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7 A PESQUISA

7.1 Metodologia e forma de análise dos resultados

7.1.2 Textos e seus sentidos

Tradicionalmente, o termo texto é associado a duas propriedades estreitamente ligadas: ele tem uma estruturação forte e é relativamente independente do contexto (MAINGUENEAU, 1997).

Quando determinado texto admite mais de uma leitura, diz-se que o texto está aberto (FIORIN, 2001), permitindo qualquer interpretação válida, mas não toda e qualquer leitura, pois tais leituras já estão inscritas no texto e se apresentam apenas como possibilidades de múltiplas interpretações. Quando isto ocorre, têm-se o que se chama de polissemia. Segundo Orlandi (2000), a polissemia permite atribuir vários sentidos a uma mesma palavra. Por isso, a leitura é considerada atribuição de sentidos na análise de discursos.

Um enunciado não o é por si só. A matéria lingüística é apenas uma parte dele, pois existe uma outra parte que não é verbal: o contexto da enunciação (BRANDÃO, 2002). Considerando que a linguagem é interação e um modo de produção social, ela não é neutra, pois possui uma intencionalidade. Ela também não é natural nem inocente. Por isso, a linguagem, enquanto discurso, está carregada de ideologia. O texto é assim o lugar, o centro

comum que se faz no processo de interação entre falante e ouvinte, autor e leitor (ORLANDI, 1996).

O texto, para Orlandi (2002) não possui só o lado lingüístico, mas é também um fato discursivo, sendo sempre heterogêneo. Diz-se heterogêneo pelo menos em três sentidos: quanto à natureza (por exemplo: imagem, som, grafia); quanto à natureza das linguagens (por exemplo: oral, escrita, científica, literária); quanto às posições do sujeito. Neste sentido, Maingueneau (2002), afirma que “um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada”.

Orlandi (2000) usa uma metáfora visual para esclarecer o texto e seus sentidos. Quando alguém que olha para uma árvore se desloca, percebe que os detalhes ao fundo mudam de posição em relação à árvore. Assim, cada olhar do observador apreende formas diferentes. Numa foto, porém, ocorre uma colagem destes detalhes justapostos, sendo uma representação no sentido plano e sem espessura, achatado. A foto fixa apenas uma perspectiva, idealizada, embora existam várias perspectivas que o olhar pode assumir (polifonia), e sem espessura, ou sem historicidade. Uma unidade do texto não deveria ser encarada como esta foto, pois não é plana; o olhar do leitor atinge diversos pontos.

Assim como uma fotografia bidimensional que representa o tridimensional, o texto teria pontos de entrada e de fuga. Os primeiros corresponderiam a múltiplas posições do sujeito. E os pontos de fuga são as diferentes perspectivas de atribuição de sentidos: ao relacionar-se com vários pontos de entrada, o leitor pode produzir leituras que se encaminham em várias direções. Os pontos de entrada são efeitos da relação do sujeito-leitor com a historicidade do texto. Os pontos de fuga são o percurso da historicidade do leitor, em relação ao texto.

O acontecimento-leitura ocorreria quando, diante de um texto, um sujeito está afetado pela sua historicidade e se relaciona com o texto por alguns pontos de entrada, que

têm a ver com a historicidade do texto e a sua. Como o texto não é transparente, há um efeito de refração em relação à historia de leituras do leitor, efeito esse que é função da historicidade do texto (sua espessura, sua resistência). Assim se dá o processo de produção dos sentidos.

Para a leitura de um texto, deve-se levar em conta as histórias da leitura do texto e as histórias das leituras do leitor. Desta forma, o leitor atribui sentidos ao texto, e por isso o ato da leitura é o momento crítico em que se desencadeia o processo de significação (ORLANDI, 2000). Existem algumas condições de produção para a leitura: sujeitos (autor e leitor), ideologia, diferentes tipos de discursos.

Para Orlandi (2000), lemos diferentemente um mesmo texto em épocas (condições) diferentes e um texto tem relação com outros textos (intertextualidade). Como todo leitor tem sua história de leituras já realizadas, surgem dois tipos de leitura: a leitura parafrástica (que procura repetir o que o autor disse, reproduzindo seu sentido) e a polissêmica (que atribui múltiplos sentidos ao texto). Além disso, a leitura é produzida em condições determinadas, em um contexto sócio-histórico que deve ser levado em conta, ou seja, toda leitura também tem sua história.

O analista do discurso, que pretende realizar a leitura de um texto/discurso, lida com palavras que se encontram no dicionário, mas não é nele que encontrará todos os elementos necessários para apreender o valor de uma palavra em determinada formação discursiva (MAINGUENEAU, 1996).

