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4 A EMERGÊNCIA DO DISCURSO DA DIVERSIDADE NAS POLÍTICAS

6.2 PROGRAMAS DE INCENTIVO À DIVERSIDADE NA GESTÃO EDUCACIONAL

6.2.15 Programa Conexões de Saberes: Diálogos Entre a Universidade e as

Conforme estudo de Gabriel e Moehlecke (2006), o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a Universidade e as comunidades populares foi iniciado com um projeto-piloto em 2004 e implementado no início de 2005 em parceria formada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação e o Observatório de Favelas.

O Programa foi concebido como uma extensão e estava vinculado às respectivas Pró- Reitorias das universidades envolvidas, tendo autonomia na estruturação, organização e planejamento do próprio projeto dentro dos princípios, metas e diretrizes propostos a nível nacional (ARENHALDT, 2012).

Sua materialização foi composta por um conjunto de ações voltadas direta e indiretamente para a problemática do acesso e permanência dos estudantes oriundos das comunidades pobres nas Instituições Federais de Ensino Superior, a fim de gerar subsídios

Diversidade

Inclusão no ensino superior de estudantes egressos do ensino médio da rede escolar pública ou

particular na condição de bolsistas integrais. Inclusão no ensino superior de

estudantes de baixa renda. Inclusão no ensino superior de

estudantes portadores de necessidades especiais. Promover o acesso universitário aos professores da rede pública de

ensino básico em exercício. Promover o acesso universitário aos indígenas e afro-brasileiros.

126 para montagem de políticas públicas voltadas a esses grupos sociais (GABRIEL; MOEHLECHE, 2006).

Na prática, foram disponibilizadas bolsas de auxílio aos estudantes mais pobres vinculados ao Programa Conexão dos Saberes, que de acordo com Arenhaldt (2012) eram aqueles que os pais não possuíam renda mensal total acima de seis salários mínimos mensais e com escolaridade até o ensino fundamental, oriundos de ambientes precários e de escolas públicas, especialmente negros ou indígenas, além de ser necessário que os beneficiários tivessem engajamento em atividades coletivas cidadãs em suas comunidades de origem.

Segundo o relatório de gestão Secad, os objetivos do Programa Conexão dos Saberes estiveram direcionados à promoção da articulação entre a universidade e as comunidades populares, com a devida troca de saberes e experiências; realização de diagnósticos e estudos continuados sobre a estrutura universitária e as demandas específicas dos alunos menos abastados, a fim de propor medidas que amparem o acesso e permanência, com qualidade, daqueles advindos das favelas e periferias nas instituições de ensino superior; ao auxílio aos jovens universitários de origem pobre na produção de conhecimentos científicos por meio de apoio financeiro e metodológico; fomento à criação de metodologias, com a participação prioritária dos estudantes beneficiados, voltadas para o monitoramento e avaliação de políticas sociais, mapeamento das condições econômicas, culturais, educacionais e de sociabilidade, a fim de desenvolver projetos de assistência aos grupos em situação de vulnerabilidade, especialmente crianças e os adolescentes (BRASIL, 2004).

Segundo Arenhaldt (2012), o Programa Conexão dos Saberes se desenhou como uma política extensionista ao mesmo tempo em que foi uma ação de auxílio à permanência de universitários mais pobres no ambiente acadêmico, ou seja, além de ser uma extensão, também se configurou como uma ação afirmativa por ser pontencializadora e qualificadora das condições de continuidade dos estudantes com menos recursos no ensino superior uma vez que proporcionou uma estabilidade aos alunos de origem popular para que pudessem concluir com êxito a graduação nas universidades públicas.

6.2.15.1 Discurso do MEC

Em maio de 2006 o Ministério da Educação publicou a Portaria de nº 1 de 17 de maio de 2006, instituindo oficialmente o Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a

127 universidade e as comunidades populares, sendo essa publicação selecionada para análise do discurso por ser a regulamentação oficial do ato administrativo.

Além da Portaria, os relatórios de gestão da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade dos anos de 2004, 2005 e 2006 também foram analisados a fim de coletar informações sobre a aplicação do Programa Conexões de Saberes.

A Portaria nº 1 de 2006, página 1, estabelece os seguintes objetivos para a execução do Programa:

I - ampliar a relação entre a universidade e os moradores de espaços populares, assim como com suas instituições;

II - criar estruturas institucionais e pedagógicas adequadas à permanência de estudantes de origem popular na universidade e à democratização do acesso ao ensino superior;

III - aprofundar a formação dos jovens universitários de origem popular como pesquisadores e extensionistas, visando sua intervenção qualificada em diferentes espaços sociais, em particular, na universidade e em comunidades populares; IV - implantar ações e projetos de assistência integral aos grupos sociais em situação mais crítica de vulnerabilidade social, em particular crianças e jovens;

V - coletar, sistematizar e analisar dados e informações sobre a estrutura universitária e as condições de acesso e permanência dos estudantes universitários de origem popular nos cursos de graduação; e

VI - estimular a formação de novas lideranças capazes de articular competência acadêmica com compromisso social.

No relatório de gestão da Secad referente ao ano de 2004, o Programa Conexão de Saberes é colocado como uma iniciativa facilitadora do diálogo entre o meio acadêmico e as organizações populares, tendo a inclusão educacional como foco.

O documento contendo os atos da gestão da Secad durante o ano de 2005 e também o referente às ações de 2006 explicitam que o propósito do Programa Conexões de Saberes é afirmado como a constituição de novos sujeitos sociais no processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas em comunidades populares, juntamente com essa Secretaria, o Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e as Instituições Federais de Ensino Superior que somavam 14 universidades participantes naquele ano.

