• Nenhum resultado encontrado

7 A PESQUISA

7.1 Metodologia e forma de análise dos resultados

7.1.1 Análise do discurso

Conforme Orlandi (2002), nos anos 60 a análise do discurso estava embasada em três disciplinas que interagem: lingüística, marxismo e a psicanálise. Ela articula o lingüístico com o social e se propõe a “realizar leituras críticas e reflexivas que não reduzam o discurso a análises de aspectos puramente lingüísticos nem o dissolvam num trabalho histórico sobre ideologia” (BRANDÃO, 2002). É assim uma disciplina inacabada. Citando Maingueneau, Brandão (2002) afirma que foram os formalistas russos que iniciaram por volta dos anos 20/30 os estudos do que mais tarde se chamaria discurso. Depois, nos anos 50 surgem os trabalhos de estruturalistas, e nos anos 60 atinge a sua forma de interação com as três disciplinas acima mencionadas.

Maingueneau (1997) prefere “especificar a análise do discurso como a disciplina que, em vez de proceder a uma análise lingüística do texto em si mesmo ou uma análise sociológica ou psicológica do seu contexto, visa articular a sua enunciação com um determinado lugar social”, e alerta que existem analistas de discursos com pontos de vista diferentes, uns mais sociológicos, outros mais lingüísticos e outros mais psicológicos.

Neste trabalho, as análises dos discursos dos professores entrevistados sobre o ensino de Ciências, sobretudo a Astronomia, tendem mais para uma abordagem psicológica,

pois se procura identificar suas inquietações, reações e sugestões com respeito às suas dificuldades com o ensino deste tema nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Porém, aspectos lingüísticos e sociológicos também foram considerados nas análises, enriquecendo a compreensão de suas dificuldades com a Astronomia e seu ensino.

Quanto à enunciação, Maingueneau (1997) alista alguns pressupostos: ela não deve ser concebida como a apropriação do sistema da língua por parte de um indivíduo; ela não reside no enunciador único, pois é a interação que está em primeiro lugar; ela ocorre independentemente do autor da palavra. O enunciado, por sua vez, é o produto do ato de enunciação. Conforme Fiorin (2001), a enunciação é o ato de produção do discurso, sendo uma instância pressuposta pelo enunciado, que por sua vez acaba deixando marcas no discurso que constrói.

No entanto, o enunciador pode ou não produzir a enunciação no interior do enunciado. Com um exemplo simples, Fiorin (2001) identifica os termos sujeito, enunciador, ato de enunciar e enunciado: “Eu afirmo que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos

quadrados dos catetos”. Aqui, o enunciador coloca o sujeito da enunciação (eu) e o ato de enunciar (afirmo) no interior do enunciado. Neste outro caso, o ato de enunciar fica de fora do enunciado: “O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”. Segundo Brandão (2002), a enunciação (que jamais se repete) é diferente do enunciado (que pode ser repetido).

A realização de um enunciado é um acontecimento histórico: é dada existência a algo que não existia antes que se falasse e que não existirá depois. E esta aparição momentânea é que se chama enunciação. Ela é assim um processo de apropriação da língua para dizer algo, pois a palavra não é “monológica, mas plurivalente e o dialogismo passa a ser (...) uma condição constitutiva do sentido. Baseado nesses pressupostos, Bakhtin elabora a sua

teoria da polifonia”, em que várias vozes falam simultaneamente sem que nenhuma delas seja

preponderante nem julgue as outras (BRANDÃO, 2002).

Maingueneau (2002) fornece um exemplo de um enunciador que cita a fala de alguém, mas não é o responsável por essa fala, nem como sendo o ponto de referência de sua ancoragem na situação de enunciação: um jornalista que relata um acontecimento datado no jornal e transcreve a fala de uma pessoa. Ele não se coloca responsável da enunciação desta fala em si, mas é o responsável pela primeira enunciação (o artigo do jornal) que afirma ter havido uma segunda enunciação (a fala da pessoa). Assim, percebe-se simultaneamente a voz do jornalista (discurso citante) e a da pessoa (discurso citado).

