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2 UMA INTERPRETAÇÃO PARA OS PARQUES TECNOLÓGICOS

2.1 CONTEXTO ECONÔMICO DOS PARQUES TECNOLÓGICOS

Esta análise segue em um nível amplo, observando os grandes movimentos da economia mundial e as tendências em meio ao que acontecia na segunda metade do século XX. É nesse período que as principais instituições de coordenação econômica mundiais são criadas – motivadas por crises e conflitos anteriores, bem como contrastando com o sistema colonialista que perdurou até metade do século XX 49. Os planos de reconstrução e desenvolvimento foram realizados a partir das instituições internacionais criadas, mas, além disso, motivados por ambições econômicas e de concorrência ideológica 50. O enredo desses movimentos também pode explicar alterações significativas nos níveis de renda. O caso do Japão é emblemático nesse sentido. Seu desenvolvimento teve uma relação direta com os recursos enviados pelos EUA, bem como com a demanda constante proporcionada pela Guerra da Coréia.

49 Frieden (2008) destaca por diversas vezes o esforço americano em quebrar o monopólio comercial do Reino Unido sobre suas colônias, em meio as tratativas para sua participação da II Guerra Mundial.

Em virtude da importância de tais eventos é que este subcapítulo faz uma rápida recuperação deles. Seus desdobramentos, a partir de 1940, que levariam a constituição de duas importantes instituições mundiais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Mais tarde, ainda seguindo a mesma cadeia de eventos, foi criada a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa recapitulação é feita predominantemente com base no livro de Frieden (2008), mas, também, com o auxílio dos livros de Brasseul (2011) e Varoufakis (2016). Mesmo reconhecendo que essas instituições tiveram uma perda de importância relativa como mecanismo de redirecionamento de investimentos 51, elas cumpriram e cumprem um importante papel de difusor de ideias e de práticas de política pública (LUNDVALL; BORRÁS, 2005).

No mundo anterior à II Guerra havia um protagonismo emergente dos EUA, que tentava impor-se em meio a barreiras comerciais garantidas pela exclusividade sobre colônias, em especial das britânicas. Esse movimento contava com a iniciativa de internacionalização das empresas e era amparado pelas leis antitruste, conforme comentado por Bianchi e Laborey (2006) e Forero-Pineda (2006). Além disso, o mundo ainda estava sob a sombra das consequências da primeira guerra mundial e da crise financeira de 1929. Frieden (2008, p. 263) destaca que, antes do estouro da II Guerra, os EUA já tinham discussões acerca de como difundir a “sua visão de mundo”. Essa visão ainda estava em um processo de consolidação, mas era resultado de uma interação entre governantes e empresários e tinha três fatores principais: livre comércio, estabilidade monetária e recuperação dos investimentos internacionais (FRIEDEN, 2008, p. 283).

A discussão em torno do livre mercado era resultado do esforço (de empresas) americano para conquistar novos mercados. Frieden (2008) destaca um conflito interno dos EUA entre os defensores do livre mercado e os isolacionistas. Ao fim da guerra, os industriais (contrários) passaram a ser entusiastas da causa, aproveitando-se da sua superioridade tecnológica em relação aos outros países. Todavia, antes de se chegar a esses posicionamentos, uma série de acordos foram estabelecidos entre EUA e Inglaterra. Inclusive, Frieden (2008) lembra que esses acordos teriam sido as condições impostas para que os EUA entrassem no conflito. Como destaque, o autor menciona que a questão do fluxo monetário era um problema menos conflituoso do que o comercial. No comercial, havia interesses conflitantes entre os diferentes conglomerados; enquanto o setor financeiro (embora importante) não teria o mesmo grau de conflito devido a sua pulverização (na época).

