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3 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA, UMA DESCRIÇÃO

3.1 POLÍTICAS INDUSTRIAIS NO BRASIL

3.1.5 Mudança de contexto

O contexto do programa era de crescimento econômico mundial consistente e de amplas reservas internacionais. Internamente, três fatores mudavam a estrutura dinâmica da economia: o aumento da formação bruta de capital fixo (FBCF) – que teria sido estimulado pelos outros dois fatores – os programas de redistribuição de renda e o aumento do crédito para consumo. Esses três fatores teriam criado um “ciclo virtuoso” (KUPFER; FERRAZ; MARQUES, 2013) em que o PDP desenhava quatro desafios: o aumento da capacidade de produção (Oferta), o aumento das taxas de inovação, a manutenção da estabilidade da conta corrente e a melhoria do acesso aos mercados das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME). Para tanto, quatro metas macroeconômicas foram estabelecidas: o aumento da participação da FBCF no PIB, o aumento dos investimentos privados em P&D em relação ao PIB, o aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais e o aumento no número de MPME exportadoras 103.

Mais uma vez, a política foi elaborada em um contexto e executada em outro. Diferentemente do anterior, a inversão desse período (2008-2010) foi “negativa”. O período de consistente crescimento mundial foi interrompido pela crise financeira de 2007-2009. A crise inicialmente não atingiu o dinamismo interno que o Brasil apresentava naquele período. Porém, inviabilizou as metas macroeconômicas do PDP, que dependiam do fluxo de recursos internacionais para viabilizar investimentos e do crescimento mundial para viabilizar as metas de exportações do programa (KUPFER; FERRAZ; MARQUES, 2013).

Diante dos desafios de desaceleração que o Programa Brasil Maior (PBM) foi implantado em 2011. Seus objetivos pretendiam fortalecer competências, proporcionar ganhos de competitividade e tecnologia através da integração nas cadeias globais de valor, da expansão de mercados para empresas brasileiras e assegurar um crescimento inclusivo com sustentabilidade ambiental (KUPFER; FERRAZ; MARQUES, 2013). Na leitura de outros autores, como Almeida (2013) e Laura Carvalho (2018), o PBM era, na verdade, a dobra da aposta no PDP.

Kupfer e outros (2013, p. 359–360) descrevem que, em meio ao aumento da competição internacional, com iniciativas protecionistas em diversos países, o PBM focou na proteção do mercado interno, aplicando uma série de medidas para redução de custos: redução 103 Para mais detalhes ver Kupfer e outros (2013, p. 354).

de juros para aquisição de bens de capital, cortes de impostos na folha de pagamento 104, nas importações, nas exportações e redução das despesas com energia elétrica. Ainda conforme Kupfer e outros (2013, p. 360), essas medidas buscavam a manutenção da lucratividade das operações industriais para “encorajar o retorno positivo dos investimentos em capital” 105. Laura Carvalho (2018) aponta que as empresas já estavam endividadas nesse período e que não haveria motivação para investir em capacidade produtiva diante de uma economia desaquecida. A autora aponta, ainda, que o aumento da lucratividade não impactou o lucro total, afetado pela queda das receitas. Assim, essa série de estímulos e incentivos apresentaram efeitos no curto prazo, mas não se sustentaram, implicando em uma série de complicações fiscais. Em outras palavras, os esperados investimentos privados não se materializaram, a economia desacelerava e o Estado havia realizado uma série de renúncias fiscais.

Em 2015, por pressões de grupos de interesse, a política nacional retoma os termos de austeridade. Os resultados de uma política restritiva, em um ambiente recessivo, levaram a um novo golpe de Estado 106. Desde então, apesar de uma tendência de orientação econômica neoliberal e da implantação de políticas horizontais, como a reforma trabalhista e a implantação do teto dos gastos, o Estado não consolidou uma coordenação política, como a ressaltada por Suzigan e Furtado (2006).

A respeito do último conjunto de políticas industriais, pós 2003, Almeida (2013) coloca todas em uma análise só. Como políticas industriais que não se adequariam nem as “velhas” nem as “novas” políticas industriais 107. Para o autor, a política aplicada teria focado

na concentração da produção de commodities, influenciada por uma tentativa de criação de campeões nacionais, com foco no financiamento de grandes empresas a partir de 2008. O autor resume que “na prática, a política industrial brasileira via BNDES apoia empresas que já são grandes em setores nos quais o Brasil já é competitivo” (ALMEIDA, 2013, p. 285). Essa 104 Entre estas desonerações da folha de pagamento estava a alteração do cálculo da contribuição patronal que passava de 20% sobre os salários e passou a ser entre 1% e 2% do faturamento da Pessoa Jurídica (CARVALHO, 2018, p. 70). Faço esse destaque pois, durante o processo de escrita desse trabalho, o congresso brasileiro aprovou uma “inquestionável” reforma previdenciária.

105 Essas medidas foram acompanhadas da redução da taxa de juros e desvalorização cambial. Medidas que ficaram rotuladas na imprensa como a “nova matriz econômica”. Carvalho (2018) aponta que, dada a origem patronal destas medidas, um melhor termo para elas seria “Agenda FIESP”.

106 Leitura própria que, me parece, vem se tornando consenso. Contudo, ainda não tivemos o distanciamento necessário para analisar e, ao que tudo indica, ainda estamos no meio do mesmo ciclo de eventos.

107 Essa distinção é feita da seguinte forma, a velha política industrial seria a baseada nas políticas da Coréia do Sul entre os anos 1960 e 1970, focada no apoio a grandes grupos industriais; enquanto que a nova seria a sugerida por Rodrik (2004), entre outros autores, focada no apoio público não majoritário para o desenvolvimento de novos setores, produtos, ou resolução de problemas específicos. Para mais detalhes ver Almeida (2013).

parece ser uma visão mais genérica e focada em alguns elementos de tudo o que se passou nesse período, embora não seja uma visão necessariamente equivocada. Laura Carvalho (2018), que faz uma recapitulação mais demorada desses fatos e, embora não tenha como foco a análise das políticas industriais, destaca o lobby realizado por diferentes grupos de interesse para a expansão e manutenção de diversas desonerações fiscais aplicadas no período. Na prática, atuaram como transferência de renda “para os mais ricos” (CARVALHO, 2018, p. 74). Isso vai ao encontro com as críticas feitas por Rezende (2013 apud LIMA, 2017) aos programas que, no caso do PDP, não teriam como foco setores intensivos em P&D e que os desembolsos realizados pelo BNDES (vinculado à política) teriam privilegiado setores mais concentrados, no caso do PBM. Na visão do autor, esses indícios iriam no sentido contrário a uma política de inovação que gerasse benefício difuso na sociedade.

Em todo esse período os parques tecnológicos nunca fizeram parte dessas políticas industriais. Eles entram na discussão como “outra coisa”, motivados, ou influenciados por essas discussões em torno das políticas industriais. Na verdade, os parques tecnológicos brasileiros surgem por outra via, a da pasta de ciência e tecnologia. Ficando descolados de uma orientação central, na forma de uma política industrial.