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Conforme explicitamos no capítulo sobre ortografia, a posição que se defende atualmente é a de que, independente de serem regulares ou irre- gulares, isto é, definidas por regras ou não, as formas ortográficas que mais aparecem na escrita devem ser aprendidas o quanto antes. (BRASIL, 2000; MORAIS, 2003) No entanto, conforme demonstramos, as professoras tra- balharam com palavras que não são frequentemente utilizadas na escrita.

É preciso que se diferencie o que deve ser automatizado o mais cedo possível para liberar a atenção do aluno para outros aspec- tos da escrita e o que pode ser objeto de consulta ao dicionário. (BRASIL, 2000, p. 86)

Ou seja, além do ditado tradicional e do treino ortográfico possibilitarem pouca reflexão por parte dos alunos, verificamos que as palavras escolhidas para serem ditadas não foram as mais usuais na escrita.

Consideramos que seria muito mais produtivo tanto para as crianças videntes, como para as crianças cegas, se as professoras realizassem ditados interativos, como propõe Morais (2003). O autor sugere a realização de atividades coletivas para desencadear a reflexão ortográfica, algumas delas tendo textos como suporte: ditado interativo, releitura com focalização e reescrita com transgressão. O ditado interativo é um novo tipo de ditado, diferente do tradicional, onde se busca ensinar ortografia, refletindo sobre o que se está escrevendo. Para isso, é utilizado um texto já conhecido pelos alunos. Durante o ditado, são feitas diversas pausas, nas quais os alunos são convidados a focalizar e discutir certas questões ortográficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividade, conforme a solicitação dos alunos. Na releitura com focalização é feito um encaminhamento parecido com o ditado interativo. É realizada, coletivamente, a leitura de um texto já conhecido e são feitas interrupções para debater sobre certas palavras, lançando questões sobre sua grafia. Na terceira proposta, a reescrita com transgressão ou correção, os alunos são convidados a reescrever um texto para corrigi-lo ou para “errar de propósito” e, posteriormente, os alunos explicitarão o porquê que consideram erradas a escrita das palavras que transgrediram. O autor ressalta que não está incentivando o erro, a intenção é discutir com os alunos os acertos ou erros que produzem/descobrem. Até porque, como demonstrou o autor em sua pesquisa, para escrever errado de propósito é preciso compreender as regras e irregularidades da ortografia. Em atividade como estas, as professoras estariam mediando o debate entre os alunos acerca das possibilidades de grafias para as palavras, favo- recendo que cada criança explicitasse suas hipóteses e construísse conhe- cimento acerca da ortografia, e não simplesmente registrando o modelo correto no quadro para que todos copiassem e a aluna cega ficasse excluída desse momento da aula.

Nas atividades de exposição oral, que foram bastante reduzidas, os alu- nos receberam do professor as regras prontas, que foram repetidas diversas vezes, sem a realização de uma reflexão mais aprofundada. Morais (2003) sinaliza e, nós também observamos, que embora os alunos reproduzissem tais regras em voz alta, isso não garantiu real compreensão, uma vez que

as crianças continuaram sentindo dúvidas ou escolheram a opção errada, por exemplo, nas atividades que solicitavam o preenchimento das lacunas com m ou n, r ou rr.

No caso do uso de m ou n, além da regra contextual geralmente explicada pelos professores (m só se escreve antes p e b) é interessante chamar a aten- ção dos alunos para observarem a motivação fonética que leva as palavras

campo e também a serem escritas com m e não com n. De acordo com

Kato (2000), a escolha de n para a palavra canto e de m para campo se deve ao fato de [n] e [t] serem linguoalveolares e [m] e [p] serem bilabiais. A ortografia, em casos como esses, representa a qualidade da nasalização que precede consoantes de traços semelhantes, mas não são distintivas e sim determinadas pelo contexto. Por isso, ainda que um estrangeiro pro- nuncie a nasal de campo de forma não bilabial, o significado da palavra não será alterado por não ser um traço distintivo, como em cama e cana. Os alunos podem ser convidados a falar essas palavras para perceberem o uso dos lábios ao falarem palavras com m antes de p e b. Cagliari (2009) escreve sobre a importância de permitir que os alunos pronunciem as pala- vras em voz alta nas aulas de ditado, para observarem aspectos como esse.

As metodologias de ensino desenvolvidas pelas professoras não ajuda- ram os alunos (cegos e videntes) a refletirem sobre os princípios gerativos que nos permitem decidir, em muitos casos, quando utilizar uma letra e não a outra. As crianças cegas por não terem seus livros e outros materiais transcritos para o Sistema Braille ficaram em uma situação de desvantagem em relação aos seus colegas videntes, que embora também tenham sido prejudicados pelas metodologias que não favoreceram uma aprendizagem competente sobre as regras ortográficas, ao menos tinham o contato direto com a grafia das palavras. Pesquisas e estudos recentes (MORAIS, 2003, 2008; CAGLIARI, 2009) afirmaram ser importante a exposição das crianças à escrita para a aprendizagem da ortografia das palavras, principalmente em casos que não possuem regra explícita para determiná-la.

