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A Análise de Gêneros como abordagem metodológica para o estudo de práticas discursivas

As pesquisas que adotam a AG como uma abordagem metodológica para o estudo de práticas discursivas têm apontado que alguns pesquisadores entendem o processo analítico como intuitivo (SWALES, 2004; BARTON, 2004; HYLAND, 2000). Para Swales (2004, p.95), o processo intuitivo acontece a partir da identificação de elementos importantes que emergem do texto e que façam sentido para o pesquisador, podendo ser analisados sem a adoção de qualquer tipo de quantificação, codificação ou modelo teórico. Essa percepção intuitiva implica identificar categorias que sejam oriundas do corpus e, na percepção de Marcuzzo (2006), parece que

(...) na prática, o que conta é a habilidade do pesquisador em identificar algum elemento interessante no texto para ser estudado, levando em consideração o contexto do gênero em questão e, a partir disso, combinar diferentes perspectivas metodológicas para a análise (MARCUZZO, 2006, p.17).

Ao longo dos anos, Swales (2004; 1998; 1990) tem redefinido alguns conceitos que orientam o estudo e análise de gêneros discursivos, pois, para o autor, não há uma única metodologia analítica que deve ser seguida passo a passo para a análise de gêneros. No entanto, nas discussões teóricas propostas por Swales, destacam-se dois aspectos metodológicos importantes, a saber: a descrição dos movimentos e passos retóricos (macroestrutura do gênero) e a interpretação das funções do gênero investigado na comunidade discursiva específica em estudo (ASKEHAVE; SWALES, 2001; MARCUZZO, 2006, p. 20).

Conforme apontado por Swales (2004), é importante analisar a relação de interdependência entre o texto (sua estrutura, conteúdo e traços característicos) e o contexto de produção do texto, levando em consideração as práticas discursivas da comunidade que produz o texto, seus valores, crenças e expectativas (HEMAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005, p.109; MARCUZZO, 2006, p.20). Para isso, é preciso observar o texto e o contexto em que esse texto se realiza, ou seja, parece importante entender quem são os participantes desse contexto, em quais atividades se envolvem e que elementos da situação geram os textos pertencentes a um gênero.

Ao proporem dois procedimentos para a identificação de gêneros, Askehave e Swales (2001) sugerem que o pesquisador, primeiramente, realize a análise textual linguística dos gêneros para, na sequência, realizar a análise contextual dos gêneros. No procedimento de análise textual/linguística, o propósito comunicativo deve ser analisado junto com a macroestrutura do texto, o estilo e o conteúdo. No procedimento de análise contextual, o propósito comunicativo mantém sua importância, assim como a identificação da comunidade, seus valores, suas expectativas e seu repertório de gêneros, além do levantamento dos traços peculiares desses gêneros (BIASI-RODRIGUES, 2007, p. 731).

Para Biasi-Rodrigues (2007), esses dois procedimentos, na concepção dos autores (ASKEHAVE; SWALES, 2001), valorizam o dinamismo dos gêneros, pois, em vez de se fazer uma análise centrada no texto, o analista de gêneros deverá investigar o texto e o contexto, como uma metodologia de múltiplas modalidades. Na mesma direção, Motta-Roth (2006, p.1) argumenta que as tendências teóricas atuais em estudos sobre gêneros enfatizam “a relação estreita entre contexto e texto”, [pois] “atividades culturalmente pertinentes são mediadas pela linguagem. Sob essa

Capítulo 1 – Caracterização do Problema

perspectiva, os elementos do texto resultam de uma dada interação social e precisam ser explicados em termos dos elementos do contexto”.

Essas questões apontadas pelos pesquisadores anteriormente citados (SWALES, 2004; MOTTA-ROTH, 2006; BIASI-RODRIGUES, 2007), permitem inferir que não basta olhar para a organização macroestrutural e microestrutural de um gênero, sem levar em consideração o contexto de produção, consumo e distribuição de gêneros. Nesta pesquisa, portanto, para identificar os discursos da comunidade de pesquisadores da área de CALL, tento entrevistar os participantes dessa comunidade – autores dos artigos analisados – de forma a produzir dados que me permitam interpretar os discursos com alguma propriedade e consistência.

Ao descrever procedimentos de AG, dentro da perspectiva da sociorretórica, Marcuzzo (2006), citando Bhatia (1993) e Hyland (2000), descreve nove passos para a AG, os quais são:

1. Classificar o gênero em um contexto situacional a fim de entender sua função

2. Pesquisar a literatura para selecionar referenciais teóricos acerca do tópico investigado; 3. Refinar a análise contextual a fim de identificar características situacionais e culturais; 4. Selecionar um corpus que seja apropriado / representativo;

5. Estudar o contexto institucional em que o gênero é usado; 6. Selecionar níveis de análise linguística;

7. Usar programas de computador para localizar jargões, palavras repetidas e expressões utilizadas em textos da área;

8. Entrevistar informantes da(s) área(s) investigada(s);

9. Solicitar que especialistas experientes da(s) área(s) investigada(s) testem o corpus. Quadro 1 – Passos para a análise de gêneros (MARCUZZO, 2006, p.21)

Adotar esses passos pode ser uma maneira de orientar a abordagem metodológica para a investigação do gênero, no entanto, a importância de seguir ou não todos eles depende do pesquisador. De acordo com Marcuzzo (2006),

na prática, os 9 passos do Quadro 1 não são obrigatórios e nem seguem essa seqüência linear em que foram apresentados. Esses passos são opcionais e realizados a partir das necessidades apontadas pelos textos e pelos contextos investigados (MARCUZZO, 2006, p.21).