As tratativas em torno dos fluxos de capital faziam parte da discussão encabeçada por Keynes e White, em 1940. A discussão se dava com relação à volta do padrão-ouro, de 1930 (FRIEDEN, 2008, p. 285), que geraria alguma rigidez das políticas monetárias, e uma opção que permitisse aos países agirem de forma independente no câmbio. A solução encontrada propunha uma estabilidade internacional através de um padrão ouro-dólar, com flexibilidade doméstica para intervenções cambiais (FRIEDEN, 2008). A utilização do dólar como âncora foi uma demonstração da força americana nas negociações. Varoufakis (2016) lembra que a proposta de Keynes era a criação de uma moeda internacional. Para coordenar os fluxos de capital mundial, seria necessária a composição de um fundo de moedas. Nele, ouro e diferentes moedas seriam depositados pelos países membros a taxas definidas; o que permitiria flexibilidade monetária aos países. Além disso, o fundo realizaria empréstimos aos países membros em tempos de dificuldades. A preocupação com a estabilidade monetária se originava no entendimento de que a especulação traria mais efeitos nocivos do que os benefícios trazidos pela mobilidade de capital (FRIEDEN, 2008, p. 285) 52.

Esse fundo, que seria a gênese do FMI, garantiria a estabilidade monetária. Entretanto, Keynes e White ainda estariam preocupados em como garantir que os investimentos de longo prazo fossem direcionados para as regiões “certas”, como países subdesenvolvidos e aqueles mais afetados pela guerra. Havia dois entraves principais que preocupavam os acadêmicos: (1) os investimentos não poderiam ficar sujeitos às intrigas internacionais 53; (2) não haveria interesse de credores em proporcionar tais empréstimos, devido ao seu risco e tempo de maturação. A solução seria a criação de um “Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Banco Mundial)”. Esse captaria recursos de instituições financeiras a custos mais baixos, devido às garantias dadas por seus membros, e se encarregaria do direcionamento desses recursos (FRIEDEN, 2008, p. 286).

A constituição das duas instituições seria oficializada em julho de 1944, em Bretton

Woods. Como destaca Frieden (2008, p. 290), foram constituídas as duas instituições que

definiram a economia mundial nos 25 anos que se seguiram. Essas representavam um capitalismo organizado, com forte influência da social democracia que surgia na Europa como opção ao socialismo soviético. Apesar disso, tanto Frieden (2008) quanto Varoufakis (2016) destacam a frustração de Keynes com a influência política nos instrumentos idealizados, bem

52 Esse entendimento não teria agradado aos banqueiros. 53 Refletindo preocupações ao ocorrido depois da I Guerra.

como com a dominância americana nas definições de Bretton Woods. Os britânicos ainda não estavam atentos à mudança política ocorrida no mundo.

A importância dos acordos oficializados em Bretton Woods iria além das instituições constituídas. Estaria, também, no ato de uma ação cooperada para estabelecer novos acordos comerciais e um princípio de consenso de ideais. Frieden (2008, p. 290) relata que os impactos causados pela guerra foram muito maiores do que o imaginado. Segundo o autor, nos países vencedores houve um retrocesso que chegou a ser de 25 anos; enquanto, nos perdedores, foi de 40, 50 e até 75 anos 54. Esse retrocesso na Europa foi contrabalançado pela

industrialização dos países americanos (para além dos EUA), reorganizando as balanças de força. Assim, segundo Frieden (2008), a imposição americana em Bretton Woods teria sido uma consequência muito mais das condições em que se encontravam EUA e Reino Unido (RU) do que de mentalidade.

De fato, a ideia de livre mercado não era uma unanimidade nos EUA. Entretanto, com o vácuo de poder na Europa e a precariedade das condições em geral, a presença dos EUA no restante do mundo deixava de ser uma demanda exclusivamente econômica e passava a ser geopolítica, em virtude do crescimento do bloco Soviético. Através de uma política de medo da ascensão do comunismo soviético 55 (a partir de 1947) o Plano Marshall passa a ser o protagonista do projeto de reconstrução da Europa e do Japão; além de ser uma alternativa ao plano de reconstrução Soviético, que atendia o grupo de economias da Europa Oriental. Frieden (2008) destaca que, em 1948, os EUA destinaram U$ 14 bilhões (5% do PIB daquele ano) ao programa. O rápido crescimento europeu e japonês, em conjunto com a liberalização de mercados, fez com que os EUA passassem a – além de exportar massivamente para esses países – importar deles. Esse movimento foi intensificado com o estouro da Guerra da Coréia, em 1950 (FRIEDEN, 2008).

