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4 A EMERGÊNCIA DO DISCURSO DA DIVERSIDADE NAS POLÍTICAS

6.2 PROGRAMAS DE INCENTIVO À DIVERSIDADE NA GESTÃO EDUCACIONAL

6.2.2 Programa de Financiamento Estudantil Fies Lei nº 10.260/01

O Programa de Financiamento Estudantil, chamado anteriormente de Crédito Educativo, foi criado pelo governo federal em 1976 para ajudar alunos carentes, com o objetivo de ampliar a oferta de vagas e democratizar o acesso ao ensino superior ao custear os estudos de alunos em instituições privadas de ensino superior (MENEZES; SANTOS, 2001).

Diversidade Inclusão Social. Sociedade Democrática. Heterogeneidade Social. Pluralidade étnica, cultural e regional. Representatividade. Respeito e tolerância.

80 O financiamento era executado até 1988 com recursos de um Fundo de Assistência Social derivado de rendimentos de loterias, e após esse período, com a promulgação da Constituição cidadã, sua supervisão passou a ser diretamente através do Ministério da Educação (MEC), com operação e custeios administrados pela Caixa Econômica Federal (MENEZES; SANTOS, 2001).

A partir da Medida Provisória nº. 1.827/99 foi criado o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), vindo a ser regulamentado pela lei nº. 10.260/ 2001, sendo este um apoio financeiro destinado aos estudantes regularmente matriculados em cursos superiores em instituições privadas (OLIVEIRA; CARNIELLI, 2010).

Inicialmente, o programa autorizava o financiamento de até 70% do valor da mensalidade cobrada pela instituição de ensino, passando para 100% do custeio após a publicação da lei 11.552/ 2007 (OLIVEIRA; CARNIELLI, 2010).

O Relatório de Gestão em 2004 informou que o objetivo principal do programa referia-se à capacidade de alcançar estudantes carentes do ensino superior a fim de financiar seus estudos em instituições privadas.

Entre os critérios para financiamento contidos na Lei nº 10.260 de 12 de julho de 2001 ainda em vigor, estão as exigências de que o aluno candidato ao crédito estudantil deve estar regulamente matriculado no curso superior sem a possibilidade de afastamento da instituição por um ano, o desempenho acadêmico deve ser de no mínimo 75% de aprovação nas disciplinas cursadas e as graduações escolhidas devem possuir avaliação positiva, com conceito maior ou igual a três, no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes.

Conforme o site oficial do Ministério da Educação informa, de maneira geral, durante os anos de 2003 e 2006 o processo de seleção dos estudantes beneficiários do programa privilegiou aqueles em situação de maior carência, com os candidatos classificados em função de um índice que levou em conta a renda e o número de membros da família, o fato de o requerente não ter moradia própria ou já ter curso superior completo, e ainda a existência de doença crônica ou outro estudante de faculdade paga no grupo familiar.

6.2.2.1 Discurso do MEC

Os documentos utilizados na análise do discurso do Fies foram os relatórios de gestão dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, e em todos eles a apresentação do programa foi dada

81 como um financiamento destinado a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos com avaliação positiva de acordo com regulamentação própria do MEC.

Além dos relatórios de gestão, foram utilizadas na análise do discurso as Portarias Sesu nº 24 de 16/07/2003, nº 30 de 12/08/2004, nº 3.224 de 21/09/05.

O principal indicador de gestão do Fies fazia referência à capacidade do programa em atingir seu objetivo de financiar estudantes do ensino superior não gratuito, de acordo com os relatórios de gestão dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006.

Conforme a Portaria Sesu nº 24 de 16/07/2003, em seu Art. 7º, havia o esclarecimento do cálculo feito para seleção dos candidatos que receberam o benefício do Fies naquele ano. O índice de classificação atendeu a critérios de renda bruta mensal e moradia do grupo familiar, existência de doença grave no aluno ou na família, ser egresso de escola pública, candidato professor, a existência de outro membro familiar que curse graduação em uma instituição privada, em que os candidatos foram classificados na ordem ascendente do valor do índice calculado.

