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PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA X DIGNIDADE HUMANA

DIREITO À SEGURANÇA,

3. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA X DIGNIDADE HUMANA

No setor Público, sobretudo na área da Segurança Pública, a proteção dos dados pessoais sensíveis deve atentar para a transparência no tratamento e para a finalidade da coleta desses dados. Conforme a LGPD (art. 6º, I) o tratamento deve atender a propósitos legítimos, específicos e explícitos. A segurança (art. 6º, VII) também é fundamental para evitar, através de medidas técnicas e administrativas, que os dados pessoais sejam acessados por pessoas não autorizadas, além da ocorrência de vazamentos. O tratamento deve, ainda, evitar discriminação, abusos ou ilícitos (art. 6º, IX) pelo mau uso dos dados coletados que podem colocar em risco a privacidade da pessoa.

O art. 4º, III, a, excluiu do seu escopo a Segurança Pública, mas o regime jurídico de tratamento de dados pessoais impõe ao Estado o dever de não se utilizar das informações obtidas para benefício próprio ou de terceiros. Trata-se de uma obrigação legal para que o responsável pelo cumprimento das políticas públicas, na persecução do interesse público, garanta ao administrado a preservação de todos os seus direitos e garantias fundamentais. Atender ao princípio da eficiência é fundamental para que o Poder Público alcance as estabelecidas em políticas públicas, mas isso não descarta a proteção dos direitos e garantias do cidadão.

4 Para o art. 5º, VI, da LGPD, VI - controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais.

5 A ANPD é o órgão da administração pública direta cuja atribuição se relaciona à proteção de dados pessoais e da privacidade, além da fiscalização do cumprimento da LGPD. Disponível em: h�ps://www.gov.br/anpd/pt-br. Acesso em: 20 set 2022.

Segundo Di Pietro, o princípio da eficiência pode ser empregado em dois aspectos. O primeiro relacionado ao agente público, cuja conduta precisa buscar o seu

“melhor desempenho possível de suas atribuições” com intuito de atingir o “melhor resultado”. O segundo, em relação à Administração Pública que deve “organizar, estruturar, disciplinar” com a finalidade de maximizar de atingir “os melhores resultados na prestação do serviço público”. (2016, p. 114)

Pelo princípio da eficiência (art. 37, da CFB/1988), o Estado fundamenta o uso de novos recursos tecnológicos em benefício da sociedade, na medida que proporciona um enlace adequado entre o maior resultado com menor custo para os próprios cidadãos. No caso do monitoramento sensível por câmeras, a possibilidade de escalar a vigilância e atingir um número infinitamente maior de pessoas em menor tempo é um dos maiores benefícios dessa tecnologia, o que pode reduzir os custos do Poder Público com segurança, em larga medida.

No estado do Mato Grosso, o Ministério Público do Trabalho firmou parceria com a Secretaria de Estado de Segurança Pública para utilizar o monitoramento por câmeras para mitigar os problemas de segurança e entrada de drogas e descaminho de veículos roubados na região.⁶ Outros exemplos podem ser verificados no Rio de Janeiro, onde alguns municípios já utilizam câmeras para monitorar o ambiente urbano e diminuir a ocorrência de ilícitos, como é o caso da Secretaria de Ordem Pública (SEOP) da Capital e de Niterói.⁷

Entretanto, não se pode esquecer do princípio da dignidade humana, pois a sociedade alcançou maturidade civilizacional que exige a imposição de limites éticos taxativos e intransponíveis. Assim, a pessoa, protegida pelo manto da dignidade, recebe do Estado um escudo protetor para evitar ataques diretos ou indiretos ao núcleo essencial da pessoa humana. Aliás, a Emenda Constitucional 115 de janeiro de 2022 elevou a proteção de dados pessoais à categoria de direito fundamental, tamanho grau de importância dessa garantia.

Ingo Sarlet ao falar de dignidade humana, na obra A dignidade da pessoa humana e os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, afirma que há uma qualidade intrínseca e especial em cada pessoa que a faz merecedora do respeito do Estado e da comunidade. Sendo assim, é essencial:

[...]um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho

6 h�p://www.mt.gov.br/-/11319107-fronteira-passa-a-ter-5-pontos-com-camera-ocr-para-intensificar-fiscalizacao 7 Disponíveis em: CENTRO DE OPERAÇÕES DA PREFEITURA RIO (cor.rio); Monitoramento – câmeras |

SECRETARIA MUNICIPAL DE ORDEM PÚBLICA (niteroi.rj.gov.br)

degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” A dignidade da pessoa humana e os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. (2001, p.

60).

Entretanto, todos os dias, inúmeras notícias de uso indevido das informações decorrentes de monitoramento por câmeras levantam dúvidas quanto ao uso dessa tecnologia. Os meios de comunicação alertam para os perigos do uso de alguns dispositivos de monitoramento. Ocorre que a inovação tecnológica e todos os benefícios dela decorrentes não tem mais retorno. O nível de adesão das inúmeras plataformas e sistemas eletrônicos digitais colocados à disposição no mercado aponta o grau de envolvimento de toda a sociedade e dos indivíduos. Tudo indica que dificilmente haverá retorno para os meios físicos de outrora.

