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1.2 A FIRMA COMO AGENTE DE INOVAÇÃO

1.2.3 Estratégias de competição/adaptação

Esta seção ressalta a importância da firma como unidade de análise econômica. Essa importância se dá pela sua heterogeneidade de técnicas e comportamentos que são confrontadas em um ambiente de seleção que, usualmente, é definido como mercado. Quando refutamos a análise da firma de comportamento médio/representativo em um ambiente estático, uma porta é aberta para uma infinidade de comportamentos e percepções. Em síntese, a cada instante, as firmas e demais agentes econômicos são impelidos a tomar uma decisão dentro de um determinado contexto. A maneira como é “pensada” essa decisão é o que é chamado de estratégia. A dificuldade em se tratar de estratégias de forma teórica é que elas podem ser inúmeras, elas também podem ser um combinado de diferentes estratégias em diferentes espectros e gradações, além de ser possível alterar a estratégia ao longo do tempo (TIGRE, 2006). A solução analítica para esse horizonte de possibilidades é a classificação e a tipificação das estratégias, é por isso que, nesta seção, será utilizada a classificação de estratégias tecnológicas de Freeman e Soete (2008), referenciadas por Tigre (2006), como mecanismo de discussão das estratégias de competição.

Ao apresentar a firma como unidade de análise, foi dada maior importância aos aspectos internos enquanto, do ambiente de seleção, foram ressaltados os aspectos externos. Para tratar de estratégia é necessária a combinação de ambos, relacionando-os com os objetivos da empresa. Para chegar a essa síntese, Tigre (2006) apresenta quatro enfoques diferentes, porém complementares em que estratégia: (1) é a forma que a empresa se relaciona com o ambiente externo, (2) é o comportamento que visa influenciar seus concorrentes, (3) é baseada nos recursos disponíveis da empresa, (4) é focada na criação de capacidades dinâmicas.

Os dois primeiros são voltados para o ambiente externo. Porter (1980 apud TIGRE, 2006) estaria por trás do primeiro enfoque, que ressalta as diferenças setoriais como as mais importantes. Destacando cinco forças: barreiras à entrada; ameaça de substituição; poder de barganha de fornecedores e de clientes; e rivalidade entre competidores. O segundo enfoque teria como origem as novas teorias da organização industrial e a teoria dos jogos. Diferente do primeiro, não toma a estrutura como dada pelo mercado, o objetivo da firma seria atuar estrategicamente para alterá-la de forma vantajosa (TIGRE, 2006) 35.

Os dois últimos enfoques ressaltam o ambiente interno. O primeiro destaca que o comportamento estratégico da firma deveria potencializar suas vantagens competitivas, seus recursos. O que não seria limitado à matéria-prima ou localização, mas (também) ao acesso privilegiado de tecnologias, suas capacitações internas (know-how) e de recursos específicos. O outro enfoque, das capacidades dinâmicas, é semelhante, mas a discussão apresentada por Teece e Pisano (1994) vai além dos recursos disponíveis à empresa e destaca a importância da criação de novas capacitações como uma preocupação estratégica. Aspectos limitantes ao desenvolvimento dessas capacitações seriam os custos de transação, a necessidade de ativos complementares e de um processo cumulativo de aprendizagem (path dependence) (TIGRE, 2006).

A combinação desses diferentes enfoques permeia a classificação das estratégias tecnológicas definidas por Freeman e Soete (2008). Tigre (2006) ressalta que estratégias competitivas e tecnológicas não são, necessariamente, a mesma coisa. Apesar disso, sua interação é tão intensa que uma repercute na outra. Seriam seis as estratégias tecnológicas apresentadas pelo autor: ofensiva, defensiva, imitativa, dependente, tradicional e oportunista. As três primeiras têm uma ação mais ativa em relação ao esforço de inovação, enquanto as três últimas são de um caráter mais passivo.