A realidade discursiva criada pelo sujeito é ilusória, pois é afetado por dois tipos de esquecimento. Brandão (2002) esclarece que no tipo de esquecimento nº 1, a fonte do sentido do discurso é a origem do que se diz, ou seja, o sujeito tem a impressão e a ilusão de que é ele o criador absoluto do seu discurso. No tipo de esquecimento nº 2, existe um funcionamento pré-consciente ou consciente em que o sujeito retoma o seu discurso para explicitar a si mesmo o que diz, para formulá-lo mais adequadamente, para aprofundar o que pensa, como uma interrogação retórica, por exemplo. Neste caso, o sujeito tem a ilusão de que o discurso reflete o conhecimento objetivo que tem da realidade (ORLANDI, 2002).

Para o discurso pedagógico, Orlandi (1996) explica que o professor se apropria do cientista, no sentido de que há um apagamento, pois “apaga-se o modo pelo qual o professor apropria-se do conhecimento do cientista, tornando-se ele próprio possuidor daquele conhecimento”. Dessa maneira, a posição do professor na instituição é a da “autoridade convenientemente titulada”. É neste tipo de discurso que se dá especial atenção neste trabalho.

Orlandi (2000) distingue a produtividade (obtenção de elementos variados através de operações que são sempre as mesmas) da criatividade (instauração do diferente na

linguagem, criando novas formas, novos sentidos). O mais freqüente é a produtividade. Por exemplo, as pessoas assistem a mesma novela contada muitas vezes com algumas variações.

Conforme Maingueneau (1997), uma das tarefas mais importantes da análise do discurso é classificar os discursos que são produzidos numa sociedade. Embora o que caracteriza um discurso não é o seu tipo, mas o seu modo de funcionamento, Orlandi (2002) apresenta exemplos de tipologias de discursos que se reflete nas diferentes instituições e suas normas: discurso político, jurídico, religioso, jornalístico, etc. Voltando-se para a importância dos modos de funcionamento, apresentam-se critérios para se distinguir suas diferenças, totalizando pelo menos três discursos: autoritário (polissemia é contida), polêmico (está entre polissemia e paráfrase) e lúdico (polissemia aberta).

Comentando mais sobre esta tipologia, Orlandi (2000) informa que o autoritário tende para paráfrase (o mesmo) e procura-se impedir mudanças (tenta-se impor um só sentido); já o polêmico, apresenta um equilíbrio tenso entre polissemia e paráfrase, em que a mudança (ou reversibilidade) se dá sob condições, é disputada pelos interlocutores, havendo possibilidade de mais de um sentido; e finalmente o lúdico tende para total polissemia, a reversibilidade é total. Para exemplificar, o exagero do discurso autoritário é o militar, o do polêmico é a injúria e o do lúdico é o non sense.

Quanto à temporalidade de um gênero do discurso, Maingueneau (2002) comenta que esta implica em vários eixos: uma periodicidade (um curso, um telejornal são periódicos, mas um pronunciamento de chefe de Estado ou um panfleto não obedecem uma periodicidade); uma duração de encadeamento (um jornal distingue duas durações de leitura: o levantamento dos elementos destacados em negrito e em maiúsculas, seguido de uma verdadeira leitura do texto); uma continuidade no encadeamento (uma piada precisa ser contada de uma vez, ao passo que a leitura de um romance pode ser interrompido); uma

duração de validade presumida (uma revista é considerada válida durante uma semana e um jornal, por um dia).

Em qual desses três tipos de discursos (lúdico, polêmico, autoritário) se encaixaria o discurso pedagógico, que é o principal objeto de análise neste trabalho? Orlandi (1996) o identifica como um discurso autoritário, “tal qual ele se apresenta atualmente”. O ensinar aparece como inculcar, o que é muito mais do que explicar, informar, influenciar ou persuadir.