Orlandi (2002) explana os passos gerais para uma análise: o pesquisador elabora uma pergunta, que define a forma da análise, que por sua vez define a forma do dispositivo analítico (que amoldará a prática de leitura e a interpretação). Uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrição dos materiais. Um mesmo analista, formulando uma questão diferente, também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais. Cada pesquisador terá seu próprio dispositivo

analítico, que é determinado pela natureza do material analisado, questão do pesquisador, e domínio de disciplinas que o analista se filia.

A produção da linguagem não é transmissão de informação, mas efeitos de sentido entre locutores: daí decorre o efeito-leitor. Os sentidos não são propriedades privadas nem do autor e nem do leitor, pois são efeitos da troca de linguagem. Os sentidos são partes de um processo, se realizam em um contexto, têm historicidade, possuem um passado e se projetam para um futuro (ORLANDI, 2000).

Maingueneau (1996) lembra que um discurso não possui limites, como um terreno, nem é desmontável como uma máquina, mas constitui-se em signo de alguma coisa, para alguém, em um contexto de signos e de experiências.

Assim, uma conversa de bar não se constituiria, em princípio, em objeto de análise, embora esta seja passível de estudos (MAINGUENEAU, 1996). A análise do discurso relaciona-se com textos que são produzidos no quadro de instituições, os textos que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado, e com os quais se cristalizam conflitos históricos, sociais, etc.

Conforme Brandão (2002), em Foucault, os discursos são concebidos como uma dispersão. Orlandi (2000) vai mais longe ao dizer que o discurso é uma dispersão de textos e o texto é uma dispersão do sujeito. A análise do discurso, descrevendo esta dispersão por meio de regras de formação, determina uma formação discursiva, possibilitando a passagem da dispersão para a regularidade, que é atingida pela análise dos enunciados que constituem a formação discursiva. O discurso é assim, um conjunto de enunciados que se remetem a uma mesma formação discursiva (BRANDÃO, 2002). O discurso não é simplesmente um conjunto de textos, é uma prática. Para se encontrar sua regularidade não se analisam seus produtos, mas os processos de sua produção (ORLANDI, 2000).

FIGURA 17 – A formação discursiva atingida pela análise, conforme ilustrado neste trabalho.

Discurso é diferente de linguagem. Por exemplo, um materialista, um idealista, um revolucionário, um reacionário, um que dispõe de um dado conhecimento, um que não dispõe de um dado conhecimento, todos possuem o mesmo sistema de língua, mas não possuem o mesmo discurso (BRANDÃO, 2002).

Voltando para o conceito de Orlandi (2000), o texto é heterogêneo, ou seja, ocupa (ou marca) várias posições no texto. Desta forma, o discurso é caracterizado pela dispersão de um modo duplo: a dos textos e a do sujeito. O texto é atravessado por posições do sujeito. Em um mesmo texto podemos encontrar enunciados de discursos diversos, que derivam de várias formações discursivas. Toda palavra é dialógica, todo discurso tem dentro dele outro discurso, que tudo que é dito é um já-dito.

É isto que torna a análise do discurso diferente da gramática e da lingüística. Ela procura compreender a língua fazendo sentido (ORLANDI, 2002). A linguagem é mediação entre o homem e a realidade natural e social, e a análise do discurso relaciona linguagem à sua exterioridade (situações em que produz o dizer). Orlandi (1996) esclarece o termo mediação como relação constitutiva, ação que modifica, que transforma, e não como um instrumento. As palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não Discurso: dispersão de textos

Enunciado A Enunciado B Enunciado C Enunciado C Enunciado A Enunciado B Análise usa as regras de formação Formação discursiva atingida pela análise

sabemos como se constituíram e que, no entanto significam em nós e para nós. No dizer há sempre um não-dizer, que pode ser interpretado de diferentes maneiras, dependendo do que o analista procura.

O discurso possui assim algumas características essenciais, segundo Maingueneau (2002): o discurso é uma organização situada para além da frase, é orientado, é uma forma de ação, é interativo, é contextualizado, é assumido por um sujeito, é regido por normas, e é considerado no bojo de um interdiscurso.

Em Maingueneau (1996), na perspectiva pragmática, a linguagem é considerada como uma forma de ação, sendo cada ato de fala (por exemplo: batizar, permitir, prometer, afirmar, interrogar) inseparável de uma instituição. Considerando este lugar social dos interlocutores, Orlandi (1996), salienta que o falante “sabe” a sua língua mas nem sempre tem o “conhecimento” do seu dizer, ou seja, o que diz (ou compreende) tem relação com o seu lugar (“saber” no domínio técnico e “conhecimento” no domínio teórico).