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Em uma de suas aulas, a professora Rosa (3º ano, escola particular) iniciou uma revisão sobre acentuação. Escreveu no quadro o acento circun- flexo e o acento agudo. Nesse momento, a professora deveria ter dito para aluna cega o que estava fazendo, uma vez que a criança não podia obter a informação por meio da visão. A professora perguntou para a turma o nome dos acentos. Depois, explicou aos alunos: “O acento agudo é aberto. O acento

circunflexo é fechado. Vamos observar essas duas palavras que escreve do mesmo jeito”. Rosa escreveu no quadro as palavras vovó e vovô. Pediu que todos os alunos observassem os acentos nas palavras e as pronunciassem para perceberem a diferença no som de cada uma. A criança cega, porém, não pronunciou as palavras, já que não tinha acesso à informação que estava no quadro. Rosa repetiu as palavras e pediu que ela também as pronunciasse e dissesse qual delas tinha acento agudo e qual tinha acento circunflexo. A menina fez o que a professora pediu.

Em seguida, Rosa passou uma atividade sobre acentuação no livro didático. A professora perguntou para a criança cega: “Você já sabe fazer as

letras com acento?” A menina respondeu que a professora da instituição es- pecializada ainda não havia ensinado. Rosa disse: “Peça para sua professora

ensinar, viu? Hoje você não vai poder fazer a atividade, porque precisa saber as letras com acento”. Enquanto os demais alunos fizeram o exercício, a aluna cega passou o restante do tempo da aula “sem fazer nada” e a professora ficou corrigindo os diários.

Atividade do livro sobre acentuação:

1. Complete as palavras acrescentando as vogais abaixo: â ê ô á é í ó ú

ip__ baob__ copa__ba cabre__va __bano tasm__nia 2. Leia estas palavras:

Amazônia árvores é também imbaúba Escreva essas palavras na linha correta:

acento agudo: acento circunflexo:

Numa aula sobre acentuação era necessária a explicação acerca das representações do acento na escrita convencional e na escrita em braille, uma vez que nesse sistema de escrita cada vogal acentuada possui uma combinação de pontos diferenciada em relação à vogal não acentuada, enquanto que na escrita convencional são usados sempre os mesmos sinais para representar os acentos (

^

,

´

,

`

). Em braille, a letra a, por exemplo, é representada pelo ponto 1; á é representada pelos pontos 1,2,3,5,6; â é re- presentada pelos pontos 1,6. Ainda que não soubesse escrever pelo sistema em relevo, a professora poderia ter utilizado a tabela com os sinais das letras em braille para esclarecer essas diferenças (no início do ano letivo, uma tabela com os sinais em braille foi entregue pela professora da insti- tuição especializada para a professora Rosa). Explicações dessa natureza tornam-se interessantes, inclusive, para os alunos videntes. Além disso, se a professora Rosa tivesse informado os pontos usados para representar cada letra acentuada, a aluna poderia ter feito o exercício, já que não tinha difi- culdades para usar reglete, apenas não conhecia as combinações de pontos para cada vogal acentuada em braille. Para enriquecer a aula, a professora também poderia ter mostrado para a aluna cega como são representados os acentos agudo, circunflexo e a crase na escrita convencional. Para isso, poderia utilizar tinta relevo.

A professora Jaciete (5º ano, escola municipal) realizava frequentemen- te ditado de palavras. Em uma de suas aulas, Jaciete selecionou algumas palavras do hino nacional para ditar para a turma. Abaixo, segue o ditado da criança cega, transcrito pela pesquisadora:

Nome da escola escrito com erros de ortografia Professora Gasete

31 de masu de 200104

4 Embora não seja o foco de nossa pesquisa, identificamos que a aluna cega possuía

dificuldade para registrar numerais com três algarismos ou mais. Por exemplo, para registrar 102 (cento e dois), a menina escrevia 1002 (mil e dois). Tivemos a oportunidade de ver a sequência de numerais, de 100 a 200, escrita pela criança, e verificamos que os representou incorretamente, exceto o numeral 100 (cem): 100, 1001 (101), 1002