Começando pelo segundo grupo, as empresas com uma estratégia tecnológica dependente atuam de forma subordinada. Isso fica evidenciado em empresas que são franquias ou subsidiárias, mas também seria o caso de empresas que sejam a terceirização da produção de outra empresa, ou daquelas que utilizam licenciamentos. Essa estratégia requer pouco esforço de inovação, corroborado pela necessidade de equipes focadas em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), desenho de produtos e publicidade. As empresas com uma estratégia tecnológica tradicional são aquelas presas aos hábitos do consumidor e a tradição

35 Esse embate teórico entre uma teoria mais estrutural (ECD) e outra mais comportamental (Nova Economia Industrial), já foi apresentado na seção anterior.

envolvida na marca da empresa. Tigre (2006) ressalta que essas empresas seriam de pequeno porte e sem condições de realizar grandes investimentos para acompanhar o mercado. Essas empresas ficariam aprisionadas pela tradição de seus produtos, que garantem a manutenção das suas vendas. O autor ressalta também que, no longo prazo, essas empresas tendem a ser “varridas” do mercado. Por fim, a estratégia oportunista só ocorre devido à facilidade oferecida por uma oportunidade temporária de mercado. Como em um choque de demanda ou de oferta exógeno. Nesse sentido, o caráter principal desse grupo passivo de estratégias tecnológicas é que ele não possui um esforço de inovação e, portanto, seu desempenho está mais atrelado a fatores externos à firma, como ciclos econômicos, hábitos de consumo, estrutura do mercado e disponibilidades locais.

Em contrapartida, as estratégias tecnológicas ativas necessitam de um esforço efetivo de inovação. Apresentando-as de forma gradativa, da menos intensa para a mais intensa, a estratégia imitativa busca estabelecer a presença no mercado sem ambicionar a sua liderança. Tigre (2006) ressalta que esse comportamento é mais presente em países em desenvolvimento, pois estão mais distantes do interesse das empresas inovadoras. O autor também destaca que essa era a prática comum no Brasil durante os anos de substituição de importações. Nesse período, criou-se um mercado interno cativo, em que produtos similares aos que havia no exterior seriam suficientes. Como não havia uma pressão competitiva, o tempo de transmissão de novos produtos e tecnologias era muito mais longo. Essa estratégia tecnológica também é possível quando existem vantagens locacionais, como acesso a matérias-primas ou consumidores.

A estratégia imitativa requer algum esforço de inovação, com equipes capacitadas para o desenvolvimento de produtos. Porém, isso não ocorre através de uma pressão competitiva. Tal estratégia perdeu efetividade com o fortalecimento dos mecanismos de proteção à propriedade intelectual (FORERO-PINEDA, 2006) 36 - que torna esse processo mais lento e menos arriscado.

Isso é diferente da estratégia defensiva, em que a atuação se dá em meio a um ambiente de competição. O que pauta essa estratégia é um comportamento moderado em relação ao risco, não objetivando desbravar novos mercados. A empresa defensiva busca absorver o aprendizado das pioneiras para se lançar em um mercado mais amadurecido e

36 Forero-Pineda (2006), lembram que esta mudança dos regimes de proteção intelectual impactaram, inclusive, a forma como as instituições de pesquisa se organizavam, pois as universidades e centros de pesquisa, financiados com recursos públicos, não buscavam a produção de um conhecimento livre, mas, sim, a produção de propriedades intelectuais.

menos custoso do que quando as pioneiras se lançaram. Tigre (2006) ressalta que a empresa defensiva não pretende apenas copiar a inovadora, mas superá-la. O autor também destaca que essa estratégia é típica em oligopólios, pois, uma vez conquistado um mercado, as empresas líderes tradicionais deixam o ônus dos riscos da inovação para outros atores do mercado, só respondendo em caso de a inovação ter sido bem sucedida. Assim, a estratégia atua como um seguro contra a obsolescência tecnológica dos produtos (TIGRE, 2006). Para tanto, a empresa precisa reunir capacidades para acompanhar os avanços das concorrentes e responder rapidamente, caso necessário.

Por fim, a estratégia tecnológica ofensiva refere-se à empresa que atua, ou pretende atuar, como líder tecnológica de determinados segmentos da indústria. Dessa forma, seu esforço de inovação é ainda maior que o da empresa defensiva e seus custos (e desperdícios) em relação a esse esforço também. Tigre (2006) destaca que existem diferentes demandas no processo de desenvolvimento e lançamento de um produto no mercado (além de conhecimento técnico, também estariam envolvidos conhecimentos administrativos e comerciais). Em função dos altos custos gerados pelas tentativas e erros e do interesse pela extensão do ciclo de vida do produto, essa estratégia seria mais comum a grandes conglomerados e oligopólios. Entretanto, Tigre (2006) lembra também que pequenas empresas podem atuar nessa estratégia a partir de spin-offs e incubadoras 37. Essas iniciativas objetivariam provar um conceito ou técnica, diminuindo as incertezas dessa primeira etapa. O avanço do desenvolvimento do produto se daria por aportes de investimento de risco, ou pela aquisição da empresa por outra maior. Tigre (2006) ressalta que, para a efetividade da estratégia ofensiva, é necessária a disponibilidade de infraestrutura. Motivo pelo qual o autor destaca a importância do esforço de entidades públicas e privadas na criação de ambientes como incubadoras e parques tecnológicos.