Os relatórios de gestão dos anos de 2005 e 2006 também esclarecem que os estudantes selecionados em cada universidade devem participar da elaboração de diagnósticos sobre as condições pedagógicas e socioeconômicas dos alunos de origem popular no espaço acadêmico, a fim de contribuir no ingresso e permanência dos discentes com essas condições, além de promoverem ações de intervenção principalmente junto aos educandos do ensino básico, aproximando os setores populares e as instituições de ensino superior.

Ainda nas duas publicações com o resumo da gestão de 2005 e 2006, a condição essencial para ser bolsista do Programa é ser morador de espaço popular, e uma vez cumprido

128 esse requisito, as universidades têm autonomia para estabelecer os demais critérios e a seleção.

Conforme consta nos relatórios de gestão, até 2006, o Programa Conexões de Saberes proporcionou bolsas a 350 estudantes, sendo que em relação às características étnico-raciais, 43 se autodeclararam pardos, 87 negros e sete indígenas, no total de 143 alunos que afirmam pertencer aos grupos sociais citados.

6.2.15.2 Análise do Discurso do Programa Conexões de Saberes

O Programa Conexões de Saberes é direcionado primordialmente para a inclusão social de estudantes de baixa renda ao auxiliar na permanência desse grupo no ensino superior federal, além de fomentar o diálogo entre universidades e comunidades, sendo uma política de cunho compensatório ao intentar diminuir a desigualdade pela condição do rendimento financeiro.

O sentido de diversidade nesse Programa é explicitamente voltado para inclusão de estudantes pobres no ensino superior, grupo social que guarda heterogeneidades étnicas em sua composição.

Em um dos relatórios de gestão analisados há um destaque para a composição étnico- racial do grupo social atendido, totalizando 143 alunos que se autodeclararam negros, pardos, ou indígenas, número menor que o valor da metade de todas as bolsas de manutenção de alunos no ensino superior concedidas de 2004 a 2006.

Segundo dados de Pinheiro et al. (2008), que reuniu dados no intervalo entre 1993 e 2007, a proporção de pessoas que se identificam como negros e pardos aumentou de 45,1% para 49,8% nesse período, enquanto a de brancos reduziu de 54,2% para 49,4%.

O estudo de Pinheiro et al. (2008) deixou claro que o aumento da população que se identifica como negra ou parda não é uma questão geracional de autoafirmação identitária ou de uma maior taxa de natalidade desse grupo, uma vez que houve uma mudança na forma de autodeclaração da sociedade brasileira, com a presença de um sentimento de pertencimento a um conjunto étnico-racial.

Tomando como base as informações referentes ao ano de 2007 e conforme a publicação de Pinheiro et al. (2008), é possível verificar que 20% da população branca situavam-se abaixo da linha de pobreza, enquanto mais do dobro (41,7%) da população negra encontrava-se na mesma situação de vulnerabilidade.

129 Em relação ao acesso e permanência no ensino superior, segundo o governo federal, entre os jovens brancos com mais de 16 anos, 5,6% frequentavam o ensino superior em 2007, enquanto entre os negros esse percentual era 2,8% (AGÊNCIA BRASIL, 2011).

Portanto, é presumível que até o ano de 2007 a proporção de cidadãos brasileiros autodeclarados brancos era semelhante àqueles declarados negros ou pardos, porém, mais do dobro desta população estava situada em situação de extrema vulnerabilidade social.

Baseado no estudo de Lima (2007), os povos indígenas brasileiros totalizavam 734.127 indivíduos em 2007, o equivalente a algo em torno de 0,2% da população total do país, dividida em mais de 230 povos e 180 línguas.

Segundo Miola e Antunes (2014), em 2011 eram 3.540 indígenas matriculados no ensino superior público, numa proporção de um participante desse grupo na universidade para cada 500,9 demais alunos.

De posse dessas informações, é possível compreender os objetivos inclusivos que a promoção do significante diversidade teve no Programa Conexões de Saberes para as populações brasileiras economicamente vulneráveis.

Ao não estarem totalmente integradas ao contexto social, as populações menos abastadas economicamente se opuseram ao sistema predominante que as excluiu, tendo como antagonista a categoria de brasileiros autodeclarados brancos e de maior renda. Suas demandas não poderiam ficar restritas a um puro jogo de diferenças e precisaram ser articuladas em princípios universais compartilhados com o resto da comunidade.

Dessa forma, para alcançar sucesso, a demanda democrática por acesso educacional do grupo economicamente excluído precisou dar espaço a uma reivindicação popular, formada pela articulação equivalencial dos conjuntos sociais excluídos, a fim de evitar a noção de “desenvolvimento separado” estabelecida na época do apartheid.

Daí a necessidade de um significante vazio, representado pela diversidade, que ao antagonizar com a ordem imposta representa todo conjunto articulado de grupos excluídos por esse sistema, numa relação hegemônica condicional para formação do povo, e alterando o formato social ao estabelecer um novo modelo de identidade universal, que seria a inclusão e manutenção no ambiente universitário dos pobres, negros, indígenas e demais grupos preteridos, porém, numa condição contingente que pode ser alterada em um novo processo de constituição da hegemonia envolvendo outros atores sociais.

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Figura 10 - Campo discursivo e sentidos em torno do significante vazio Diversidade no discurso do Programa Conexões dos Saberes

Fonte: Elaboração da autora.