Os países da Europa Ocidental teriam reestabelecido suas economias, em um curto período, apesar das consequências devastadoras da II Guerra. Essa recuperação foi garantida pela estabilidade econômica, que contava com a ampla influência americana – importante ressaltar essa estabilidade, pois o dia a dia econômico era cercado de conflitos comerciais no período anterior. Por sua vez, a influência americana era exercida como um objetivo geopolítico que transmitia, além de recursos, um projeto de desenvolvimento. Cerca de 25 anos depois do fim da II Guerra, essas economias estavam alinhadas em um nível equivalente 54 A medida do autor é feita com base no nível da capacidade produtiva em relação a seus níveis históricos. 55 Frieden (2008) faz uma ressalva de que a definição de comunismo utilizada pelo bloco desagradava a esquerda da época.

de renda. Essas passaram a constituir, em 1961, o “clube do primeiro mundo” (FRIEDEN, 2008). É fundada a OCDE.

Sintetizando um pouco esta discussão, tem-se uma forte influência dos EUA como difusor da ideia de livre mercado. Essa ideia foi relativizada na Europa para que se adequasse as demandas presentes nas sociais democracias que disputavam espaço com o bloco Soviético. O interesse pelo livre mercado foi um movimento de cunho geopolítico, bem como a recuperação da Europa, que se deu na forma de missão. Alguns dos resultados dessas políticas têm relação direta com a primeira parte da discussão feita no subcapítulo anterior. Em especial, em relação à controvérsia da convergência. Como mencionado, Baumol (1986) apresentava em seu estudo a convergência entre países a partir de uma base de dados histórica; De Long (1988) teria evidenciado que essa convergência se materializava somente a partir da II Guerra. Em complemento, Frieden (2008) destaca o impressionante movimento de

catching-up do Japão em conjunto com a Itália como países que fizeram tal movimento –

tanto Japão quanto a Itália fizeram parte dos projetos de reconstrução do pós-guerra 56. Frieden (2008) faz um comentário que soa direcionado a essa discussão, embora não a mencione: “Em 1950, dificilmente alguém poderia ter previsto a convergência entre os países que mais tarde formariam o clube do mundo rico da OCDE” (FRIEDEN, 2008, p. 310).

Outra relação que pode ser feita com o capítulo anterior diz respeito às diferenças institucionais. Como foi discutido, o que acontece em meio a esse período é uma quase imposição de visão de mundo, em função do poder econômico e militar americano. O resultado, em meados de 1960, é um grupo mais homogêneo de economias que atuam com instituições políticas e econômicas semelhantes.

Feitas estas breves observações, os fatos a serem destacados para o prosseguimento da discussão são a homogeneidade institucional e ideológica57, conseguidas ao longo desse período. Aqui, é assumido que essa homogeneidade pôde ser institucionalizada através da OCDE em seus países membros, servindo de referência para uma série de políticas adotadas ao redor do mundo. Esta discussão foi adiantada no primeiro capítulo, em que são apresentadas as políticas industriais de cunho científico, tecnológico e de inovação. Na narrativa apresentada neste capítulo, assume-se que há uma correlação na cronologia daquelas políticas, citadas no capítulo anterior, com o contexto mundial do pós-guerra e o processo de difusão dos parques tecnológicos no mundo. É importante notar que os parques tecnológicos 56 No caso da Itália, houve um projeto de integração das indústrias de aço e carvão da França e da Alemanha, da qual a Itália passou a fazer parte posteriormente (FRIEDEN , 2008).

são um pequeno elemento entre todos esses macro-movimentos, mas, o que será apresentado na próxima seção, é que o seu surgimento e difusão são reverberações desses movimentos.