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Fenômenos de elipse no PB: elipse proposicional, objeto nulo, NCA

No documento Para a história do português brasileiro (páginas 57-75)

ANÁFORA DO COMPLEMENTO NULO NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

2. Fenômenos de elipse no PB: elipse proposicional, objeto nulo, NCA

Observamos que auxiliares/modais/semiauxiliares parecem permitir a elipse de seus complementos em línguas como o espanhol, PE, e, talvez francês, além do inglês. A questão que coloco neste trabalho é: podemos considerar esse tipo de verbos como pertencendo à mesma “classe” de verbos que permitem NCA?

Em francês, esses verbos parecem permitir a elipse. Zribi-Hertz (1986) os denomina semi-auxiliares:

(28) a. Jean n’a pas accordé le piano, mais il aurait pu. ‘Jean não afinou o piano, mas ele poderia’. b. Jean n’a accordé le piano, mais il aurait dû. ‘Jean não afinou o piano, mas ele deveria.’

É interessante notar que esses verbos permitem que o clítico le substitua a elipse em francês. Sportiche (1995) chama esse clítico de “clítico predicativo”, que substitui um PP, um CP infinitivo, um NP, um AP ou sintagma participial adjetival, ou um sintagma pariticipial verbal.

Como vimos, embora Depiante (2000) argumente que há uma distribuição complementar entre as estruturas NCA e as ocorrências de ‘it/so’ e ‘lo’, o mesmo não parece ocorrer nem em PE e nem em francês (como acima). Portanto, proponho que quando a ocorrência de ‘o’ é possível com alguns verbos que permitem sua elipse, temos um caso diferente de NCA, ou seja, teríamos uma elipse proposicional.

Essa proposta pode distinguir casos como o verbo saber. Zribi-Hertz (1986), na nota 3, capítulo XII, distingue o verbo modal savoir ‘saber’ (quasi-sinônimo de pouvoir), como em savoir jouer du piano ‘saber tocar piano’ que permite complementos nulos, de savoir que rege um complemento objeto, como em savoir qu’on joue du piano ‘saber que se toca piano’.

Notemos que no primeiro caso, o verbo seleciona um infinitivo, e poderia, nesse caso ser considerado um verbo NCA – nesse caso estaria em distribuição complementar com o clítico neutro. É o caso da sentença (29) em espanhol, com a interpretação dada por Brucart (1999:2838):

(29) Le gusta bailar el charlestón, pero su marido no sabe ___. [___ = bailar el charlestón]

No caso do uso do clítico lo, teríamos um caso de referência à proposição (CP) que le gusta bailar el charlestón (cf. nota. 9 e abaixo)

Esse verbo permite elipse proposicional em português, mas não em espanhol. Portanto, em espanhol, pode-se propor, como fazem os autores, uma distribuição complementar de lo: o clítico somente ocorre nos casos em que o antecedente é uma proposição (ou predicado – trata-se de um clítico ‘predicativo’, conforme argumentam Sportiche (1995) para o francês e Matos (1985) para o PE) e não substitui uma oração no infinitivo ou subjuntivo (que seriam casos de NCA). Como vimos (cf. nota 9) anteriormente, se usamos lo, o verbo saber não é mais um modal, mas um verbo que rege um CP:

(30) Le gusta bailar el charlestón, pero su marido no lo sabe. [lo = que le gusta bailar el charlestón]

Em PE, conforme Matos, há verbos que permitem ‘o’ ou não – a ausência desse clítico seria, então, uma ‘elipse proposicional’. Repetimos os exemplos abaixo:

(31) Ainda que queiras ___, não podes resolver esse problema com facilidade. ___ = resolver esse problema com facilidade /o /isso

(32) Nós pedimos à Teresa que voltasse para casa depressa, mas ela recusou-se ___. ___ = a voltar para casa depressa /a isso

(33) Ela quis fazer um curso de pós-graduação e os pais aprovaram ___. ___ = ela fazer um curso de pós-graduação

Nesse caso, a estrutura elíptica seria um CP/DP12.

No caso da NCA, o complemento seria um IP, e, portanto, não permitiria a recuperação pelo clítico ‘o’/ ‘lo’.

Em PB, ainda podemos observar o clítico ‘o’ nos dados diacrônicos (cf. abaixo). Os dados mostram que havia uma alternância entre a ocorrência do clítico e a elipse, quando o antecedente é uma proposição (ou ‘predicado’, cf. acima). Como mostrado em Cyrino (1994/1997), este tipo de elipse sempre foi possível no português – é a elipse proposicional, em que a estrutura elíptica se refere a uma proposição ou predicado.

