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Especulações sobre as origens das concepções alternativas em Astronomia

3 AS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS EM ASTRONOMIA

3.3 Especulações sobre as origens das concepções alternativas em Astronomia

A partir de pesquisas já efetuadas sobre concepções espontâneas de estudantes, como as consideradas anteriormente, pode-se destacar que algumas idéias de senso comum, quer sejam em jovens em fase escolar, quer sejam em adultos e professores, são provavelmente provenientes do deficiente ensino de Astronomia, pois talvez a falha esteja “ligada diretamente à formação do professor”, conforme Maluf (2000). De fato, “a carência dos professores e alunos continua muito grande em Astronomia” (BRETONES, 1999).

Depois da análise de tais pesquisas, é importante recapitular resumidamente as concepções alternativas mais comuns em Astronomia: as diferenças entre as estações do ano são causadas devido à distância da Terra em relação ao Sol; interpretação das fases da Lua como sendo eclipses lunares semanais; possuem uma visão geocêntrica do Universo; colocam

estrelas entre os planetas do Sistema Solar; desconhecem o movimento aparente das estrelas no céu com o passar das horas, incluindo o movimento circular das mesmas no pólo celeste; associam a presença da Lua exclusivamente ao céu noturno, admirando-se do seu aparecimento durante certos dias em plena luz do Sol; associam a existência da força de gravidade com a presença de ar, acreditando que só existe gravidade onde houver ar ou alguma atmosfera (NARDI, 1991 e 1994; BAXTER, 1989; BARRABIN, 1995; CAMINO, 1995; STAHLY, 1999).

Como já citado no item anterior, as pesquisas apontam que até mesmo entre docentes verifica-se a persistência de concepções alternativas, semelhantes àquelas diagnosticadas em estudos realizados com estudantes (TEODORO, 2000). Segundo Tignanelli (1998), no Ensino Fundamental, “quais os temas de astronomia que são ensinados e como são ensinados são dois dos aspectos menos claros para o docente”. Os próprios alunos dos anos iniciais chegam a sugerir conteúdos de Astronomia para suas aulas, muitos dos quais com características relativamente simples, como as estações do ano, mas “a professora desconhece sua explicação, tendo que recorrer a visitas ao Planetário” ou pedir ajuda para outras professoras (OSTERMANN e MOREIRA, 1999).

Para Barros (1997), esta situação se dá devido, principalmente, a cinco causas. Primeiro, às dificuldades cognitivas deste tema e de outros relacionados, tais como ótica, luz ou geometria. Segundo, à ausência de evidências claras e perceptíveis que provem o movimento terrestre. Terceiro, à metodologia de ensino, geralmente caracterizada pelo excesso de leitura e interpretação de textos e, por falta de observações diretas do céu, nem sempre estimuladas pelos livros didáticos ou pelos professores. Quarto, à deficiente formação dos docentes neste campo da Astronomia, tanto do ponto de vista teórico como prático. Muitos dos professores em exercício ou em formação sustentam concepções alternativas semelhantes aos de seus alunos, o que apenas multiplica estes erros conceituais. E finalmente,

ao tipo de vida cada vez mais urbano, que não facilita as observações do céu noturno, devido à poluição luminosa, ou seja, à luz excessiva que ofusca o brilho dos corpos celestes.

A respeito de algumas dificuldades cognitivas em Astronomia, tome-se como exemplo o geocentrismo. A própria história da Astronomia parece confirmar o motivo da existência persistente desta concepção alternativa em alunos, pois há uma lógica intrínseca no sistema geocêntrico, que talvez tenha sido a responsável pela sua longa duração durante séculos. Do ponto de visa de um habitante terrestre, é praticamente um fato indiscutível que todos os astros movem-se ao redor do nosso planeta, que seria o centro de todos os movimentos. Esta percepção parece muito clara e persistente nas concepções das crianças que iniciam sua carreira escolar, como indicaram as pesquisas da área.

De fato, como mostra a história da Astronomia, parece também ter sido difícil mudar esta concepção até entre os grandes pensadores, pois quando idéias diferentes do geocentrismo surgiram (tais como Hiceta de Siracusa, Heráclides do Ponto e Ecfanto sugeriram), outros foram imediatamente de encontro, retornando a uma Terra centralizada, em que parecia mais natural que uma esfera celeste girasse ao redor do nosso planeta, como propôs Platão, embora ele mesmo não realizasse trabalhos observacionais (NEVES, 2000).

No entanto, a rigorosa observação celeste apresentava determinados fenômenos astronômicos que não condiziam com o modelo até então aceito, e que poderia ser solucionado com um sistema heliocêntrico. Porém, quando Aristóteles (384-322 a.C.) concebeu os movimentos celestes utilizando um intrincado modelo de esferas para explicar as irregularidades encontradas pelo sistema geocêntrico, esta idéia persistiu por longos anos. Aristarco de Samos, citado por Arquimedes (287-212 a.C.), chegou a modelar um Sol estático em torno do qual os planetas e a esfera de estrelas fixas giravam, mas as críticas sobre uma Terra móvel impediram a ruptura do paradigma vigente do geocentrismo, prevalecendo firmemente estabelecido até praticamente Nicolau Copérnico (1473-1543), que mudou o

referencial dos movimentos planetários para o Sol, fazendo da Terra um planeta como qualquer outro a orbitá-lo.