Detado (Ditado)

imagen imagen (imagem) rizonho rizonho (risonho) resplandesen resplandesen (resplandecem) propia propia (própria) dezafia dezafia (desafia) linpidu linpidu (límpido) esperansa esperansa (esperança) formozo formozo (formoso) gomqistar comqistar (conquistar) qrozeiro qrozeiro (cruzeiro)

Depois de ditar, Jaciete escreveu no quadro as palavras para que os alunos corrigissem e pediu que não apagassem a palavra escrita errada, mas que escrevessem ao lado a palavra com a escrita correta. Para a aluna cega, a pro- fessora solicitou que lesse para ela as palavras que escreveu em braille, porque Jaciete não consegue ler através desse sistema. A menina leu cada palavra escrita acima para a professora, pronunciou cada uma corretamente (a não ser a palavra “conquistar”, que pronunciou “gonqistar”, conforme seu registro) e Jaciete não percebeu que todas as palavras foram grafadas com erros de ortografia, uma vez que não pediu à aluna para soletrar cada palavra escrita. Baseada somente na pronúncia, sem ter contato com a ortografia produzida pela criança, a professora disse que estava certo (exceto a palavra “gonqistar”, que esclareceu a pronúncia correta) e pediu que a menina escrevesse todas as palavras novamente, ao lado do que já havia escrito.5

Na primeira observação realizada na aula da professora Elisa (4º ano, escola estadual) percebemos que a mesma não se dirigia ao aluno cego e esse foi o procedimento de todas as aulas. Quando falava com a criança, (102), 1003 (103), [...] 10010 (110), 10011 (111) etc. Depois de escrevê-los, a menina leu para a professora, que não identificou o erro, por não saber braille. O registro 1001, a menina leu cento e um, 1002, leu cento e dois etc.

5 Jaciete nos informou que não encaminhava para a instituição especializada as atividades

feitas para que fossem transcritas de braille para tinta e, desse modo, não tinha aces- so à escrita da aluna para identificar os erros de ortografia em sua produção escrita. A pro fessora acrescentou que não enviava, porque no ano anterior havia feito isso e, com a exceção das avaliações, as atividades não retornavam transcritas. Após a correção do ditado, portanto, Jaciete arquivou a atividade da aluna cega numa pasta.

geralmente, era para pedir que colocasse a máquina de braille em cima da mesa, que entregasse as atividades de casa para ela e, muitas vezes, solici- tava que o próprio aluno fosse à sala de recursos pedir as transcrições de exercícios de braille para tinta e de tinta para braille, retirando-o da sala de aula em momentos de exposição de conteúdos, de exercícios de classe e de correções de atividades. Em diversas ocasiões vimos Elisa explicar os assuntos, copiar atividades no quadro, pedir que a turma fizesse os exercícios no livro, mas não ditava o que havia escrito no quadro para o aluno cego copiar, não sentava ao lado do aluno para perguntar se compreendeu os conteúdos e se ficou com alguma dúvida, nem solicitava que respondesse as questões do livro. O aluno não tinha os livros em braille, mas observamos que quando Elisa eventualmente pedia a transcrição com antecedência, a professora da sala de recursos entregava o material em braille. No entanto, essas situações foram raras, pois na verdade, Elisa preocupava-se apenas em solicitar as avaliações em braille. A criança passava a manhã toda sentada em sua carteira, geralmente de cabeça baixa. Muitas vezes parecia estar dormindo, mas quando algo que acontecia na sala chamava a sua atenção, ele levantava a cabeça e logo depois abaixava novamente. Para trabalhar com a ortografia, Elisa realizava breves exposições orais, atividades de treino ortográfico e ditado tradicional, entretanto, o aluno cego não participava de tais atividades, porque a professora não ditava o que estava escrito no quadro e por não ter as páginas do livro em braille.

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