele se dá pelo pedreiro, o marceneiro e o alfaiate, citados anteriormente.

A reunião de diversos indivíduos, e know-hows, em uma empresa é capaz de criar o que é entendido em sistemas complexos como um fenômeno de “emergência” 28. Esse

fenômeno implica que as capacidades produzidas por uma organização com cem indivíduos são maiores do que a soma das capacidades dos cem indivíduos isolados. Esse resultado não é

26 Tradução própria: “Provar que uma dada governança é mais eficiente que outra não é uma explicação da sua emergência através de um processo ‘espontâneo’ guiado por seleção de mercado”.

27 Como relata Teece (2010).

diferente do que Smith (1996) falava quando da divisão do trabalho na fábrica de alfinetes, nem da sua mão-invisível. Para Nelson e Winter (2005), a rotina (a técnica) pode ser entendida como o gene de mutação darwiniano. Ou seja, o elemento que gera a diversidade. Assim, as técnicas seriam modificadas e adaptadas de acordo com a sua “sobrevivência” no ambiente em que estão inseridas. Uma versão um tanto diferente da proposta por Marshall.

Retomando a analogia da rede de relações do início desta seção, percebe-se na firma um importante nó institucional, tanto de contratos, quanto de competências. Nesse sentido, as firmas são soluções organizacionais para os dilemas econômicos do que produzir, como produzir e quanto produzir. O que já seria suficiente para ressaltar a sua importância na análise econômica. Um elemento reintroduzido pela abordagem evolucionária, e que está implícito na ideia de rotinas de Nelson e Winter (2005), é a aplicação do conceito de racionalidade limitada de Simon (1976) que contrapõe a ideia de escolhas ótimas e maximizadoras, além da sua inaplicabilidade empírica – essas só existiriam em sistemas fechados e completos, o que não é o caso dos sistemas econômicos (ELSNER et al., 2014). Assim, reconhecer a firma enquanto unidade de análise, além de compreender que nela ocorrem diversas relações econômicas (e não econômicas), é entender que nela são desenvolvidos diferentes mecanismos de produção, transação e cooperação, em que cada ponto de decisão será confrontado com um ambiente de mercado (seleção), resultado da soma das outras decisões, conjuntas (estratégicas) e históricas (estocásticas).