Considerações finais

Retomando a questão norteadora da pesquisa, podemos afirmar que foi possível refletir sobre o modo como as professoras estão ensinando ortografia em classes com crianças cegas incluídas.

A partir dos dados obtidos, foi evidenciado que o ensino de ortografia ainda se pauta numa abordagem mnemônica, apesar das pesquisas recen- tes revelarem que tal abordagem não contribui para a aprendizagem desse conteúdo. Para os alunos cegos, a situação era ainda mais delicada, pois, além das metodologias não favorecerem a aprendizagem da ortografia, eles mesmos eram os únicos leitores de suas produções escritas na sala de aula. Nas situações de ensino, observamos que nenhuma mediação (escola estadual) ou poucas e inadequadas mediações (escolas particular e muni- cipal) foram estabelecidas pelas professoras com seus alunos cegos, devido ao fato, principalmente, de não lerem pelo Sistema Braille. As professoras pareciam desconhecer a real importância da aprendizagem da ortografia para a inclusão social das pessoas com ou sem deficiência e a relevância do papel do professor como mediador desse processo. Certamente, tal situação é reflexo da frágil formação inicial e continuada das professoras.

Verificamos um processo de desbraillização ocorrendo nas escolas pes- quisadas, mas não pelo uso das tecnologias em detrimento do braille, pois as crianças que estudavam nas escolas participantes deste estudo não tinham condições financeiras para adquirirem um computador de uso pessoal e essa ferramenta, tampouco, estava presente nas instituições. Consideramos que tais crianças estão sendo vítimas de uma “desbraillização involuntária”, já que gostariam de obter os livros e outros materiais transcritos para braille, porém esses não estavam disponíveis para que fossem verdadeiramente incluídas nas situações de ensino. Acreditamos que incentivar a frequente leitura em braille favorece que a criança cega apreenda a ortografia das palavras e, inclusive, possibilita que “compense”, na concepção vigotskiana, a impossibilidade de contato incidental com a escrita, como ocorre com as crianças videntes.

O estudo de caso não tem como objetivo generalizar os resultados encontrados, entretanto, a revisão de literatura e a pesquisa de campo realizadas demonstraram as dificuldades vivenciadas pelas pessoas cegas para aprenderem os aspectos ortográficos da língua escrita e os obstácu- los encontrados pelos professores para ensinarem esses conteúdos para os alunos com a deficiência visual. Ainda assim, acreditamos que novos estudos devem ser feitos para que possamos continuar a discutir o ensino de ortografia em contextos de inclusão de alunos cegos.

Embora não tenha sido o objetivo da pesquisa analisar a natureza e a frequência dos erros de ortografia dos alunos cegos, observamos que a escrita da criança da escola municipal, aluna do 5º ano, apresentava muitos erros de ortografia, conforme demonstramos nas transcrições de suas produções textuais. Não podemos afirmar a causa para essa situação, entretanto, acreditamos que quatro aspectos exercem grande influência: a mediação inadequada da professora nas aulas de ditado, a não solicitação das transcrições de braille para tinta, a pouca leitura em braille e o fato de os pais da menina não saberem ler em braille. Pensamos que a família tem um importante papel na aprendizagem da escrita por crianças cegas, pois, nas outras duas classes observadas, identificamos que os alunos ce- gos apresentavam erros de ortografia semelhantes aos erros das crianças videntes. Embora as professoras também não soubessem ler por meio do Sistema Braille, as mães dessas crianças sabiam ler através desse sistema e colaboravam para a realização das atividades escolares.

A partir dos dados obtidos, coube-nos questionar: como as pessoas cegas, que nasceram com a deficiência ou perderam a visão na infância ou no iní- cio da adolescência, se apropriam da ortografia? Que estratégias utilizaram para essa aprendizagem? Como a família contribui nessa aprendizagem? Qual a natureza e frequência dos erros de ortografia presentes na escrita da criança cega? Além disso, a influência da leitura pelo computador na escrita do cego deve ser rigorosamente investigada.

As crianças cegas aprendem a escrita alfabética de modo similar às crianças videntes. A partir dos dados da pesquisa de Nicolaiewsky (2008) citados no capítulo dois, verificamos que os erros de ortografia produzidos por crianças cegas são similares aos que ocorrem na escrita de crianças vi- dentes. Além disso, é preciso lembrar que o braille representa as letras do alfabeto por meio da “pontografia”, por isso, não se trata de um código, mas de um sistema notacional tátil. Dessa maneira, consideramos que a prática desenvolvida com os alunos videntes também pode ser útil para os alunos cegos, desde que atendam às suas necessidades. A partir disso, sugerimos algumas ações que o professor da classe regular pode desenvolver para incluir as crianças cegas nas aulas de ortografia:

1) planejar as aulas com antecedência, para que as transcrições para o Sistema Braille possam ser concluídas a tempo, pensando, também se a atividade poderá ser realizada pelo aluno com a limitação visual;

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