Essas questões sobre os passos para AG nos permitem refletir sobre a análise contextual. Ao se referir à análise do contexto, Bhatia (2004) destaca também a importância de estudar o contexto institucional, incluindo o sistema em que o gênero é usado, as regras e as convenções (linguísticas, sociais, culturais, acadêmicas e profissionais) que orientam o uso da linguagem em tais contextos.

Para Motta-Roth (2006), ao investigar linguagem como gênero,

a relação dialética entre texto e contexto se evidencia, de tal sorte que a interpretação do texto (linguagem) depende da compreensão das condições do contexto (sociedade) e vice-versa – afinal, linguagem e sociedade constituem- se mutuamente (Fairclough, 1989)(MOTTA-ROTH, 2006, p.15).

Nesse sentido, parece que quando analisamos um determinado gênero, temos que levar em consideração as condições da sociedade. No caso específico da área de CALL, temos de observar os avanços realizados na sociedade em relação às tecnologias da informação que podem ser exploradas na prática de ensino. A área de tecnologias de certo modo tem influenciado ativamente a vida das pessoas.

Ao analisarmos os textos que temos a nossa disposição, é possível visualizar a materialidade do discurso, no entanto, conforme afirma Motta-Roth (idem), “esse texto não apenas “representa” as atividades sociais, mas “as produz”. Assim, parece evidente que, ao interpretar qualquer elemento linguístico ou cultural de um gênero, é preciso também observar “as ações sociais e linguageiras daqueles que participam do contexto que gera o texto” (MOTTA-ROTH, 2006, p.17).

Para Marcuzzo (2006, p. 21), ao analisarmos o texto, é preciso atentar para os três níveis em que a análise linguística pode ser realizada, que inclui, no primeiro nível, a investigação dos elementos léxico-gramaticais; no segundo, os padrões textuais ou de textualização, em termos lexicais, sintáticos ou discursivos e; no último, identificar os movimentos e passos retóricos no gênero em estudo.

Para orientar a análise dos artigos de CALL, nesta tese, adoto os procedimentos para análise, a partir da proposta de Motta-Roth (2006) para estabelecer conexão entre o texto e o contexto. As perguntas e orientações propostas pela autora estão resumidas no Quadro 2.

Capítulo 1 – Caracterização do Problema

A. Procedimento com foco no Texto B. Procedimento com foco no Contexto Entrevistar membros da comunidade relevante sobre suas práticas discursivas para confirmar procedimentos e interpretações, de modo a abrir novas perspectivas.

1a) Identificar o texto, a linguagem que se quer estudar.

1b) Identificar o problema, o contexto social, a atividade ou interação humana que se quer estudar.

2a) Identificar que problema ou contexto social está associado àquela linguagem, que atividade ou interação humana a linguagem medeia.

2b) Identificar que textos estão associados ao problema, que linguagem perpassa esse contexto social e medeia essa atividade ou interação humana que se quer estudar. 3) Situar o gênero em um contexto de situação e no contexto da instituição/de cultura para perceber sua função.

4) Revisar a literatura em busca de pesquisa prévia sobre o assunto.

5) Selecionar um corpus representativo dos textos e do contexto de situação.

6) Tentar identificar, em exemplares do gênero, padrões ou tendências de estrutura, de elementos linguísticos, de conteúdo ideacional, de discurso, etc.

7a) Análise dos textos do corpus para determinar sua organização geral e identificar padrões retóricos. A literatura sobre questões relacionadas ajuda a estabelecer um esquema classificatório.

7b) Refinar a análise contextual para identificar traços dos contextos de situação e de cultura.

8) Selecionar um ou mais níveis de análise que melhor dão conta da questão de pesquisa. 9a) Identificar os estágios do texto, os

movimentos retóricos, “o que nos diz o texto”.

9b) Estudar o contexto institucional no qual o gênero existe e como o gênero diz “o que se vive o contexto”

10ª) Usar programas de tratamento de dados de texto para localizar metadiscurso que sinalize características da disciplina (por exemplo, jargão, siglas, palavras ou expressões muito repetidas e práticas de citação que refletem o ethos disciplinar) e estratégias persuasivas para defender o valor e a novidade das afirmações.

10b) Comparar nossa interpretação com aquela de outros analistas ou membros da disciplina.

Quadro 2 – Procedimentos investigativos orientados para o texto e contexto (MOTTA-ROTH, 2005, p.13)

Ao explicitar a importância que as respostas dessas questões têm para a AG, Motta-Roth (ibidem, p.14) argumenta que, ao determinarmos uma metodologia de pesquisa, construímos ao mesmo tempo uma teoria geral - que tenta dar conta de fenômenos que se inscrevem em uma dada categoria - e uma “teoria local” - delimitada exatamente na medida em que esperamos dar conta de uma situação específica que desejamos investigar, conforme ilustra a Figura 2.

Figura 2 – Ciclo de Pesquisa para Análise Critica de

O conhecimento da teoria geral sobre análise de gêneros permitiu estabelecer relações entre o contexto e o

área de CALL e, a partir disso

descrever os discursos e entender as práticas sociais realizadas pelos participantes da área de CALL, parece ser uma maneira

constitui as bases epistemológicas dessa área e também ter uma visão mais ampla do que já existe e do que ainda

Na sequência, apresento os procedimentos metodológicos adotados pesquisa. Em primeiro lugar, descrevo o universo de análise e os procedimentos adotados para coletar o corpus

explico os critérios para a seleção dos periódicos e dos textos coletados para compor o corpus desta pesquisa. Por fim, apresento os procedimentos adotados na análise dos textos.

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