Se pensarmos em termos de mudança diacrônica relacionada à aquisição, a questão é: como esse fenômeno é diferente da NCA – como a criança poderia distinguir quando estaria exposta aos diferentes processos?

Teríamos 3 fenômenos, a princípio diferentes13, mas relacionados. Abaixo, vejamos esses três fenômenos, exemplificados com dados extraídos do corpus do PHPB, cartas de leitores e redatores (Barbosa & Lopes, 2002):

a) elipse proposicional: (complemento é um CP com verbo no indicativo) – pode ou não ter ‘o’ em PE; lacuna pode ser substituída por ‘isso’.

12 Torrego & Uriagereka (1992) mostram que verbos epistêmicos têm, como complementos, sentenças com verbos no indicativo que se comportam mais como sentenças coordenadas, ao contrário de complementos com verbos no subjuntivo, que atuam como complementos subordinados. Os autores propõem que esses verbos epistêmicos subcategorizam um complemento nominal que teria um CP complemento em uma relação apositiva com este NP. Em Cyrino (1994/1997), proponho que o clítico neutro ‘o’, possível com esses verbos, seria anafórico ao antecedente nominal.

13 Em Cyrino (2003) e (2004), proponho que em PB o complemento nulo das estruturas de NCA seja, da mesma forma que a elipse de VP, a elipse proposicional e o objeto nulo, estrutura de reconstrução em FL, não pronunciada.

ver

elipse proposicional:

(34) “mas assevero (porque ___ vi), que offerecião bordas regulares, ...” (carta do leitor, Rio de Janeiro, fase 2)

crer

elipse proposicional

(35) “Ora, Sr. Redactor, a ser isto verdade (o que ora não ___ creio)” (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

clítico o

(36) “eu o não posso crer;” (carta de leitor, São Paulo, fase1)

ouvir

elipse proposicional

(37) “Ninguém___ ouvio, nem ousará affirmal-o que Luiz Fernandes requeresse protesto algum, que para tanto não chegaria o seo discernimento” (carta de leitor, Bahia, fase 1)

saber

elipse proposicional

(38) “e destacando logo da minha columna 180 praças, remetti-as, sob o commando do capitaõ Paulino, ao sobredito commandante superior, o qual de intelligencia com o mesmo capitaõ bateo os rebeldes, e os fez fugir precipitadamente, ficando desde esse dia o arraial da Lagoa Sancta em poder da legalidade, como ___ sabe todo o mundo, e nem serà capaz de o negar o proprio senhor Latalisa, se por accaso naõ for um ente, filho da immaginaçaõ do padre Marinho, assim como o foi a minha debandada.” (carta de leitor, Minas Gerais, fase 2) (39) “Senão ___ sabe, eu lhe conto” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(40) “E isto será verdade, Senhor Redactor? Não ___ sei, mas o povo nomêa esses atravessadores, ...” (carta de leitor, São Paulo fase 1)

clítico o

(41) O publico tem o direito de o perguntar e de o saber. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(42) Fiquei finalmente desgraçado, e para maior infelicidade minha, todo o mundo o sabe! (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

provar

elipse proposicional

(43) “... eu vos empraso para isso, mostrai os procesos que fisemos, os recrutamentos perseguiçoens, as bacchanaes orgias de vivas e morras, as forças que emballamos ... provai ___, provai ___ se tendes honra, ou se a presaes. (carta de leitor, Minas Gerais, fase 2)

(44) “... no qual este Senhor possuído de um zelo alias muito louvável, para acautelar a fortuna de seu próximo, pede que ninguém faça transacção com uma obri- gação firmada pelo mesmo Verneck em favor de José Perpetuo, morador da villa da Palmeira; dizendo mais que tal documento está pago por elle como ___ provará com o mesmo Perpetuo;” (carta de leitor, Paraná, fase 3) clítico o

(45) Não basta dizer que o officio foi en|tregue; é necessario proval-o e eis o que não conseguirão jamais. (carta de leitor, Minas Gerais, fase 3)

(46) d’onde resultou sofrer A. fracturação no braço esquerdo, tornando-se defeituosa; segundo allega no artigo 5. do seo libello, e o comprova a folha 13 por um corpo de delicto a que procedeo – (carta de leitor, Bahia, fase 1)

contestar

elipse proposicional:

(47) “Senhores Redactores, eu conheço, que o que acabo de expor não está docu- mentado, masi eu dezafio dos meus inimigos, para que contestem ___;” (carta de leitor, Pernambuco, fase 2)

responder

elipse proposicional:

(48) “... O que são as nossas liberdades individuaes se audaciosos agentes do poder judiciario pódem impunimente confundir o vicio e o crime com a innocencia e a virtude? Respondam ___ aquelles que teem com o mais frio e cruel indiffe- rentismo assistido impassíveis a marcha d´esse attentado, em que quer immolar a innocencia.” (carta de leitor, Pernambuco, fase 3)

dizer

elipse proposicional:

(49) “O milho e feijão produzem ordinariamente de 80 a 100 por 1, (*) Me disse ___ em Castro um lavrador do Assunguy –” (carta de leitor, Paraná, fase 2) (50) “... é muito atrevimento, é até muita relaxação se quer que ___ diga: parece que

elles não tem commandante pr’a os reprehender!” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(51) “Quanto á casa, comadre, ainda não há por aqui vaga; assim que haja lhe ___ mandarei dizer.” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

clítico o

(52) o que não irá pelos outros arrabaldes? Eu lho digo. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 2)

(53) Homens ha que, não tendo importancia, proamam tel-a, fazendo bulha; - assim o disse V. Ex. na resposta que parece ser sua, com quanto nas a tivesse assignado, e V. Ex. é competente para provar esta verdade – (carta de leitor, Rio de Janeiro, se 2) (54) assenhoreando-se de um logar onde, desculpe-me dizel-o, s. ex. está mal collo

cado. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 3)

(55) Hoje era esperado e, assim o disse o Diario - mas ainda não chegou! (carta de leitor, São Paulo, fase 3)

(56) Não sei si s. s. fez com exactidão a selecção de que trata em seu artigo. Não basta que o diga. (carta de leitor, Bahia, fase 3)

(57) Quando terão/ellas um resultado, ou antes quando se fará conhecer/este resultado á Europa? Ninguem poderia dize-lo de uma maneira precisa. (carta de leitor, Pernambuco, fase 2)

contar

elipse proposicional

conseguir

elipse proposicional

(59) aconselhando-o que escolha gente melhor e proceda como homem de bem para merecer importancia que tanto deseja, mas por estas e outras não tem conseguido___. (carta de leitor, Bahia, fase 3)

(60) Se o qom(sic) Senhor Luiz Fernandes quer ser authoridade, e merecer os encomios de seos Concidadãos, pode vir a conseguil-o; (carta de leitor, Bahia, fase1)

querer

elipse proposicional

(61) “Aqui fico por ora (se assim __ quiserem)...” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(62) Quanto ao vinho e ao chá, isso nem é bom fallarmos, ha tal abundancia, e variedade que eu iria longe, se ___ quizesse descrever-lhe. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(63) Segundo me consta | os festeiros tendo requerido ao Excellentissimo | Senhor Presidente permissão para o indicado | fim, obtiverão em Despacho, que fosse | accompanhar a Procissão aquelles Guar- | das do Districto que ___ quizessem (carta de leitor, Bahia, fase 1)

(64) E’ porque tem dinheiro sempre, e quando ___ quer, a 5 0/0 ao anno, e não lhe importa o resto?... (carta de redator, Bahia, fase 2)

(65) Senhor Padre Camillo, vosmecê tem toda a liberdade de opinião, ninguem lh’a disputa; leia o Itamontano, e a Voz, assigne ambos, pense como___ quizer, vote como ___ quizer, mas fazer-se destribui dor de periodicos da opposição um em|pregado publico, que recebe dinheiro do governo... (carta de redator, Minas, fase 2)

(66) E na verdade, imagine Você a quantas inconveniencias nos sujeitaremos se ___ quizermos, (carta de redator, Paraná, fase 3)

(67) Eu apenas quero ter um, porem os outros que tenham quantos quizerem ___. (carta de redator, Paraná, fase 3)

(68) Tenho ouvido dizer, que nas grandes Universidades da Alemanha, e da França não há uniforme algum, cada qual vae como quer, mas com decencia. (carta de leitor, São Paulo, fase 1)

(69) e que por isso qualquer estrangeiro nos faz quanto desaforo quer ___. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(70) se quizer porem dar coices, sim pode dar quantos quizer ___. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

