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A INVESTIGAÇÃO DE CRIME E CASTIGO: UMA

2. ANÁLISE DA NARRATIVA DE CRIME E CASTIGO

A narrativa do autor é rica em detalhes, especialmente ao descrever os cenários, as peculiaridades dos personagens com as suas compleições físicas e aparências (traços estilísticos: vestes) e consegue transmitir ideias da segunda metade do século XIX e das situações da época (o romance foi publicado em 1866).

Demonstra uma visão sobre a religião e o existencialismo, dando enfoque da salvação pelo sofrimento, ao mesmo tempo em que aborda as questões do socialismo e do niilismo.

O autor evidencia na obra a importância do mundo interior e do exterior e deixa para o intérprete acreditar que ele reproduziu as experiências da sua própria vida para escrever Crime e Castigo. Daí o realismo que conseguiu retransmitir na sua narrativa (uma autobiográfica - ele ficou preso na Rússia em 1849, acusado de conspirar contra oCzar- esteve no exílio na Sibéria e no Cazaquistão durante nove anos, tendo contatos com assassinos e outros criminosos).

Ele trata a alienação como o tema principal da sua obra, numa análise da exploração psicológica do protagonista criminoso, ou seja, o mundo interior de Raskólnikovcom as suas angústias.

O escritor concentra a história na maneira como o assassino lida com a culpa que o atormenta, ou seja, nos faz compreender que não é o aprisionamento deRaskólnikov, fruto da punição real que é o castigo, mas sim o estresse e a ansiedade de tentar evitar a punição, numa verdadeira tortura mental, que o faz confessar o crime, sob pena de se enlouquecer.

Isso fica evidente em várias passagens de Dostoievski (2009, p. 137) dentre elas:

“Só quero que acabe logo!.” (p. 115) e “Se perguntarem pode ser até que eu confesse” - pensou ele ao aproximar-se da delegacia.”;

e ““Entro, me ajoelho e conto tudo...” (p. 116) e “Isso é porque ando muito doente - finalmente resolveu de modo lúgubre -,eu mesmo atormentei e torturei a mim mesmo, e pessoalmente não sei o que estou fazendo... E ontem, e há três dias, e todo esse

tempo me torturando... Saro, e... não vou me torturar... E se não sarar inteiramente? Meu Deus! Como tudo isso é absurdo para mim!...”.

Diferentemente, o objetivo deste texto é retratar os pontos principais dos fatos e tentar, por meio das técnicas investigativas hodiernas, desenvolver a sua investigação, com as ferramentas tecnológicas existentes na Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Para tanto, será igualmente necessário incluir nos cenários fictícios, contextos de hoje, de modo a viabilizar a aplicabilidade dos mecanismos atualmente existentes (aparelhos/equipamentos eletrônicos, legitimações biométrica, facial e biológica, dentre outros).

Assim, vamos aos fatos do romance de Dostoievski (2009). O crime vem descrito na primeira parte e ocorre da seguinte maneira: Ródion Ramanovich Raskolnikov (Raskólnikov) planeja e acaba por assassinar a idosaAliena Ivánovna, uma agiota a quem já havia penhorado quase todos os seus parcos objetos, e também a sua irmãLisavieta Ivánovna. Em seguida subtrai do interior da casa alguns deles.

A sua ideia de matar a velha agiota e robustecida depois de ouvir uma conversa na taberna entre dois jovens (um estudante e um oficial) que entendem que matá-la (a usurária) traria benefícios para muitos: “Eu, a essa maldita velha, era capaz de a matar e de roubá-la, e juro-te que não teria nem ponta de remorsos - acrescentou o estudante, exaltado.”, (p. 68).

Ele também se aproveita da informação que ouve quandoLisavieta Ivânovna, irmã da velha usurária, ao conversar com um comerciante e sua esposa numa feira, é convidada para se encontrar com o casal e deste modo, conclui que a agiota estará sozinha na noite seguinte: “De repente, adquirira uma informação certa; ... a velha ficaria em casa sozinha”, (p. 65).

Assim, premedita matar a velha com golpes de uma machada (machado). No próprio local em que reside sorrateiramente se apropria do mencionado instrumento e o esconde sob as roupas: “De um salto, lançou-se sobre a machada (era realmente uma machada)...”, (p. 78). Vai para a casa da velhaAliena Ivánovna,onde depois de entrar e utilizando o machado, desfere um golpe na cabeça dela, atingindo-a na têmpora, derrubando-a. Já no chão, ele desfere mais dois golpes com toda a força, sempre com as costas do machado e nas têmporas, jorrando muito sangue (p. 80).

Em seguida revista o corpo da velha e encontra a chave do cofre onde sabe que ela guarda os valores que recebe como garantia/penhor. Também subtrai do seu do corpo e nesse cômodo outros objetos.

