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4 A EMERGÊNCIA DO DISCURSO DA DIVERSIDADE NAS POLÍTICAS

6.1 O ANTAGONISMO E O EXTERIOR CONSTITUTIVO

Analisar a diversidade nos programas educacionais brasileiros entre 2003 e 2006 pressupõe, consequentemente, a compreensão das relações entre Estado, educação e sociedade notadamente no contexto do processo de globalização neoliberal presente no governo Lula, assim como em seus antecessores desde a redemocratização brasileira, que gerou novos significados para o campo educacional.

De maneira geral, ao elaborar programas específicos a fim de promover a diversidade, a primeira gestão petista indicou a incapacidade do sistema produtivo em atender a todas as demandas populares, sendo necessária a criação de condições, via ações governamentais, para oferecer oportunidades de encaixe na sociedade àqueles grupos à margem, não participantes do poder hegemônico estabelecido naquele momento.

Uma vez que no Brasil a condição de exclusão tem aspectos sócio-histórico-culturais que estão nas raízes da formação do povo brasileiro, aqueles que estavam à margem também buscaram afirmar sua identidade no primeiro governo Lula, contexto em que se encontravam em posição antagônica à situação estabelecida. Para tanto, políticas públicas afirmativas dirigidas aos grupos sociais excluídos colaboraram para mudança da sociedade ao deslocarem o sentido discursivo e favorecerem a disputa hegemônica.

Por conseguinte, as formações sociais posicionadas fora do que se constituiu como diverso estavam em constante tensão com aqueles que se encaixavam nesse critério, porém, também possuíam a função de constituir aqueles que estavam dentro do que se denomina diversidade, uma vez que o antagonismo e o exterior que nega a plenitude de uma particularidade são condições para constituição de uma identidade.

Essa tensão pode ser exemplificada pela reivindicação coletiva de articular os saberes populares com o método de ensino padrão ou a luta pela promoção da inclusão pedagógica e social dos grupos historicamente menos favorecidos que eram minorias nas universidades públicas, como indivíduos com necessidades físicas ou psicológicas especiais, quilombolas e indígenas.

Na exemplificação acima, as minorias apenas assim eram denominadas por haver uma maioria, um grupo dominante que ocupava todo o espaço social e que tinha acesso a todas as

72 oportunidades educacionais, ou seja, a identidade minoritária só foi possível de ser constituída por haver no mesmo campo societário, dividido dicotomicamente, uma exterioridade que negava sua plena integração.

Por conseguinte, o exterior constitutivo do que se define diversidade no presente estudo foi o padrão estrutural socioeducacional brasileiro contemporâneo já caracterizado no primeiro governo Lula e sua predominante homogeneidade social até os dias atuais, apesar de o Brasil ser uma nação multicultural. Os “diversos” eram os grupos não incluídos nesse formato, que precisavam afirmar sua identidade e travar uma disputa hegemônica por meio do antagonismo, a fim de conseguir espaço na ordenação societária.

Ao tratar das questões quilombolas e indígenas, é de suma importância a articulação cultural desses dois últimos com a dimensão científica e à produção sustentável, considerando os potenciais das comunidades e a possibilidade desses povos exercerem o protagonismo como sujeitos sociais pertencentes à sociedade, uma vez que no decorrer da formação do povo brasileiro tais populações foram colocadas em posição de grave marginalização pelas camadas detentoras do poder político e econômico.

Conforme afirma Leite (2014), ao assumir princípios neoliberais o Estado tende a priorizar a abertura de mercados e reduzir suas ações no que se refere às questões sociais, passando a utilizar o sistema educacional para construir sentidos mercadológicos majoritariamente, em detrimento de sentidos sociais e humanos.

Nessa conjuntura se forma o outro, o inimigo contra quem será traçada a fronteira antagônica entre os que dominam os oportunidades sociais e aqueles excluídos do sistema. Estes últimos apenas assim são constituídos por haver um opositor que suprime suas chances de integração, logo, para se constituir os marginalizados deve haver os incluídos.

De maneira geral, os programas de valorização da diversidade do Ministério da Educação entre os anos de 2003 a 2006 dividiram a sociedade dicotomicamente entre nós x eles, em que a posição antagônica era ocupada pela tradicional elite capitalista brasileira que majoritariamente usufruía de uma educação de qualidade em todos os níveis e que ainda guardava a herança cultural dos seus antepassados colonizadores ao colocar-se homogeneamente e não aceitando com otimismo a mestiçagem e as diferenças de classe brasileiras.

Logo, ao fomentar a formação de cadeias de equivalência entre os grupos excluídos dessa hegemonia dominante, o MEC se portou como elemento dessa articulação equivalencial e estimulou a formação de outra construção hegemônica com características populistas

73 segundo Laclau (2013), numa tentativa de alterar a configuração universal da sociedade brasileira ao proporcionar iguais oportunidades de acesso educacional de qualidade aos excluídos.

Portanto, os programas educacionais do MEC na primeira gestão presidencial de Lula foram uma forma de estabelecer um Estado cidadão ao amenizar a exclusão social neoliberal, propiciando a alteração da hegemonia ao proporcionar oportunidades para que grupos frequentemente à margem pudessem afirmar sua identidade e se integrar a sociedade, até o ponto em que se formaria uma nova construção hegemônica, com um novo desenho antagônico.

Embora tenha enfatizado as políticas sociais e educacionais de promoção da inclusão social, a primeira gestão de Lula manteve alguns traços econômicos neoliberais que contribuíram ao longo da história para o abismo social, e uma vez que o sistema de poder estabelecido não foi capaz de absorver todas as pluralidades de demandas democráticas, o governo petista saiu da posição de elemento de uma cadeia equivalencial contra a instituição neoliberal para se tornar a própria hegemonia dominante, antagônica a outras formações hegemônicas que viriam a se construir no futuro.

6.2 PROGRAMAS DE INCENTIVO À DIVERSIDADE NA GESTÃO EDUCACIONAL