(71) foi facil a ilusão e Vossa Excelência por essa nova especulção conseguio tudo quanto quis ___ (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 2)

clítico o

(72) Basta que o Governo o queira seriamente. (carta de redator, Bahia, fase 2)

observar

elipse proposicional

(73) “Os estrangeiros são, em geral, amigos do Brazil, e alguns até mais amigos do que muitos nacionaes, como eu tenho tido occasião de ___ observar...” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

obter

(74) “Não sejas tôlo... não te mettas a tomar partido, unicamente com o fim de teres ingresso, para seres nomeado mordomo do serralho, por que não obtens ___; esses lugares estão ocupados... e ...” (carta de leitor, Minas Gerais, fase 3)

negar

elipse proposicional

(75) Promptos em qualquer tempo ao restabeleci | mento da cordialidade de que, não ___ negamos, de | ram em seu tempo as mais inequivocas provas, | (carta de redator, Bahia, fase 3)

clítico o

(76) como sabe todo o mundo, e nem serà capaz de o negar o proprio senhor Latalisa, (carta de leitor, Minas Gerais, fase 2)

(77) Influente pelo seu e pelo prestigio de sua familia, distincto por aquellas qualidades que já mencionámos, elevado em posição social e politica, o Barão de Villa-Bella, como chefe de partido liberal de Pernambuco, era não ha negal-o, um elemento da ordem, uma garantia valiosa para as liberdades constitucionaes, (carta de redator, Pernambuco, fase 3)

b) NCA (complemento é infinitivo ou subjuntivo) – Os exemplos ocorrem com os modais poder e dever, mas temos também ocorrências do verbo merecer. Com esse verbo, observamos a estrutura apontada por Brucart, acima, ou seja o verbo aceita a elipse de um objeto direto oracional em orações encaixadas introduzidas por cuando, si, como, donde ou porque (Brucart 1999: 2839). Nesse sentido, o verbo querer, acima, também ocorre nesse tipo de estrutura, mas foi por mim classificado como um verbo do tipo que admite elipse proposicional devido à sua alternância com o clítico o. No entanto, querer merece outros estudos.

merecer

(78) “A camara dos srs. deputados já o ouviu, e forçoso é confessar, que se não o applaudiu como ___ mereceu...” (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 3) (79) “... quando esse procedimento foi, pela maior parte dos portuguezes daqui,

reprovado como ___ merecia?” (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(80) julgo conveniente restabelecer a verdade dos factos para que| justiça seja feita a quem ___ merecer.

poder

(81) Seguir-se-ha daqui, que os Imperantes devão ou possão imitar á risca, e inalte- ravelmente todos os exemplos que encontramos em todas as paginas da reve- lação? Parece que podem ___ algumas vezes, (carta de leitor, Bahia, fase 1) (82) O que prova tudo isso é que elles attentarão, e se naò attentaò he porque não

__podem, contra essa Constituição mesma (carta de redator, Pernambuco, fase1) (83) Recebemos a sua prezadissima carta, em que nos diz estar prompto|a fazer tudo

(84) Entretanto não sahi de diante de minha meza de trabalho, e apenas em espirito- por um oculo-vi tudo quanto desejava ver, se tanto pudesse ___. (carta de redator, Paraná, fase 3)

(85) e não evitou, como ___ podia, o derramamento do sangue brasileiro, (carta de redator, Rio de Janeiro, fase 1)

(86) Os colegas fiserão uma alliança entre si para me vencerem, vencerem não digo bem, porque elles sabem que não podem, (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 3)

dever

(87) Julgo cumprir um dever imperioso romper o silencio, que até hoje, como ___ devia, tenho guardado sobre as desagradaveis occurrencias que se tem dado na familia de eu sempre chorado sôgro o venerando barão de Cajaiba, depois do seu fallecimento. (carta de leitor, Bahia, fase 2)

(88) Confesso, Senhor Redactor, que faltou-me a necessaria presenca d’espirito, e coragem, dote que a natureza não deo a todos, para responder-lhe como___ devia; (carta de leitor, Pernambuco, fase 1)

(89) e no 2.º que a fraqueza não he a sua, que pusilanimidade; não tem coragem para tomar a única resolução que deve ___ (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