Contudo, inúmeros argumentos surgiram contra o sistema heliocêntrico apresentado por Copérnico, com a finalidade de favorecer um universo geocêntrico. Até mesmo o seu discípulo, Osiander, parece ter acusado anonimamente Copérnico de querer compatibilizar dados observacionais com modelos geométricos, distanciando os modelos astronômicos das realidades físicas, fazendo uma alusão à distinção entre o ‘método do físico’ e o ‘método do astrônomo’ (Duhem, 1984), que seriam duas descrições distintas do mundo, o que ocasionaria uma separação entre a Física e a Astronomia, bem diferente da concepção atual, onde a Astronomia é considerada um ramo da Física. Copérnico, porém, acreditava que seu sistema estava realmente de acordo com suas hipóteses, que ‘salvava os fenômenos’, embora o modelo copernicano ainda apresentasse muitas oportunidades de aprimoramentos, as quais ocorreram com outros astrônomos que o sucederam.

A dificuldade de aceitação do heliocentrismo parecia enfim estar se desvanecendo, mas ainda não era plenamente aceito. Foi somente com os trabalhos de Galileu Galilei, Newton e de experimentos comprovadores da mobilidade da Terra realizados por outros cientistas (abrangendo um período de uns 240 anos a partir de 1610), que a Terra finalmente ganhou uma posição dinâmica no sistema solar.

A resistência ao heliocentrismo testemunhado pela história parece refletir na persistência da concepção alternativa do sistema geocêntrico na cognição dos alunos em anos iniciais. Apesar de tudo isso, o geocentrismo continua respondendo bem a muitos cálculos realizados com o uso da esfera celeste, sendo vários deles utilizados no mundo contemporâneo, num referencial de Terra estática. Cita-se como exemplo, as grandes navegações que dependiam das coordenadas celestes e geográficas, pilotos de aeronaves que em casos de emergência viram-se na necessidade obrigatória de recorrer a noções de esfera

celeste, ou ainda navegadores aventureiros que baseiam algumas de suas viagens inteiramente num referencial geocêntrico.

Assim, o geocentrismo perdurou por muito tempo pela sua própria lógica intrínseca, e parece também persistir como concepção alternativa na mente das crianças, como indicam as pesquisas na área, brevemente revisadas nos itens anteriores. Além disso, não se pode negar a utilidade e o valor do sistema geocêntrico que ainda hoje funciona muito bem, dentro dos limites a que se presta. Por isso, críticas sobre a falta de uma ‘revolução copernicana’ nos alunos acabam sendo infundadas quando não se compreende como as variáveis, ao longo da história, contribuíram para estabelecer diversos paradigmas, e privilegiar diferentes referenciais físicos hoje em dia (NEVES, 2000).

Após essa breve consideração histórica, uma outra possível origem destas concepções em Astronomia identificadas nas pesquisas é uma sutil diferença desta Ciência das outras disciplinas. Tignanelli (1998) menciona que esta diferença básica talvez seja a “impossibilidade de experimentação”, pois esta Ciência depende exclusivamente da observação. Por este motivo, “a pesquisa astronômica depende totalmente da informação que chega à Terra através do espaço. É praticamente impossível sair para buscá-la”.

Nascimento (1989) cita que muitos conteúdos sobre Astronomia são altamente divulgados pela imprensa e trazem a vantagem de despertar curiosidade e admiração entre os alunos. Por outro lado, “é provável que grande parte das informações veiculadas pelos professores e as concepções prévias dos alunos tenha origem na mídia” (BRETONES, 1999).

Tignanelli (1998) aponta que na mente de muitos, o fato de Saturno continuar sendo o único planeta com anéis, o Sol ser quente e brilhar por combustão, os cometas serem corpos quentes ou as estrelas caírem na Terra, apenas confirmam que estas concepções são o reflexo dos conhecimentos adquiridos nos filmes de ficção cientifica ou nos comentários dos jornais.

Ademais, filmes de ficção científica são responsáveis por aguçar a curiosidade (FRAKNOI, 1995); muitos destes filmes, que abordam situações em órbita da Terra, onde astronautas flutuam dentro de naves espaciais; conquistas de outros planetas, com suas atmosferas inóspitas; viagens intergalácticas com seres extraterrestres (embora neste caso também nem sempre representem a realidade, como a propagação do som de explosões espaciais em pleno vácuo, por exemplo), provocam dúvidas e despertam sua curiosidade e atenção. Assim, Tignanelli (1998) resume bem o assunto ao mostrar que a “bagagem astronômica das crianças”, parece estar estruturada numa mescla do seu próprio entendimento do mundo e do que aprende no ambiente familiar, filmes de ficção cientifica, imprensa, etc.

Ainda como uma possível origem de concepções alternativas, há de se acrescentar os sérios erros conceituais encontrados em livros didáticos, que acabam por definir ou moldar o perfil das concepções de alunos e docentes, embora este tema mereça um tratamento diferenciado sob um novo capítulo.