Um resumo do que foi discutido sobre estratégias tecnológicas pode ser visto no Quadro 1, a seguir. É importante ter em mente que este quadro, bem como esta tipificação, compreende um esforço de classificação das diferentes estratégias adotadas por empresas. Diferentes gradações de intensidade devem responder a características específicas da indústria, da estrutura de mercado, do local de atuação, dos hábitos do consumidor, da regulamentação e da composição das instituições.

Quadro 1 - Resumo estratégias tecnológicas

Padrão Estratégia Atuação

Esforço de Inovação Foco de Gestão P assi va

s Dependente Subordinada; 1 Custos e qualidade;

Tradicional Hábitos do consumidor; 1 Qualidade e custos;

Oportunista Mudança de cenário. 1 Inteligência de mercado.

Ativas

Imitativa Cópia de Tecnologias,

reserva de mercado; 2

Diversos (custos, logística...); Defensiva Absorção do aprendizado

de inovadoras; 3

Aprendizado e inteligência de mercado;

Ofensiva Líder tecnológica. 4 Inovação.

Fonte: Elaboração própria (2020) com base em Tigre (2006)

No Quadro 1, foi inserida uma coluna de “Esforço de Inovação”, com valores de 1 a 4, com o objetivo de retratar o peso dele na estratégia tecnológica da empresa. Apesar dessa classificação permitir alguma tipificação, ela pode induzir a ideia de que o esforço de inovação seja exercido apenas em gastos com P&D individualizados. Um elemento adicional a essa questão é que os altos custos envolvidos na atividade inovadora também estimulam as empresas a agirem de forma cooperativa. Assim, elas estabelecem relações que vão além da concorrência de mercado, pura e simples, formando um conluio 38 com parte da cadeia de produção (vertical), ou dos participantes do mercado (horizontal).

Britto (2013) ressalta que, com o aumento da concorrência a nível global e das atividades e produtos cada vez mais complexos, a estratégia de muitas empresas têm sido a divisão de tarefas do processo produtivo – uma extrapolação da fábrica de alfinetes de Smith. As empresas seriam cada vez mais especializadas na elaboração de produtos/insumos e atuariam de forma cada vez mais integrada em uma grande cadeia produtiva, compondo cadeias globais de valor – que se tornaram uma temática em si.

Esse comportamento cooperativo é analisado como redes de cooperação e compõe um elemento diferente do entendimento comum da concorrência. Para Britto (2013, p. 212), há uma “confusão semântica entre os conceitos de ‘empresas em rede’, ‘redes de empresas’ e ‘indústrias em rede’”. O primeiro conceito teria relação com a modulação da empresa 38 Não necessariamente um conluio de preços, como no caso dos cartéis.

multidimensional, o segundo trata de arranjos resultantes de vínculos sistemáticos entre empresas, e o terceiro está relacionado com o padrão de interconexão e compatibilidade, muito presente em setores de infraestrutura.

Focando no conceito de redes de empresas, Britto (2013) destaca três tipos de cooperação:

• A cooperação técnico-produtiva, que tem como principais objetivos a busca de eficiência operacional e a flexibilidade produtiva. Para tanto, as firmas precisam compatibilizar seus níveis de desempenho técnico produtivo. Em termos de eficiência operacional, isso varia em função das características dos produtos e tem sido aplicado em produtos modulares. Outra possibilidade é a melhoria da eficiência operacional através de ganhos na logística, nesse caso, o paradigma organizacional just-in-time tem sido um grande catalisador. Ao mesmo tempo, a flexibilidade produtiva é atingida pela possibilidade de fazer incrementos e ajustes em resposta às pressões competitivas do mercado de forma mais dinâmica.