(90) que promoveo, aliciando Povo, e a Tropa: elle se dirigio a mim, que lhe respondi o que devia __ (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

c) o objeto nulo (outros verbos que exigem complemento NP). Seguem abaixo alguns exemplos – o corpus apresenta outros:

percorrer

(91) Esperando tirar algumas inducçoens de sua historia, util, segundo creio, eu vou percorrer ___ rapidamente para ao depois passar á outras consideraçoens. (carta de leitor, Bahia, fase 1)

punir

(92) Creio que procedi em regra, e admiro que a má fé tenha chegado ao ponto de pretender-se lançar sobre mim aquillo que outros fizeram, e eu puni ___ logo como me cumpria! (antecedente = dois paisanos que roubaram umas peças) (carta de leitor, Bahia, fase 2)

assinar

(93) 1o Quem foi que pedio a Vossa Senhoria para assignar como testemunha a dita declaração, e onde; 2o Se Vossa Senhoria estava presente quando o mesmo Damaso assignou ___, e, se ahi se achava Aniceto Paulo; (carta de leitor, Paraná, fase 3)

corrigir

(94) Ora, meu pedaço d’asno, nenhuma auctoridade, quando lavra uma ordem, tem obrigação de dizer o motivo por que faz: ella não está argumentando, meu caro; se há abuso, a auctoridade superior ___ corrige. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

d) Outros verbos que aparecem somente com o clítico neutro nos dados, mas que hoje apresentariam elipse proposicional:

afirmar

(95) “Ninguém ouvio, nem ousará affirmal-o que Luiz Fernandes requeresse protesto algum, que para tanto não chegaria o seo discernimento” (carta de leitor, Bahia, fase 1) (96) pareceme incrivel; e entretanto m’o affirma pessôa que tem rasão para saber

do facto. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

jurar

(97) Receba-os, e creia, que de o jurar-mos he que hade vir o bem da liberdade justa a que aspiramos (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

prometer

(98) Longe desta prudente resolução produsir o que eu esperava, que era a paz, tive de ver com a maior dôr o Sr. Barreto abordar alguns de meos inespertos Oficiaes co- mo já o havia prometido no seo officio de 15 de Fevereiro do corrente anno) e arrastal-os á revolução de 20 de Março d’este – (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

(99) mas eu espero qu V. concorrerá para que tudo acabe em bem, e me recordo que assim mo prometteo. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 1)

comentar

(100) Eis o facto real, senhores, o mais fica por conta do Sr. Dr. T. da Costa, elle que

o commente como lhe approuver. (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 2) entender

(101) Porém, os governos do imperio americano não o entendem assim: (carta de leitor, Rio de Janeiro, fase 3)

julgar

(102) Lembrei-me d’isto, porque me parecêo acêrto, e se outros o julgarem desacertado – (carta de leitor, São Paulo, fase 1)

acreditar

(103) Uma coisa que não temos nesta nossa boa cidade do Apostolo das gentes, quem o acreditaria! é agua. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

(104) Portuguezes – tambem são estrangeiros!... e o autor da apreciação devia lembrar- se que o labéo lançado a estes hia ferir a dignidade daquelles que não só se conféssão amigos do Brasil, como já por vezes o teem manifestado pela imprensa e nas ondulações dos animos em ques- | tões de honra nacionaes!! | (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

perguntar

(105) O publico tem o direito de o perguntar e de o saber. (carta de leitor, São Paulo, fase 2)

demonstrar

(106) elle está certo que he indigno delles quem os procura: conhecemo-lo muito de perto para tanto avançar, e passamos a demonstral-o por factos. (carta de leitor, Bahia, fase 1)

ignorar

mostrar

(108) o orgulhoso Bretão ficaria riscado da lista das nações, o Anti-Russo o tem mostrado com mão de mestre, (carta de leitor, Bahia, fase 2)

compreender

(109) Si, portanto, na ausencia de lei que revogasse a suppressão, algum acto do governo houve, do qual se possa tirar argumento opposto á medida suppres- soria do artigo 263, isto, comprehendem-n’o todos, (carta de leitor, Bahia, fase 3)

pensar

(110) em breve até os nomes de cascudo e farrapo, que hoje um partido aqui applica, por escarneo, ao outro, e com que ambos sem o pensarem se desairão aos olhos de estranhos, serão riscados de seu vocabulario politico”. (carta de leitor, Paraná, fase 2) Esses exemplos do corpus mostram que há uma maior ocorrência nos dados do que estou chamando de ‘elipse proposicional’ do que o fenômeno NCA. A elipse admitiria a substituição da lacuna por um clítico (ou pelo demonstrativo isso), o mesmo não ocorrendo com a NCA.

