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Amostra de língua escrita

No documento Para a história do português brasileiro (páginas 82-85)

A CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO INDIRETO NO PORTUGUÊS: ASPECTOS SINCRÔNICOS E

3. Resultados de estudos quantitativos: PE vs PB

3.1 Amostra de língua escrita

É fácil para os falantes do PB reconhecerem que a descrição das propriedades do objeto indireto apresentada na sessão anterior contempla os usos cultos, oral e escrito, da variedade lusitana, mas não os da variedade brasileira. Como sabemos, estudos sobre o PB atual mostram que, na língua falada, incluindo a dos falantes cultos, e na língua escrita menos formal, há uma tendência em substituir a preposição a pela preposição para com os verbos ditransitivos de transferência ou movimento. Além disso, os mesmos estudos

29 Entretanto, é preciso analisar a construção de Deslocamento à Esquerda Clítica com mais cuidado, uma vez que são constatados usos da preposição para nesses contextos, como notado por Peres & Móia (1995). Os autores, que têm por objetivo apontar erros ou desvios da escrita jornalística em relação à norma padrão, comentam o seguinte caso: (i) Para o jovem Proust esta filosofia parece-lhe a princípio irrefutável. (p.145)

O erro, segundo os autores, “...consiste apenas no facto de ter sido usada a preposição para em lugar da preposição a, que é, no português, a preposição característica dos complementos indirectos. Corrijamos, alterando a preposição e usando pontuação adequada:

(ii) Ao jovem Proust, esta filosofia parece-lhe, a princípio, irrefutável.” (p.146)

No entanto, tal uso pode não ser um caso de desvio de norma, mas uma possibilidade da gramática, uma vez que o PP está em posição periférica, deslocado, e pode ter seu licenciamento condicionado por outros fatores. Não haveria, assim, a obrigatoriedade de uma conectividade casual entre o pronome dativo e a frase preposicionada. Ou seja, a DEC teria propriedades distintas do redobro neste aspecto. O estatuto de erro ao uso da preposição

para na DEC pode ser questionado também quando se observa a sua ocorrência nos textos literários. O exemplo

abaixo foi encontrado no Memorial do Convento de José Saramago. (iii) ...para D. Maria Ana é que lhe vem chegando o tempo. (p. 69)

revelam a competição que se estabelece entre o uso da forma dativa lhe, as formas oblíquas a/para ele/s, a/para ela/s e o nulo anafórico. A baixa produtividade do dativo lhe no PB falado (cf.3.2) reflete não só uma reorganização do sistema pronominal na expressão das relações referenciais, mas também uma alteração no seu uso semântico-discursivo (cf. Kato, 1999; Ilari & alii 1996; Duarte, 2000). Desse modo, as formas lhe/lhes apresentam-se, tanto na fala como em certos gêneros de textos, não mais como formas de 3a pessoa, mas de 2a pessoa formal, ao lado dos correspondentes a você/a vocês; ou seja, ficam restritos à função oblíqua (cf. Galves, 1998, 2001). Em outras palavras, as mudanças no sistema pronominal atingem principalmente o campo de expressão da 3a pessoa.30

Vejamos, primeiramente, uma comparação entre o PE e o PB com uma amostra de língua escrita, constituída de entrevistas (12a-b) e anúncios (12c), coletada em revistas e jornais portugueses e brasileiros. Em relação ao PE, a análise do corpus nos revelou duas propriedades: (i) o complemento indireto de verbos ditransitivos de transferência e movimento é introduzido categoricamente pela preposição a (12a-c); (ii) a expressão anafórica da função se realiza exclusivamente com os clíticos dativos (12d):

(12) a. Pediram-me, inúmeras vezes, para explicar aos professores as causas do insucesso escolar de muitas crianças portuguesas imigrantes. (DNA, no177, 22/04/00) b. ...Eduardo Gageiro entregou todo o seu talento ao jornalismo. (DNA, no166, 05/02/00)

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d. …A pele do seu bebé é muito delicada e o seu rabinho é uma das zonas mais sensíveis do seu corpo. Ao estar permanentemente exposto à humidade e a outros agentes externos, é fundamental dedicar-lhe toda a atenção, oferecendo-lhe uma fralda com Cermo-protecção e Máxima Secura. (Pais & Filhos, no 105, 10/10/1999)

No PB, ao contrário, ocorre variação no uso da preposição a e para com os objetos indiretos (ex.13a). No entanto, o fato marcante que expressa claramente uma diferença entre o PB e o PE, é a substituição do clítico lhe/lhes pelas formas tônicas dos pronomes na expressões preposicionadas a/para ele/ela/eles/elas, sem o redobro, encontrados em anúncios (13a), entrevistas (13b-d) e reportagens (13e-f):

(13) a. Se o seu namorado merece mais do que rosas, dê para ele os melhores botões. Camisas Dudalina por Fernando de Barros. (Cláudia, 06/04/1999)

b. ...o mesmo respeito que merecem os professores de seus alunos, que dão a eles, lamentavelmente, um péssimo exemplo. (Veja, 08/03/00)

c. Segundo seu relato, um empresário do setor de ônibus contou a ele ter sido obrigado a aceitar um acordo para pagar 40.000 reais por mês. (Veja, 26/06/2002)

d. Em julho de 1980, o papa visitou o Rio Grande do Sul. Na oportunidade, eu era o presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre e entreguei a ele o título de cidadão porto-alegrense. (Veja, 26/06/2002)

e. Das biografias de Lula, minha predileta é a de seu mentor intelectual, Frei Betto. Se me nomeassem diretor da Eletrobrás, eu daria a ele a função de escrever um roteiro sobre o presidente. (Veja, 28/5/2003)

f. Expliquei a ele que a linguagem da televisão mudou nos últimos anos. E tentei convencê-lo de que as cenas não eram assim tão explícitas. (Veja, 28/5/2003)31 Como dissemos, na variedade culta lusitana, o emprego dos pronomes com verbos ditransitivos está condicionado por certas restrições, entre elas, o redobro do clítico (cf.10a-b) ou as interpretações contrastiva/enfática (14a-b), comumente licenciadas pela presença de expressões do tipo só, mesmo, etc.,:

(14) a. Enviei o livro a ele, não a seu irmão. b. Darei a notícia só a ele.

Podemos, assim, resumir as similaridades e as diferenças entre o PE e o PB, no que diz respeito ao emprego dos pronomes anafóricos de 3a pessoa, com o paradigma expresso em (15). Repare que o predicado reagir, diferentemente de dar, seleciona um complemento preposicionado em ambas as variedades.

31 É importante lembrar, porém, que, na escrita mais formal, a forma lhe continua produtiva no PB, nos seus diferentes significados, ou seja, incluindo os usos possessivo, locativo e beneficiário. Os exemplos abaixo são retirados de ensaios.

(i) Segundo os veterinários, restava-lhe, no máximo, um mês de vida. (Veja, 06/10/00)

(ii) Mas o quadro regulatório é inadequado, as agências não estão preparadas para isso, faltam-lhes autonomia e recursos financeiros e institucionais. (Veja, 08/03/00)

(iii) ...que a boa solução para a Rocinha seria atirar-lhe uma bomba atômica. (Veja, 19/01/00) (iv) Só por troça, reconhecem-lhe a majestade… (Veja, 08/03/00)

(15) a. O José reagiu a ele. (PE/PB) b. O José deu a ele o livro. (*PE/PB) c. O José deu-lhe a ele o livro.(PE/*PB) d. O José deu-lhe o livro. (PE/PB formal)

No documento Para a história do português brasileiro (páginas 82-85)