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A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DO PODER JUDICIÁRIO

JURISDIÇÃO DIGITAL

2. A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DO PODER JUDICIÁRIO

Atualmente, segundo o mapa de implantação da Justiça 100% Digital (CNJ, 2021b), das 22.888 serventias judiciais existentes no Brasil, 7.411 já adotaram o novo de modelo de prestação de serviço jurisdicional, o que equivale a 32,5% do nosso sistema de justiça, uma percentual bastante significativo, uma vez que foi instituído em 9 de outubro de 2020, pela Resolução nº 345, do CNJ.

Dessa forma, como bem previu Harari, muitas medidas emergenciais tomadas no curso da pandemia de COVID-19 se tornaram parte das nossas vidas, é o caso da Jurisdição Digital “per-to-per”, inicialmente, ela foi constituída para atender a uma necessidade emergencial, qual seja, manter a atividade judiciária durante o período de calamidade pública, e, depois, tornou-se novo paradigma de prestação jurisdicional.

Superado, ainda que momentaneamente, o estado de calamidade pública no Brasil, a pergunta que fica é: em que medida essa transformação digital do Poder Judiciário converge para efetividade de direitos fundamentais? E para a necessidade de reconhecimento de outros direitos? É o que trataremos no tópico a seguir.

2. A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TRANSFORMAÇÃO

com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode continuar sem efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a propriedade.

[...] a reforma do poder judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e eqüidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à justiça e promovendo o desenvolvimento do setor privado.

De acordo com o Banco Mundial, o Poder Judiciário deveria ser eficiente, eficaz e funcional, para atender aos interesses do desenvolvimento econômico privado, notadamente para tutelar o direito individual à propriedade privada.

Em relação à influência italiana, em 2001, após seguidas condenações no Tribunal Europeu de Direitos Humanos por demora no julgamentos de processos, a Itália reconheceu, na sua constituição, o direito à duração razoável do processo (CABRAL, 2016).

Sobre a crise do Poder Judiciário no início do século XXI, é importante dizer que havia um apelo social por transformações no judiciário (JOBIM, 2012), especialmente no sentido de que os processos tramitassem mais rápido. Aprofundando esse cenário, Sérgio Rabello Tamm Renault (2005) elencou os principais problemas diagnosticados no judiciário brasileiro: 1) lentidão na tramitação dos processos judiciais; 2) pouca transparência; 3) obsolescência administrativa; 4) dificuldade de acesso; 5) complexidade estrutural; 5) concentração de litigiosidade; 6) desarticulação institucional.

Pois bem, foi, nesse contexto, que o direito à razoável duração do processo, por meio da EC nº 45/04, foi positivado no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição de 1988, mas, ressalta-se que o referido já integrava o ordenamento jurídico brasileio, desde 1992, quando o Brasil ratificou o Pacto de São José da Costa Rica.

Mas qual objetivo do direito fundamental à duração razoável do processo? A doutrina tem elaborado respostas complementares para esse questionamentos, vejamos: 1) evitar dilações indevidas (CABRAL, 2016); 2) incorporar o valor da eficiência temporal como critério para concretização da justiça (ARRUDA, 2013); 3) assegurar que “a jurisdição deve ser prestada ao cidadão dentro de um prazo razoável" (JOBIM, 2012, p. 70). Em síntese, pode-se afirmar que o objetivo desse direito é garantir que o processo demore tão somente o tempo necessário para assegurar a adequada tutela do direito material em discussão.

E quem são os titulares desse direito? De forma geral, o titular é o jurisdicionado, uma vez que a Constituição Federal utiliza a expressão literal “são assegurados a todos”, ou seja: pessoas físicas, nacionais e estrangeiras; pessoas jurídicas, de direito

públicos e privados; e entes despersonalizados, que desejem manejar uma ação no Poder Judiciário (JOBIM, 2012). Em resumo, pode-se afirmar que o titular do direito fundamental à duração do processo é a parte (ARRUDA, 2013).

E quem são seus destinatário? Basicamente, são: o 1) Poder Executivo; 2) Poder Legislativo; e 3) Poder Judiciário. No que se refere ao Poder Executivo, este tem o papel de garantir o orçamento necessário para financiar o adequado aparelhamento do Poder Judiciário. Quanto ao Poder Legislativo, este tem a atribuição de formular leis e instrumentos processuais que dêem densidade normativa a esse direito (ARRUDA, 2013). Já sobre o Poder Judiciário, como principal destinatário do direito fundamental à duração razoável, pode-se dizer que:

[...] incide sobre o Judiciário, obrigando-o a organizar adequadamente a distribuição da justiça, a equipar de modo efetivo os órgãos judiciários a compreender e adotar as técnicas processuais idealizadas para permitir a tempestividade da tutela jurisdicional, além de não poder praticar atos omissivos ou comissivos que retardem o processo de maneira injustificada.

(MARINONIet tal, 2021, p. 294-295)

Em sintonia com a lição acima, Samuel Miranda Arruda (2013) afirma que a asseguração do direito à duração razoável do processo depende de medidas de política e gestão judiciária. Para o autor, “só haverá justiça estruturalmente célere com boa governança judiciária” (2013, p. 1092). No caso concreto, no mais das vezes, será o Poder Judiciário que dará ou não efetividade ao direito fundamental à duração razoável do processo.