De fato, conforme mostrado em Cyrino (1994/1997), o uso do objeto nulo e da elipse proposicional sempre foi possível no português, em variação com o clítico de 3ª. Pessoa. Em PB, no entanto, já que o clítico de 3a. pessoa desapareceu, a elipse é agora a única opção. A tabela abaixo retoma a mudança:

Tabela 1: Objetos nulos e elipse proposicional de acordo com o tipo de antecedente, adaptado de

(Cyrino (1994/1997))

Século Objeto nulo

(antecendente: NP [+ani]) Objeto nulo (antecendente: NP [-ani]) Elipse proposicional (ausência do clíticoo) XVI 2% (2/86) 6% (5/87) 23% (23/99) XVII 5% (3/55) 13% (17/130) 21% (14/68) XVIII 5% (1/22) 8% (10/131) 45% (41/90) XIX 1% (1/79) 44% (38/87) 83% (81/98) XX 14% (4/28) 88% (91/103) 91% (97/107)

A proposta deste trabalho está, portanto, baseada nos resultados de Cyrino (1994/ 1997), Cyrino (a sair), Cyrino (2004), que abordam o objeto nulo e a NCA e Cyrino & Matos (2002, e em preparação) que enfoca a elipse deVP.14

Conclusão

Vimos acima que o objeto nulo no PB (111a) apresenta ambigüidade strict/sloppy, que também pode ser observada em estruturas de elipse de VP (111b).

(111) a. O João dobra seu jeans, mas a Maria amassa___. b. O João dobra seu jeans, e a Maria também dobra ___.

Em (111a), temos a leitura sloppy – Maria amassa seu próprio jeans—, e a leitura strict – Maria amassa o jeans de João. Da mesma forma, em (111b), ambas as leituras são possíveis.

Como vimos neste trabalho, a NCA também permite ambigüidade de leituras— um dos argumentos para ser considerada anáfora de superfície em PB. Assim, propus a análise de reconstrução em FL e elipse em PF para NCA em PB (seqüência reconstruída em itálico):

(112) Joãoi beijou sua amiga, mas Pedroj não quis ___ . ( ___ = [beijar suai/j amiga]) Deste modo, a proposta deste trabalho relaciona a NCA em (113) abaixo ao objeto nulo em (114):

14 PE e PB apresentam elipse de VP ellipsis (cf. (i)).

(i) Perguntamos se eles já tinham chegado e, efectivamente, já tinham __

De fato, PE e PB exibem diferenças em relação ao licenciamento do constituinte elíptico, quando as seqüências verbais formadas por um auxiliar e um verbo principal ocorrem. Enquanto (iia) abaixo é interpretada com elipse de VP tanto em PE quanto em PB, (iib) em PB permite a recuperação de todos os complementos do verbo; (iic) em PE, ao contrário, favorece uma interpretação de objeto nulo indefinido, sem a interpretação do objeto indireto ausente

(ii) a. Ela está a ler/ lendo livros às crianças mas ele não está __. EP, BP b. Ela está lendo livros às crianças mas ele não está lendo__. BP c. Ela está a ler livros às crianças mas ele não está a ler __. PE

Cyrino & Matos (em preparação) afirma que as diferenças apresentadas nas duas variedades de português devem- se principalmente às projeções funcionais distintas envolvidas na interação com as exigências de paralelismo para a recuperação/apagamento da categoria elíptica.

(113) João me pediu para ir à festa, e eu aceitei ___. ( __ = ir à festa) (114) João me deu um convite, e eu aceitei ___. ( __ =o convite)

Podemos ver como as estruturas são semelhantes e porque podemos considerer a NCA como um epifenômeno de um processo mais amplo de elipse no PB. Da mesma forma, podemos propor a reanálise da criança para estruturas desse tipo, a partir da semelhança entre as estruturas, e a queda dos clíticos.

Como essa reanálise ocorreu? Em PB, o objeto nulo é um resultado de uma mudança diacrônica na qual a possibilidade de ausência do clítico neutro ‘o’ em algumas sentenças com elipse proposicional foi estendida para todos os casos em que um clítico poderia aparecer com o mesmo tipo de antecedente (i.e., [+especific, - animate]).

Quanto à NCA, proponho que, se o fenômeno em PB costumava ser como em PE, inglês ou espanhol, um tipo de anáfora profunda, houve então uma mudança em relação a esse estatuto, devido à falta de uma pista (cue, nos termos de Lightfoot) que levasse a criança a diferenciar entre elipse proposicional (anáfora de superfície), permitindo a alternância com o clítico neutro) e a NCA, que não permite o clítico neutro (cf. PE atual). A ausência do clítico é a pista (cue) para essa reanálise.

Pode-se supor que a análise por parte da criança de estruturas com verbos que permitem o clítico “o” ou sua ausência (como saber proposicional, cf. acima) levou à

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