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A aplicação de NS às sentenças do PB

No documento Para a história do português brasileiro (páginas 157-162)

Doutoranda, Universidade Federal de Minas Gerais 1 A expressão clítica de posse: uma estratégia em declínio

R: Me regaló la botella de vino Maria (incompatível com interpretação neutra; NS no sujeito pós-verbal, por aplicação de NSR ao constituinte mais à direita).

2.3 A aplicação de NS às sentenças do PB

Diferentemente do alemão, língua para a qual Zubizarreta propõe uma versão modularizada de aplicação de NS – a aplicação de acento seria sensível tanto às restrições selecionais (variando conforme o verbo seja transitivo, inacusativo ou inergativo, ou a sentença seja matriz ou encaixada) quanto às relações de c-comando (acento no constituinte que representa o nódulo mais baixo), o português aproxima- se, quanto à focalização, de línguas como o francês e o espanhol (guardadas certas peculiaridades), em que apenas C-NSR (regra de aplicação de acento sensível às relações de c-comando) é válida.

No PB, a aplicação de acento seria no último constituinte em estruturas transitivas (foco no objeto, informação nova, na ordem básica SVO):

69 Recorde-se que, na teoria de checagem de traços, são os traços de D, e não o DP, que entram em relação com T; /o caso nominativo pode, então, ser checado de duas formas: os traços de D movem-se (juntamente com o DP inteiro, de forma explícita) para [Spec, T] ou os traços de D adjungem a T implicitamente (covertly), deixando a posição Spec livre para ser ocupada por outros materiais fonológicos que não o DP sujeito.

(38) a - O que ela cortou? - Ela cortou [ o meu cabelo ] . b - O que ela fez? - Ela [ cortou o meu cabelo ].

c - A quem ela emprestou o livro? - Ela emprestou o livro [ ao colega ]. d - Ela emprestou O LIVRO ao colega. ( não a revista). – foco contrastivo e - Ao colega ela emprestou [ o livro ]. M PP topicalizado / objeto focalizado. O mesmo se observa em relação a estruturas inacusativas, nas quais o sujeito, pós- verbal, traz uma informação nova:

(39) a - Chegou um novo livro deste escritor. b - Fugiu meu cachorrinho pequinês.

Note-se que tais dados são compatíveis com C-NSR (acento no constituinte mais à direita); movimentos de constituinte(s) para a esquerda trazem efeito de topicalização, como foi mostrado acima.

Parafraseando a sentença (37 - b) acima (repetida para maior clareza), o falante poderia optar por uma estrutura como a dada abaixo:

(40) a - O que ela fez? - Ela [ cortou o meu cabelo ]. b - O que ela fez? - Ela [me cortou o cabelo].

Como resposta à pergunta “O que ela fez?” (ou, melhor ainda, “O que que ela te fez?), inúmeras são as possibilidades com alçamento do clítico, utilizando estruturas cristalizadas (“Ela me encheu o saco”, “me torrou a paciência”, “me furou os olhos”, entre tantas) ou respostas não cristalizadas, menos freqüentes, em que haja a extração de dentro de um PP (“Ela me acabou com a paciência”, “me levou ao conhecimento um fato terrível” etc) – o que não é uma inovação, já que os dados (diacrônicos) atestaram esse tipo de ocorrência.

O que estaria em jogo, então? Embora disponível, o movimento do clítico para [Spec,T] não é movimento exigido por razões sintáticas, mas apresenta uma conseqüência discursiva sensível: ao movê-lo, o falante obtém uma estrutura mais efetiva do ponto de vista informacional, ainda que utilizando sentenças já ‘cristalizadas’.

Considerando que é exatamente esse o papel da marcação de foco, ou seja, tornar mais efetiva a estrutura informacional da sentença, na estrutura clítica de posse se obtém esse acréscimo semântico-discursivo pela marcação de todo o VP, o que é compatível com a constatação de que certas línguas apresentam como estratégia a focalização descontínua.