Por meio da Portaria Sesu nº 30, de 12/08/2004, foram alterados alguns procedimentos relativos à inscrição e seleção dos candidatos interessados no Fies, estando entre eles a inclusão do critério raça/cor entre as variáveis que compunham o cálculo do índice de classificação, deixando de figurar como um parâmetro de desempate.

Conforme a Portaria nº 3.224 de 21 de setembro de 2005, o critério de seleção raça/cor do candidato continuou válido naquele mesmo ano, juntamente com as regras anteriores de seleção, com exceção da Despesa com Moradia, que sofreu alterações.

A Portaria 3.224/05 também incluiu o Coeficiente de Desempenho Discente – CDD para o cálculo do Índice de Classificação, sendo este uma avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes no semestre imediatamente anterior ao financiado.

No Relatório de Gestão de 2006 constou que não houve alterações nos critérios de seleção dos candidatos ao Fies.

6.2.2.2 Análise do Discurso - Fies

De acordo com as documentações analisadas, o Fies foi conduzido como um programa direcionado ao atendimento de um conjunto social específico: estudantes do ensino superior não gratuito. Porém, esse agrupamento era constituído por grupos sociais distintos, entre eles

82 indivíduos de alta e baixa renda familiar ou per capita, afrodescendentes, caucasianos, indígenas, oriundos de escolas públicas e privadas, entre outros, típico da heterogeneidade societária.

Dessa forma, a diversidade representou as especificidades sociais que se articulavam equivalencialmente e que compunham o grupo social formando pelos estudantes do ensino superior não gratuito, sendo uma ocasião contingencial da articulação política daquele momento em que as diferenças entre os agentes sociais eram canceladas para que todas se caracterizassem como um único significante, que se esvaziou para ser capaz de representar a todos.

Laclau (2013) afirma que os aspectos e elos componentes da cadeia equivalencial não precisam ser semelhantes entre si, pois as maiores contradições podem ser reunidas se houver a subordinação de todos eles ao significante vazio, que nesse caso poderia ser “estudantes do ensino superior não gratuito".

O Fies buscou atender a demandas individuais, democráticas, ao estabelecer critérios específicos aos beneficiários do Programa, como as condições de carência, renda, ser egresso de escola pública, docente ou a característica racial.

Em outros termos, a seleção do Fies era realizada para atender preferencialmente aos cidadãos que se encaixassem nesses perfis, ao invés de atender igualmente a todos os alunos de faculdades ou universidades privadas, ou seja, o Fundo priorizou satisfazer demandas democráticas de grupos sociais específicos e excluídos.

Entre os vários grupos e suas demandas isoladas (afrodescendentes, indígenas, alunos advindos de escolas públicas, etc.) a reivindicação por educação de qualidade se encontrava insatisfeita, sendo partilhada entre eles e também com outros entes sociais.

A diversidade foi o significante que se esvaziou de sentidos próprios e representou uma cadeia de equivalência estruturada pela demanda popular construída por grupos que reivindicavam o acesso à educação superior privada, tendo como personagem antagônico o sistema educacional estabelecido ao longo dos anos e que prevalecia naquele período como a conjuntura de poder que os exclui, o que segundo Laclau (2013) caracteriza a constituição do povo e a configuração populista.

Ao articular uma cadeia de equivalência ao seu redor e representar um conjunto de reivindicações de acesso ao ensino superior de grupos isolados, o signo diversidade se esvaziou de seus sentidos pregressos e representou uma demanda popular comum aos grupos sociais particulares estruturados equivalencialmente.

83 Porém, na medida em que as demandas de acesso ao ensino superior dos grupos isolados e equivalencialmente articulados foram sendo absorvidas no contexto do Fies, ao mesmo tempo em que se reduzia a presença de um sujeito antagônico excludente, uma relação puramente diferencial se fortaleceu em detrimento da cadeia equivalencial em torno do significante vazio diversidade que representava uma demanda popular. Em outras palavras, ocorria um enfraquecimento da formação populista.

Figura 2 - Campo discursivo e sentidos em torno do significante vazio Diversidade no discurso do Fies

Fonte: Elaboração da autora.