Nicolas Carr⁸ afirma que as tecnologias mudam as pessoas de tal forma que ela se torna outra pessoa. O círculo da mudança vai transformando pessoas e sociedade ao mesmo tempo. Então, parece mais razoável conhecer a sociedade atual e suas transformações, especialmente as novas tecnologias, para aperfeiçoar os processos e afastar o que extrapola o limite ético. O rol desses limites precisa ser taxativo e obrigatório, configurando-se como um verdadeiro agasalho do núcleo essencial da personalidade da pessoa natural, que é a dignidade humana.

Evidentemente, os governos desempenham relevante papel na regulação, “da mesma forma que teve quando confrontado com os excessos e tragédias da primeira revolução industrial. Pode começar adaptando e depois aplicando as leis que já estão em vigor”. (O´NEIL, 2020, p. 328)

Embora seja “muito difícil preservar valores [...] num ambiente tecnológico que prospera com base na personalização e em experiências únicas e individuais.”

(MOROZOV, 1984, p. 47), no Estado Democrático, um sistema legal robusto ainda é um dos meios adequados e eficazes de regulação. Além disso, práticas pedagógicas e educacionais de propagação da cultura da proteção e da privacidade são relevantes e podem contribuir sobremaneira para compor o sistema da proteção.

Nessa esteira, Di Pietro nos lembra que todos os princípios da Administração Pública estão em mesmo nível de importância e, fundamentada em Jesus Leguina

8 Na obra O que a internet está fazendo com nossos cérebros – a geração superficial, o autor afirma que a internet é um instrumento de mudança radical do cérebro humano e de toda a sociedade.

Villa, afirma que a eficiência deve equilibrar-se com os demais princípios, mormente ao da legalidade, sob pena de não o fazendo, suplantar a segurança jurídica. (2016a, p.

115)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hoje, os benefícios promovidos pelo uso de câmeras de monitoramento sensíveis representam ganhos em escala e mostra-se essencial para articular eficiência e produtividade com a redução dos custos para o Poder Público. Durante a leitura é possível constatar a importância do uso de novas tecnologias para garantir a sustentabilidade de políticas públicas, no campo da Segurança Pública

Trata-se de um nova governança, que investe em pesquisas de alto nível e adoção de tecnologias de ponta para promover maior eficiência da gestão e os melhores resultados na prestação dos serviços públicos. Igualmente importante, a transparência da gestão e o uso responsável dos dados pessoais, somados a uma cultura da proteção de dados e a capacitação de servidores na área da Segura-se relevantes no aprimoramento dos processos já existentes, adequando às novas exigências da moderna sociedade tecnológica. Esse é o novo paradigma da gestão pública sustentável, que atrai novos investimentos no setor e gera boas perspectivas para o futuro.

Não há dúvida de que a inovação tecnológica, especialmente no campo da Inteligência Artificial, deve ser incentivada com responsabilidade pelo setor público em benefício da sociedade. Nesse ecossistema digital, o desafio é alcançar o equilíbrio entre o princípio da efetividade e a dignidade humana, a fim de preservar o interesse público sem ferir os direitos da pessoa humana.

Assim, uma proposta sistêmica que considere o cidadão como um agente importante desse processo, pode reforçar as políticas no campo da Segurança. Da mesma forma, uma robusta regulamentação do uso de dados pessoais para fins de investigações criminais e atividades de segurança pública é imprescindível para salvaguardar direitos desses cidadãos, oferecendo remédios a eventuais abusos cometidos por autoridades. Ambas as propostas, se pensadas em conjunto, sinalizam uma compatibilização entre a necessidade de o Estado acessar dados pessoais e deles se utilizar para alcançar as metas de manutenção da Ordem Pública, sem preterir das garantias constitucionais dos cidadãos e do princípio da dignidade humana, resultando na sustentabilidade social das políticas públicas do Estado.

Finalizando é salutar o aprimoramento da governança, pautada na elaboração de planejamentos de alto nível que comportem os objetivos de Estado e a definição de metas a atingir. Nesse sentido, a sustentabilidade está na transparência da

Administração Pública e na regulação robusta que viabilize o alcance de níveis adequados de segurança, alinhadas à programas educacionais de fomento da cultura da proteção e da privacidade. Estas são medidas que podem garantir a sustentabilidade social, essencial para o desenvolvimento equilibrado e justo da sociedade.

REFERÊNCIAS

AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (BRASIL).Guia de Boas Práticas – LGPD.

Brasília, DF: ANPD, [2020] Disponível em: guia-boas-praticas.pdf (www.gov.br). Acesso em: 20 mar. 2022.

BRASIL. [Constituição (1988)].Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:

Presidência da República, 1988. Disponível em: h�p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/

Constituicao.htm. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL. [Lei 13.709/2018].Lei geral de Proteção de Dados. Brasília, DF: Presidência da República, 2018, Disponível em: h�p://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/

lei%2013.709-2018?OpenDocument. Acesso em: 28 set 2022.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.Direito administrativo. 29 ed., ver. atual, ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG).Fundamentos do Poder Nacional. Rio de Janeiro: ESG, 2019.

MENDES, Angela Dias.Empreendedorismo e os desafios da proteção de dados. In Novos modos de fazer negócios.RITTO, Antonio de Azevedo; CARVALHO, Marinilza Bruno de (Orgs). Rio de Janeiro:

Editora Ciência Moderna Ltda., 2022.

MOROZOV, Evegeny.Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. Traduzido por Claudio Marcondes. São Paulo: Ubu Editora, 2018.

O´NEIL, Cathy.Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Tradução Rafael Abrahm, 1a. Ed. São Paulo: Editora Rua do Sabão, 2020.

SARLET, Ingo Wolfgang.Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

(RE)PENSANDO O