Vai para o quarto e encontra sob a cama um baú e o abre. Dentro havia um relógio de ouro e outros objetos do mesmo metal, sendo: pulseiras, correntes, brincos, alfinetes, subtraindo-os.

Neste momento ouve um barulho que acredita ser de alguém caminhando na sala onde deixará o cadáver da idosa. Vai para esse local e vêLisavieta Ivánovna, em pé, assustada e olhando para a irmã morta (p. 83).

Ao vê-lo, ela tenta fugir, mas ele a segue sem que ela consiga sair desse mesmo cômodo e lhe desfere um golpe direto no crânio, com a lâmina do mesmo machado, matando-a.

Depois disso, se inicia a fraude processual para os crimes ficarem impunes.

Raskólnikov, para sumir com os vestígios, vai para a cozinha e lava as suas mãos e o machado, bem como as botas, pois tudo estava com manchas de sangue (p. 84).

Guarda o machado debaixo do sobretudo e fica à espreita para escolher o melhor o momento para fugir do local (um apartamento), levando consigo os objetos subtraídos.

Quando tentava sair do apartamento, percebe que outros dois interessados em conversar com a usurária (Kokh e Piestriakov) chegam à porta e embora tentem abri-la, percebem que está trancada por dentro, apenas com o trinco (p. 86).

Com muita dificuldade e habilidade consegue fugir dali, mas deixa rastros de informações durante a sua fuga, um deles é que ao se esconder noutro apartamento vazio, que passa por reformas (pintura), deixa cair parte dos objetos subtraídos.

Caminha até o seu apartamento, onde deixa o machado no mesmo local de onde havia retirado, visto que não lhe pertencia, mas sim ao zelador do edifício que habita.

Esconde as coisas subtraídas: primeiro no próprio cômodo que reside, em um buraco na parede.Ao acordar se vê preocupado e novamente verifica se suas roupas não estão com manchas de sangue. Depois resolve sumir com as provas, jogando-as fora:

“Lançar tudo no canal, jogar as provas na água, e assunto encerrado”; “...Rápido, rápido, jogar tudo fora”. (p. 133).

Porém, ao invés disso as esconde, pois acredita que algumas das coisas (os estojos) poderiam flutuar nas águas e isso seria notado pelas lavadeiras e as pessoas que ficavam nos

barcos e nas balsas ancorados à beira do rio, ademais seria suspeito um homem ir às margens e arremessar objetos nas águas (p. 134).

Por fim, resolve ir na direção de um bosque e esconder os objetos sob um arbusto, marcando o local (p. 135). Mas no trajeto encontra um pátio cercado com muros aparentando ser uma oficina de carpintaria ou serralheria. Num dos cantos vê uma pedra bruta. Remove-a com cuidado e cava um buraco debaixo de onde ela estava e coloca os objetos subtraídos. Depois, retorna a pedra para o mesmo local, certificando-se que tudo estava em ordem e certificando-sem sinais de ter sido mexido (p. 135/136).

A investigação da época seguiu os seguintes trâmites e por conta do que foi encontrado na cena dos crimes, a investigação se direciona paraNikolai, um pintor de parede que é preso acusado dos assassinatos, pois depois de encontrar aquelas joias queRaskolnikovacidentalmente derrubou quando se escondia, tentou vendê-las na taberna.

A respeito disso, o também estudante e amigo deRaskólnikov, Razumíkhinpassa a construir uma tese de defesa baseada no que hoje se denomina perfilamento criminal dos suspeitos presos (p. 178/179).

Ao continuar a sua tese ele ainda assevera e fala sobre o inquérito, dizendo: “...o estojo foi encontrado e o homem tentou enforcar-se, “o que não poderia acontecer se ele não se sentisse culpado!”. Eis a questão capital, eis o que me deixa irritado! Procura entender!” (p. 179/180).

Essa conversa irrita a Raskólnikov que manda todos saírem dali. Ao saírem Zóssimov

faz uma análise do comportamento dele, dizendo:

“...E tu notaste que ele é indiferente a tudo, silencia sobre tudo, exceto sobre um ponto que o faz sair de dentro de si: o assassinato?...” o que é confirmado por Razumíkhin ao dizer:

“Como notei! Se interessa, se assusta. É que no próprio dia em que adoeceu o assustaram, na delegacia, quando estava com o inspetor de polícia; desmaiou.” (DOSTOIEVSKI, 2009, p. 196).

Esses fatos causam ainda mais angústia em Raskólnikov, sentimento que o atormenta ao premeditar o crime e o persegue com a perturbação quando a culpa passa a incomodar a sua consciência, depois do cometimento. Em certo momento ele se convence e deseja no seu íntimo a sua punição penal pelo que cometeu.

