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Capítulo 2 Concepções de linguagem, de Ensino e Aprendizagem em CALL

2.1 Concepções de linguagem que orientam as pesquisas em CALL

2.1.1 Linguagem como fenômeno social e cognitivo

Como é sabido, a teoria Sociocultural (doravante SC) foi elaborada a partir de princípios propostos por Vygotsky (1998; 1993), por isso retomo neste capítulo algumas discussões já propostas nessa teoria, visto que explicam o papel da linguagem e da cognição nos processos de ensino e de aprendizagem (DANIELS, 2001, p.24).

Ao investigar a literatura sobre a SC, linguagem é concebida como um fenômeno social e cognitivo. De acordo com Vygostky (1998), o desenvolvimento cognitivo do ser humano acontece, sobretudo, pela interação, deixando a cognição de ser apenas inata para ser concebida como produto social por meio da interação, “já que os indivíduos são agentes ativos em seu próprio desenvolvimento” (DANIELS, 2001, p.24).

De acordo com Warschauer (2005), na abordagem sociocultural, a linguagem é entendida, tanto como um fenômeno cognitivo quanto social, porque ela se desenvolve no indivíduo e, por meio da mediação de ferramentas e possibilita a interação dos sujeitos em diferentes situações de uso da linguagem. Na visão de Vygotsky (1998), é a linguagem que irá se tornar o elemento mediador das relações interpessoais, da construção do pensamento e do compartilhamento de saberes entre os indivíduos. Portanto, o conceito de mediação torna-se central na teoria sociocultural.

Nesse sentido, é válido dizer que a SC procura explicar a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo como processos mediados, pois a linguagem é vista como um dos principais instrumentos de mediação, pelo qual o indivíduo interage e se desenvolve no contexto sociohistórico e cultural em que está inserido. Mais especificamente, conforme proposto por Wertsch et al (1995, p.11), “o objetivo da teoria sociocultural é explicar as relações entre as ações humanas, de um lado, e as situações culturais, institucionais e históricas em que essas ocorrem”.

Capítulo 2 – Concepções de Linguagem

Essas discussões que orientaram os processos de ensino e de aprendizagem de línguas já há muitos anos, constituem ainda principal base teórica, nos dias atuais, dos estudos mediados por computador. De acordo com Warschauer (2005, p.41), as contribuições propostas por Vygotsky, principalmente, o conceito de mediação e de aprendizagem social pode ser aplicado para explicar algumas ações realizadas na área de ensino de línguas mediado por computador.

Assim, na área de CALL, uma questão bastante discutida é como o computador, como ferramenta, pode mediar a aprendizagem e favorecer a aprendizagem de línguas. Como sugere Warschauer (ibidem), é importante entender a linguagem e o computador como ferramentas de mediação, não só no sentido de entender suas propriedades abstratas, mas também como ferramentas que podem transformar ações humanas.

Sendo assim, acredito que entender a linguagem como fenômeno social e cognitivo é essencial na aprendizagem de línguas estrangeiras, visto que ao interagir por meio de contextos diversos possibilita-se que os alunos façam uso da língua- alvo e demonstrem seu conhecimento cognitivo ao exteriorizar tais saberes por meio da comunicação e da interação com outros pares. Dentro da perspectiva da SC, os alunos são vistos como participantes de comunidades discursivas, por meio das quais podem se engajar, em contextos sociais e materiais diversos, ao fazer uso de recursos semióticos variados.

Na mesma direção, conforme destacam Kern, Warschauer e Ware; (2008, p.4), permitir que os alunos façam uso da língua-alvo em contextos reais de comunicação e interação, por meio da Internet, é uma maneira de possibilitar a aprendizagem de formas e estruturas linguísticas que, muitas vezes, são estudadas de forma descontextualizada em sala de aula.

Nos estudos analisados, uma pesquisa interessante que aplica os princípios da teoria sociocultural é a pesquisa #21 encontrada no corpus desta pesquisa (LUND, 2008). Nesse estudo, o autor analisa o uso de wikis em aula de língua inglesa, verificando como é possível identificar a zona de desenvolvimento proximal coletiva e a sociogênese14 ao possibilitar que os alunos realizem atividades via wikis.

Para o autor, a construção do conhecimento coletivo acontece a partir da inserção

14

A sociogênese enfatiza a relevância do mundo social na formação das funções psicológicas em contraposição à psicogênese na formação do sujeito (VALSINER; VAN DE VEER, 2000 apud LUND, 2008, p.35)

dos alunos em atividades que se alteram com o tempo, nas quais a linguagem e os artefatos usados na interação funcionam como recursos estruturais para a produção do conhecimento. O estudo mostra que os alunos, ao trabalham em e por meio de atividades nos wikis, criam tensões entre eles, em níveis individuais e coletivos. Além disso, os alunos, ao se inserirem nos wikis, por meio das atividades propostas, também desenvolvem a construção do conhecimento coletivo e o uso da linguagem.

Na SC, o aluno não é entendido apenas como um indivíduo que assimila apenas vocabulário e sintaxe, mas sim como um indivíduo que, ao se apropriar da linguagem em uso, passa a explorar o contexto social de uso dessa língua, para que as regras da gramática façam sentido e se tornem úteis para sua interação social (HYMES, 1971, p.10; LUND, 2008, p.50).

Para Hymes (ibidem), sintaxe e formas linguísticas não devem ser entendidas como estruturas autônomas e descontextualizadas, mas como recursos significativos que poderão ser usados de modo particular em comunidades discursivas específicas. Nesse caso, a gramática não deveria ser ensinada separadamente do contexto social, institucional e histórico, nem a cognição poderia ser ignorada do contexto de comunicação. Portanto, é preciso realizar atividades e tarefas que “capturam situações comunicativas que envolvem agentes e mediações significativas” (LUND, 2008, p.36).

Nesse sentido, concordo com Motta-Roth (2010)15, quando a pesquisadora

afirma que:

“Os princípios da teoria sociocultural foram apropriados em maior ou menor intensidade pelas várias teorias que se formularam posteriormente. Esses princípios emergem na Teoria de Gêneros no seu enfoque sobre o papel da linguagem na interação e vice-versa, no papel da interação na função da linguagem: numa (a linguagem) é estudada em relação à outra (a função) e vice-versa. Na Teoria da Atividade, o principio de que a linguagem é a ferramenta mediadora das atividades humanas e por ela se negociam significados e se constroem os entendimentos comuns das situações vividas e compartilhadas. Na Teoria da Complexidade, a dinâmica da interação e a complexidade das condições culturais intervenientes, descritas por Vygotsky em sua teoria sociocultural, apareceu na forma da dinamicidade da linguagem e de seu uso, assim a linguagem está sujeita à influência do que ocorre entre os indivíduos durante a interação (conforme LARSEN-FREEMAN, 2006, p.591). A linguagem está sujeita ao funcionamento cognitivo e às condições sociais” (MOTTA-ROTH, 2010). Nesta primeira seção, enfatizei alguns conceitos centrais na obra de Vygostky e relacionei tais discussões com o processo de ensino mediado por computador.

Capítulo 2 – Concepções de Linguagem

Para verificar como tais conceitos são referenciados em outras concepções de linguagem, na sequência, discuto a Teoria da Atividade e os estudos sobre gêneros discursivos que também seguem princípios vygostkianos.

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