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Demandas: a aparência física e as dificuldades de comunicação

falsas interpretações.

Além dessas funções, a construção dos episódios comunicativos também apresentava influência de outros aspectos situados ecologicamente e que encorajavam o aparecimento de novos eventos, como o caso da aparência física da deficiência da aluna.

Demandas: a aparência física e as dificuldades

de comunicação

Apesar do quadro motor grave, acompanhado de movimentos associados, carateamentos e forte espasticidade de membros, características que se dis- tanciam do padrão físico estabelecido socialmente, o desenvolvimento das interações, neste caso, não sofreu influência negativa quanto a frequência e dinâmica dos processos construídos em sala de aula.

Interação A-6 Interação B-10

P: qual que você quer que recorte?... Essa?

Qual? (aponta para a figura)

A: Puxa o livro da mão da professora. P: Professora diz: Ah... Meu Deus... é essa... A: (Folheia o livro procurando outra figura)

P: Vamos vai procurando, folheia aí...

P: Bora cortar essa aqui...

A: (Faz gesto indicativo de “não” e curva- se na cadeira).

P: Mostra a figura para a aluna... Peraí que

Contrariando as expectativas, esta propriedade aproximava a professora em relação à Maria, uma vez que a primeira manifestava comportamentos de carinho e cooperação junto às necessidades da aluna, como pode ser verificado nesse episódio (Quadro 8).

Quadro 8 - Episódio em que a professora demonstra cuidado com a aluna Fonte: Pesquisa de Campo (2011).

Na Interação A-7, observam-se manifestações de cuidado em relação à aparência de Maria. Quando a professora procura algo para prender o cabelo da aluna, esta logo procura informar que este objeto não se encontrava na sua mochila. Dessa forma, entende-se que este tipo de interação estimulava uma relação de proximidade, dado o investimento afetivo depositado de ambas as partes.

Se a aparência física de Maria não tinha força suficiente para afastá-la de Joana, o mesmo não se podia dizer quanto às suas dificuldades comu- nicativas. Foram várias as tentativas de Maria iniciar uma interação com a professora, entretanto na maioria das vezes, quando não foram efetivadas, estas tiveram o desenvolvimento de poucos elos (Quadro 9).

Como se percebe, no geral, estes episódios (Interação A-8 e A-9) refe riam-se a solicitação de informação, em que a aluna chama atenção da professora levantando o braço, no entanto estes gestos não eram completamente aten- didos, pois uma vez tendo se aproximado, a professora não conseguia fazer uso de estratégias de comunicativas e, assim, dialogar com Maria.

Com a capacitação de Joana, percebe-se claramente uma mudança na sua postura, na qual as solicitações, além de serem atendidas, provocam a professora a se interessar pelo conteúdo que leva a aluna interagir, como verificado na Interação B-11.

Interação A-7

P: Cadê a tua xuxinha? Heim? Tá aqui? (penteia o cabelo da aluna e procura algo na mochila para prendê-lo).

A: (A aluna olha e aponta para a mochila)

P: (A professora abri a mochila para procurar o objeto). Aonde tá tua a xuxinha? A: (A aluna faz gesto indicativo de não, de que não trouxe o objeto)

Quadro 9 - Episódios em que a aluna busca a professora para interagir Fonte: Pesquisa de Campo (2011).

Conclusões

A partir dessa pesquisa foi possível chegar a um conjunto de afirmações sobre o uso dos recursos e estratégias de comunicação alternativa em sala de aula, a saber:

1) Aparecimento de episódios com extensão superior a dois elos, prin- cipalmente nos momentos de inserção dos símbolos em atividade com jogos pedagógicos e durante o uso de pranchas temáticas de comunicação em situação de provas escolares;

2) Sem esses recursos constatam-se inexpressivas interlocuções no pro- cesso comunicativo, de maneira não haver tanta complexidade nas trocas estabelecidas entre a professora e a aluna com paralisia cerebral; 3) O ambiente da sala de aula, com quantidade excessiva de alunos e sem

professor de apoio, não propiciava condições para que a professora investisse atenção junto às necessidades dessa aluna;

4) A professora apresentou percepção mais adequada sobre as habilidades comunicativas da aluna e intensifica a seleção por varredura e o uso de perguntas fechadas;

5) A professora tende a utilizar, inicialmente, os símbolos como ferra- menta de avaliação e de ensino de conceitos, percepção essa que se transformou a medida que a professora se apropria dos recursos.

Interação A-8 Interação A-9 Interação B-11

A: (A aluna chama atenção da professora levantando o braço e apontando para o papel) P: Cadê? Cola logo outro aí...

A: (Levanta o braço e chama a atenção da professora).

P: Já vou V., espera um pouco...

A: (Aluna levanta o braço, chamando a atenção da professora para o desenho na televisão).

P: ri e diz: “Ela ta vendo...” A: vocaliza: U_

P: É o fantasminha? É V.? A: (Faz gesto indicativo de “sim”)

Os recursos e estratégias de comunicação alternativa se mostraram eficientes para o estabelecimento de episódios entre professor-aluno com paralisia cerebral, principalmente quanto ao aumento de elos entre esses membros e à participação tanto da professora como da aluna para iniciar os episódios. Entretanto, constatou-se que a implementação dessas ferra- mentas em sala de aula pode requerer o apoio de profissionais da área da saúde especializados na área da comunicação alternativa, para direcionar os recursos para as habilidades comunicativas e para o uso nas atividades pedagógicas.

O aumento na extensão dos elos após a intervenção revela que a implementação adequada dos sistemas suplementares e alternativos de comunicação em sala de aula exige um olhar voltado para a formação dos interlocutores, nesse caso o professor, como elemento chave para dinamizar as interações nesse contexto.

Referências

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