A representação seria como se segue:

(41) Ela [ +F / T me i [ + F / VP cortou [ + F / DP o e i cabelo ] ] ] No PB, como já se evidenciou anteriormente, nota-se a necessidade de o possuidor estar inserido em um DP (isto é, o alçamento do clítico de um “bare NP” é altamente restringido) gerado em posição de argumento verbal (pós-verbal): preenchida a posição [Spec, T ], a extração é bloqueada:

(42) a - O nosso comércio se fortaleceu bastante. b - * O comércio se nos fortaleceu bastante. c - Fortaleceu-se o nosso comércio.

d - Fortaleceu-se nos o comércio.

Considere-se o par abaixo: trata-se de sentenças gramaticais no PB - em ( 42 a), o DP de onde alça o clítico foi topicalizado, e em (42 b), há interpolação de um adjunto entre V e DP:

(43) a - Ot cabelo, ele me cortout muito bem. b - Ele me cortou muito bem o cabelo.

Note-se que há possibilidade de interpolação de algum elemento (representado por XP) no constituinte descontínuo focalizado [clítico – verbo – XP – SN], mas não entre clítico e verbo70, o que vale para os demais clíticos do PB. Apesar disso, a interpolação obedece a restrições bem delimitadas, isto é, o movimento do clítico segue a determinadas condições de localidade, como se pode constatar, a partir da análise de dados diacrônicos e sincrônicos. Vejamos exemplo abaixo, no qual a interpolação inicialmente impede a cliticização, já que o constituinte de onde alçaria o clítico encontra- se muito distante de V (‘chegar’, verbo inacusativo, apareceu com freqüência com clítico de posse nos dados):

70 Em todo o corpus, houve uma estrutura, apenas, em que havia interpolação clítico – neg – verbo (carta pessoal, Acervo do Barão de Camargos, 1736): “..favor procurar esse sujeito e emtregarlhe ele sexama Domingos pereira e me dizem mora emcasa de hum tio seu que o nome lhe não sei mas he mercador”. Embora esse tipo de interpolação tenha sido freqüente em estágios anteriores do português e outras línguas neolatinas (veja-se, sobre o espanhol, Fontana, 1992), no século XVIII, reduzia-se a freqüência desse tipo de estrutura.

(44) a - “Vossa Excelencia [..] digne mandar que os Engenheiros procedão o referido exame, a fim de que chegando pela Imprensa ao conhecimento do Publico o seu resultado....” M [V – XP - PP - DP]

Há dois DPs de que o clítico poderia alçar, o nominativo (pós-verbal) e o PP; no entanto, a interpolação do PP ‘pela imprensa’ quebra tal possibilidade. Notem-se as reestruturações abaixo:

(44) b - ... a fim de que chegando ao conhecimento do público o seu resultado... ... a fim de que lhe chegando ao conhecimento o seu resultado...

c - ... a fim de que chegando o seu resultado ao conhecimento do público .... M .... a fim de que lhe chegando o resultado ao conhecimento ...

Isso ocorre, como vimos, graças à restrição de localidade para alçamento de constituintes, ou seja, dependendo de sua natureza, XP se constituirá ou não em barreira à extração. Verifique-se a possibilidade de cliticização nas sentenças que seguem: (45) a - “Abre também, aos que quizerem, sem a minima dor, os abcessos e tumores

e cura tambem estes sem emprego do bistouri.”

b - Abre-lhes também, sem a mínima dor, os abscessos e tumores. ( lhes = [a NP] - com interpolação de PP).

(46) a - “... todavia elle não meteo totalmente o dedo sobre a ferida estava reservado para ontros (sic) Médicos distintos o accrescentar mais alguma coisa ás suas observaçoens.” b - ...o acrescentar-lhe t mais alguma coisa às t observações.

c - (?) acrescentar-lhe t mais alguma t coisa (= sua coisa) às observações. d - acrescentar-lhe t mais comentários às t observações...

e - (?) acrescentar-lhe t mais t comentários às obervações...