• A cooperação interorganizacional proporciona maior flexibilidade estrutural e maior eficácia da coordenação. Britto (2013) também destaca que uma indústria com muita volatilidade estrutural tende a se constituir por uma empresa líder (núcleo) orbitada por outras, satélites. Isso aconteceria pela entrada e saída de empresas na rede. A respeito da eficácia de coordenação, ela poderia se dar em indústrias horizontais ou verticais, de forma bilateral, ou multilateral;

• Na cooperação tecnológica o objetivo é ampliar a capacidade inovativa, através da aglutinação de competências em projetos conjuntos, e do aprendizado coletivo, com a circulação de conhecimento informal. Ou, ainda, na forma de P&D conjuntos e da difusão de tecnologias (BRITTO, 2013).

Britto (2013) apresenta uma sistematização da prática destes tipos de redes de empresas que podem ser na forma de:

• Subcontratação, constituída de redes verticais, resultado da desintegração de um grupo industrial;

• Distritos e aglomerações industriais, quando existem relações, tanto verticais, quanto horizontais, resultando em economias marshallianas. Essas economias produziriam vantagens competitivas através da redução de custos, entre outras externalidades aglomerativas;

• Redes tecnológicas, que constituem a integração de competências e o fortalecimento das ligações entre agentes. Isso levaria a redução do custo e do tempo de desenvolvimento de produtos e na consolidação da cadeia produtiva.

Essas formas de cooperação trazem mais complicadores à análise da firma, pois, além de fugir ao entendimento “comum” de concorrência de preços, elas apresentam diferentes composições que são específicas e, por vezes, subjetivas a cada empresa. Isso em conjunto com as outras abordagens teóricas de foco em elementos internos e externos à firma, e as estratégias tecnológicas, ativas e passivas, apresentam uma diversidade de enfoques possíveis para a análise dos problemas econômicos consideravelmente maior do que preços e quantidades.

Nesse sentido, a análise das estratégias competitivas pode ser feita com o enfoque no desenvolvimento de capacidades dinâmicas, um elemento interno à firma. Na estrutura e nas características setoriais, como na abordagem do paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD). Ou, ainda, dando ênfase ao comportamento estratégico das firmas, como feito pela Nova Economia Industrial (NEI). Determinar que alguma dessas abordagens seja “correta”, enquanto as outras sejam “erradas”, seria um equívoco, pois há pouco consenso em relação a consistência das estimações de relações estruturais (SCHMALENSEE, 1989) e um enfoque unicamente comportamental fica restrito a arbitrariedade do pesquisador (SUTTON, 2007). Possivelmente, o mais adequado seria interpretar essas abordagens como diferentes dimensões de análise da questão estratégica. Algo parecido pode ser dito para as decisões de cooperar ou competir e aos tipos de cooperação e de competição. Ou seja, são inúmeros os tipos de comportamentos possíveis de serem adotados pelas empresas.

Por exemplo, em uma situação hipotética, se ao invés de considerarmos os elementos citados anteriormente como dimensões e passarmos a considerá-los como escolhas discretas. Cada firma teria quatro possibilidades de escolha analítica (especialização, capacidades dinâmicas, ECD e NEI). Em seguida, ainda em uma situação hipotética, essa firma poderia optar por competir ou cooperar. Para as que escolhessem competir, seriam outras seis possibilidades de competição dadas pelas estratégias tecnológicas ativas e passivas. No caso da cooperação em rede, seriam outras três possibilidades (técnico produtiva,

interorganizacional e tecnológica). Todas essas ramificações somam 36 possibilidades de enquadramento estratégico, para uma única firma. Caso imaginemos um mercado com duas firmas, as diferentes combinações possíveis somariam 1.296 possibilidades (362).

Apesar do número elevado, é bastante provável que a realidade traga um valor ainda maior, pois, em geral, os mercados são compostos por mais de duas empresas e, como mencionado, as dimensões e estratégias não são, necessariamente, discretas. Ao mesmo tempo, as dimensões de análise e as estratégias de competição e cooperação citadas não dão conta de toda a literatura sobre o tema. Essa complexidade latente resume o objetivo desta seção que pretendia desconstruir a visão de uma firma racional, maximizadora e de escolhas ótimas, apresentada pela teoria da firma tradicional/ortodoxa. Isso está em linha com abordagens econômicas indutivas como as apresentadas por Nelson e Winter (2005), Dosi (2006), Penrose (2006), Freeman e Soete (2008), Nelson e outros (2018), Possas (1983), entre tantos outros.