No que importa ao seu conteúdo mínimo, segundo Luiz Guilherme Marinoni (2021, p. 296), para o administrador judiciário, impõe: “a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais, bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea (número de juízes e funcionários, infraestrutura e meios tecnológicos)”.

Quanto à adoção de novas tecnologias pelo Poder Judiciário, de forma geral, pode-se afirmar que é, completamente, aderente ao conteúdo normativo do direito fundamental à duração razoável do processo, uma vez que contribui para o aumento da eficiência e resolutividade dos processos. Como exemplo concreto, pode-se citar o caso do Tribunal de Justiça de Pernambuco (MADEIRO, 2020), em que um robô analisou 60.351 processos em 15 dias, para compreender o tamanho da eficiência, caso tivesse sido empregados apenas mão de obra humana, seriam necessários 11 (onze) servidores, trabalhando durante um ano e meio para obter a mesma resolutividade.

Além dos ganhos de eficiência na condução do processo judicial, as inovações tecnológicas podem contribuir sensivelmente para melhoria da governança pública do Poder Judiciário. Nesse sentido, pode contribuir também para dar efetividade ao direito fundamental à boa administração pública.

Outro aspecto que decorre da digitalização do Poder Judiciário, e também do próprio Governo Digital, cujas diretrizes estão previstas na Lei nº 14.129, de 29/03/2021, é que o acesso à internet torna-se um condição elementar para o exercício de vários direitos, inclusive, no âmbito processual, é que veremos no próximo tópico.

2.2 Fundamentalidade material do direito à internet como ponte de acesso à Justiça 4.0

Ingo Sarlet (2018, p. 67) explica, de forma didática, que a fundamentalidade material de um direito “decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade". A abertura do sistema constitucional de direitos fundamentais permite, prevista no art. 5º, § 2º, da CRFB, permite o reconhecimento de outros direitos, desde que se afigurem relevantes para o Estado Democrático de Direito e/ou para a comunidade política.

Como se sabe, uma das consequências da 4ª Revolução Industrial é o crescente processo de digitalização, que passa pela economia, pela sociedade e, consequentemente, alcança o Poder Judiciário. A única certeza que se tem é que tudo caminha para se tornar digital. À medida que isso acontece, ganha cada vez mais importância o acesso à internet. Não apenas mera conectividade, mas o conhecimento sobre a educação digital e o próprio acesso aos aparelhos que promovem a conexão com a internet, como smartphones, tablets e computadores.

A própria Pandemia de Covid-19 demonstrou bem a necessidade de incluir pessoas ao ciberespaço, para que pudessem, por exemplo, terem acesso ao auxílio emergencial e até mesmo conseguirem ter acesso à educação e aos outros serviços públicos. Nesse sentido, sobre a relevância sobre do direito à conectividade no período pandêmico, Sarlet e Siqueira (2021) bem pontuaram:

De todo modo, mirando-se aqui os fatores que a pandemia agregou à questão, a conectividade e o acesso a uma internet estável, segura e de qualidade, tornou-se uma necessidade cada vez mais premente, impactando um conjunto significativo de outros direitos humanos e fundamentais, bastando aqui, em caráter ilustrativo, referir o direito à proteção da saúde (e o acesso aos bens e serviços nessa seara), incluindo o incremento da

telemedicina, assim como o direito à educação, especialmente no respeitante à continuidade do ensino nas escolas de ensino fundamental e médio, e no ensino superior, o que se revelou de forma particularmente aguda na esfera do ensino público.

(SARLET; SIQUEIRA, 2021)

Nos últimos anos, vários serviços públicos foram digitalizados, especialmente no âmbito da União. Um exemplo emblemático disso é o INSS digital, que disponibilizou todos os serviços previdenciários, antes prestados exclusivamente pelas agências físicas do Instituto Nacional do Seguro Nacional - INSS, na internet e em aplicativo para os seus segurados.

Atualmente, como já referido, o Poder Judiciário passa por um intenso processo de digitalização, a “Justiça 100%” está em fase experimental e teste, mas já é possível prever que esta será, no mínimo, a forma preferencial de prestação dos serviços jurisdicionais.

A nota de fundamentalidade material do direito à internet se evidencia em uma série de situações cotidianas, em que se observa que, para o exercício de direitos, é condição essencial que o cidadão tenha acesso à rede mundial de computadores.

Nesse quadro, a própria digitalização do Poder Judiciário é um fator que contribui para fortalecer a essencialidade da internet, agora, como condição para fruição do direito fundamental de acesso à justiça. Desse modo, a consolidação desse cenário de digitalização geral reforça o reconhecimento da fundamentalidade material e também formal do direito à conectividade.

Em relação ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre essa temática, refere-se que, até o momento, não se tem notícia de qualquer decisão no sentido de reconhecer a fundamentalidade do direito à internet no nosso sistema jurídico (SARLET; SIQUEIRA, 2021).

No Congresso Nacional, neste momento, tramitam três Propostas de Emenda Constitucional que têm como objeto o reconhecimento da internet como direito fundamental, as quais são: 1) PEC nº 185/2015; 2) PEC nº 8/2020; e 3) PEC nº 35/2020.

Enquanto a internet não é, formalmente, reconhecida como direito fundamental no ordenamento jurídico constitucional, é necessário questionar se a realidade socioeconômica brasileira está preparada para um governo digital, especialmente, para uma Justiça Digital, é que trataremos no tópico adiante.

3. UM OLHAR SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA: JÁ ESTAMOS