A partir da prática do crime,Raskólnikovpassa a perambular pelas ruas, vai à casa do amigoRazumíkhin(p. 137); é chicotado por um cocheiro (p. 140) e retorna para casa onde tem alucinações, delírios e quando encontra com aNastássia(criada e cozinheira da senhoria), perde os sentidos e desmaia.Nastássialhe entrega uma intimação para

comparecer ao comissariado, pois tinha muitas dívidas da pensão onde mora e que pertence a Praskóvia Pávlovna, a qual lhe cobra sem cessar os aluguéis atrasados.

Quando está na Delegacia, pois havia uma promissória sua em cobrança, ouve os comissáriosIliá Pietróvitch e Nikodim Fomitch conversando sobre os assassinatos da velha e de sua irmã. Nesse momento ele pensa em confessar, mas desiste e pela angústia, também desmaia na Delegacia (p. 143/145).

Essa angústia também é aflorada pelo histórico familiar vivido pelo personagem.

No enredo da história há informações sobre a família deRaskólnikov. A sua mãe é Pulkhéria Alieksándrovnae a sua irmã é Avdótia Románovna (chamada deDúnia), que vivem noutra localidade (numa província). Também com muitas dificuldades, conforme relata uma carta escrita: “Tu bem sabes como eu te quero; tu és o nosso filho único, para mim, e para Dúnia; tu és tudo para nós, toda a nossa ilusão, toda a nossa esperança.” (p. 32).

Mas a sua perturbação aumenta ainda mais quando a sua mãe e irmã chegam na capital, isso logo depois dos assassinatos. Ambas são muito religiosas e ele as admira demais. Assim, só de pensar que elas poderiam saber do ocorrido, lhe causa ainda mais preocupação (p. 207).

O seu amigoRazumíkhinse simpatiza com a irmã deRaskólnikov, como também o médicoZósimov. Surgem ciúmes entre os dois amigos. Porém, tantoDúniabem como Pulkhériademonstram mais afeição comRazúmikhin.

Mas na verdade o motivo da visita é para informar que a situação financeira da família, começa a melhorar. Contudo ele descobre que isso acontece pois há pretendentes ricos para a sua irmã: Pyotr Petrovich Luzhin e Arkady Ivanovich Svidrigaïlov. Ambos tentam conquistar a irmã deRaskolnikov. Mas começa um conflito familiar entre ele e a sua família, pois entende que a sua irmã estaria se sacrificando por ele e não aceita.

Piotr Pietróvitch Lújiné um rico e bem sucedido advogado (é conselheiro da corte), o qual já havia se mudado para São Petersburgo. Elas acreditavam queRaskolnikov poderia trabalhar com ele (p. 36). Mas em um jantar acaba sendo destituído da posição de noivo. Por issoPietrovitchprocuraSônia(depois haverá descrição sobre ela) e lhe oferece dinheiro para que possa influenciarRaskolnikóv. Ainda tenta armar uma cilada paraSônia, acusando-a falsamente de furto, mas é desmascarado e fica desmoralizado.

Além de tudo, há uma passagem em quePietróvitch Lújin, depois que se apresenta paraRaskólnikov, demonstra saber do duplo assassinato:

“Não dá para afirmar; mas neste caso estou interessado em outra circunstância, por assim dizer, em toda uma questão. Já nem falo

que os crimes aumentaram na classe inferior nos últimos cinco anos; não falo das pilhagens constantes que acontecem em toda parte nem nos incêndios; o mais estranho para mim é que os crimes estão aumentando da mesma forma nas classes superiores e, por assim dizer, paralelamente. Ouve-se dizer que aqui um exestudante assaltou o correio numa estrada real; ali gente de posição social destacada falsifica dinheiro; em Moscou, capturam uma quadrilha de falsificadores de bilhetes de loteria e entre os seus principais participantes há um professor universitário de história universal; alhures no exterior assassinam um nosso secretário diplomático por misteriosos motivos de dinheiro... E se agora essa velha usurária tiver sido assassinada por um de seus clientes de penhor - e essa pessoa terá de ser da sociedade mais alta, uma vez que os mujiques não empenham objetos de ouro -, então, a que atribuir esse desregramento - por um lado - da parcela civilizada da nossa sociedade?” (DOSTOIEVSKI, 2009, p.

192/194).

Esse comentário só faz aumentar ainda mais a angústia de Raskólnikov e ele também não o aceita como noivo da sua irmã e diz a ela: “Ou eu ou Lújin” (p. 286).

A sua angustia só é atenuada quando ele se convence que a sua conduta é moralmente importante pelo motivo de ser nobre, pois se considera uma pessoa superior e para atingir os seus objetivos (avanço para a humanidade) justificaria a prática desse ato ilegal (p. 284).