Note-se que itens como alguns e mais, quando integrantes de um XP interpolado entre V e o clítico – ordem: [V clítico XP DP ] não impedem o alçamento do mesmo, mas a interpretação do vestígio do clítico passa, automaticamente, a ser o DP seguinte – isto é, havendo um QP interpolado, o quantificador (um operador) funciona como um empecilho ao alçamento do clítico

de dentro do QP71. No entanto, fosse a ordem [V clítico DP DP] ou [V Cl PP DP], poder-se-ia criar uma ambigüidade quanto ao ponto inicial de onde alçou o clítico, como se vê em:

(47) a - “O testemunho de que hum Deos Omnipotente mete a mão debaixo da cabeça dos Grandes Príncipes no momento em que Elles cahem...”

b - mete-lhes a mão debaixo da cabeça M a concordância no clítico mostra qual o sintagma possessivo substituído ( = dos príncipes), mas não o ponto de alçamento do clítico ( a mão dos príncipes? A cabeça dos príncipes?)

c - mete-lhe a mão debaixo da cabeça: dupla possibilidade de interpretação [ mete a sua mão debaixo da cabeça ] ou [ mete a mão debaixo da sua cabeça ], como na anterior, indicando apenas que o PP possessivo era singular ( lhe = de X, X = singular, mas não correferente com o sujeito “Deos Omnipotente”, já que deve haver disjunção de pessoa entre o núcleo do NP sujeito e o de que alça o clítico). (48) a - “Tenho por diviza a franquesa, e alguns amigos mais particulares sabem que não

costumo negar os meus feitos, ainda mesmo que elles me custem o sacrifício da própria vida.” b - (?) custem o meu sacrifício da própria vida.

c - ...custem [DP o sacrifício [PP de [DP a minha própria vida]]]

A melhor estruturação (clareza de interpretação) seria (47 c) acima, com o clítico alçando de um DP interno a um PP, ainda que haja um outro DP contíguo ao verbo.

Embora exista uma ordem de constituintes que favoreça a cliticização, na qual o DP ou PP seria pós-verbal (independentemente da função sintática que este esteja desempenhando), os dados abaixo oferecem um panorama instigante sobre a cliticização no PB:

(49) a - “Senti cair-me- as calças e o jaleco i voar-me i rasgado em asas despregando- se pelos braços abertos em indignação.” (XX, Cartas Devolvidas, p. 13) Ao lado de uma ocorrência prototípica do clítico de posse, na segunda ocorrência, pode haver também uma leitura possessiva, sem que o NP esteja sucedendo o verbo; no entanto, o mais provável é que seja um clítico expletivo.

71 Um NP pode ser determinado do ponto de vista semântico apenas uma vez; é plausível que elementos que funcionam como determinantes sejam licenciados exatamente pelo fato de cada um introduzir um NP distinto: isso evita a existência de dois operadores ligando a mesma variável. No caso em pauta, o artigo (determinante) e o quantificador se repelem por exerceram a mesma função.

b - “Não posso dizer as coisas muito ao certo, porque a vista se me escureceu, mas pude lobrigar que ali a prática amparava a teoria.” (XX, Cartas Devolvidas, p. 95) Embora o NP seja pré-verbal, reforça-se uma leitura possessiva (não é possível, por exemplo, uma leitura do clítico como beneficiário).

Tais fatos de não prototipicidade do alçamento do clítico, ao lado de outros igualmente relevantes (como o fato de o clítico alçar de um DP pós-verbal, mas em certos casos haver mais de um DP e o clítico alçar do que está mais à direita, “saltando” um constituinte) nos remetem à busca da explicação dos fatores que favorecem ou restringem o movimento do clítico.

No documento Para a história do português brasileiro (páginas 157-162)